Baltimore pede ajuda federal para travar subida de homicídios

Para encontrar um registo mais mortífero é preciso recuar 43 anos. Aumento do número de homicídios afecta as principais cidades dos EUA, incluindo Nova Iorque e a capital federal, Washington D.C.

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A maior cidade do Maryland foi palco de confrontos após a morte de Freddie Gray, em Abril Sait Serkan Gurbuz/Reuters

Ninguém sabe porquê, e provavelmente não haverá nunca uma explicação simples, mas o número de homicídios em algumas das maiores cidades dos EUA subiu este ano para níveis que já não eram vistos há vários anos. No topo da lista está Baltimore, palco de violentos confrontos após a morte do jovem negro Freddie Gray, em Abril – só nos últimos três meses, 116 pessoas foram mortas na maior cidade do estado do Maryland, o rasto mais sangrento desde 1972 durante o mesmo período.

O país está confuso com a subida do número de homicídios, apesar das mortes de vários cidadãos negros nos últimos meses, cujo mediatismo é apontado como uma das razões para o aumento da violência. Mas o problema está longe de se limitar a cidades como Baltimore, no Maryland, ou a Ferguson, no Missouri – alastrou-se a Chicago, Dallas, Milwaukee, Nova Orleães, St. Louis, e até a Nova Iorque e Washington D.C.

Os responsáveis pela polícia destas e de outras cidades norte-americanas reuniram-se esta semana na capital federal, para tentarem perceber o que está a acontecer, e se estará na altura de propor mudanças, depois de duas décadas de um relativo sucesso na prevenção de homicídios.

"Esta reunião foi organizada com o carácter de uma cimeira de emergência. Há um sentimento de urgência porque estão a morrer pessoas. Há décadas que não assistíamos ao que estamos a assistir", disse a chefe da polícia de Washington D.C., Cathy Lanier, em conferência de imprensa.

J. Thomas Manger, chefe da polícia do condado de Montgomery, próximo da cidade de Baltimore, e presidente da associação de polícias das maiores cidades dos EUA, tocou no tema do controlo de armas: "Há cada vez mais vítimas baleadas, mais invólucros de balas recolhidos nas cenas dos crimes, e notamos que há mais carregadores de alta capacidade envolvidos nestes tiroteios."

Entre as propostas saídas da cimeira dos chefes de polícia estão a aprovação de leis mais restritivas no acesso a armas de fogo e a carregadores de alta capacidade – uma medida defendida pela Administração Obama, mas que tem encontrado resistência no Congresso –, e penas mais pesadas para homicídios com armas de fogo.

Em termos absolutos, a cidade com mais homicídios registados entre Janeiro e Julho deste ano é Chicago, com 235 (em Portugal foram registados 100 homicídios em 2014, segundo o Relatório Anual de Segurança Interna). Desde o início do ano, foram apreendidas mais de 3400 armas ilegais na maior cidade do estado do Illinois.

"Pensem nisto: se estamos a apreender três armas por cada uma que a polícia de Los Angeles apreende, e sete por cada uma apreendida em Nova Iorque, e ainda por cima temos um aumento de 22% no número de detenções por posse de arma, alguma coisa está a acontecer", disse o superintendente da polícia de Chicago, Garry McCarthy, ao jornal The Washington Post.

Cidades como Washington, Nova Iorque, Houston ou Filadélfia também têm registado um aumento do número de homicídios em relação ao mesmo período de 2014. Na capital federal foram registados 87 homicídios até ao fim de Julho, um número que já se aproxima dos 105 registados no ano passado.

Enquanto as polícias das principais cidades norte-americanas tentam perceber o que poderá estar a inverter a tendência das últimas décadas, as autoridades de Baltimore tomaram a iniciativa de pedir a ajuda de várias agências federais para travar o número de homicídios.

Nos próximos dois meses, dois agentes de cada uma das cinco agências federais de combate à criminalidade vão trabalhar lado a lado com a brigada de homicídios da polícia de Baltimore – do FBI aos serviços secretos, passando pela autoridade de combate ao tráfico de droga.

"Há vários anos que as cidades americanas não registavam uma subida do número de homicídios como a que estamos a observar em 2015. Agora, voltamos a discutir este problema, e as nossas cidades têm os olhos postos em Baltimore. Querem saber o que é que Baltimore vai fazer", disse o chefe da polícia interino da cidade, Kevin Davis, citado pela agência Associated Press.

O apelo mais dramático foi lançado por Elijah Cummings, membro da Câmara dos Representantes eleito pelo estado do Maryland: "As únicas pessoas que estão a lucrar com esta situação são os agentes funerários. E eu afirmo que a nossa cidade é melhor do que isto. Não se resume a homicídios e a tiroteios. Imploro-vos: baixem as vossas armas."

Apesar dos números – e à falta das explicações concretas que a maioria dos cidadãos procura quando estão em causa questões como a criminalidade violenta – há quem alerte para a possibilidade de se estar a assistir a um fenómeno menos alarmante do que parece à primeira vista.

Brian Miller, professor de Sociologia na Universidade Wheaton, com uma tese de doutoramento sobre as dinâmicas de desenvolvimento nos subúrbios de Chicago, salienta que "os índices de criminalidade foram baixos durante quase duas décadas na maioria das principais cidades".

"Apesar disso, não era essa a percepção pública", escreve Miller no blogue Legally Sociable, sugerindo cautela enquanto não houver mais informações do que se passar nos próximos meses ou anos. "Podemos ver este aumento como 'Os índices de criminalidade eram elevados e agora estão ainda mais elevados!', ou como 'Os índices de criminalidade desceram durante um longo período, e agora estão a subir'. São duas histórias diferentes."

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