Decisão sobre legalidade da compra da TAP já está nas mãos do regulador

Denúncias de Efromovich sobre a legalidade do consórcio vencedor vão ser remetidas por Bruxelas ao regulador português.

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TAP vai ser vendida ao consórcio de David Neeleman e Humberto Pedrosa Paulo Ricca

Menos de uma semana depois de ter sido nomeado, o novo conselho de administração da Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC), presidido por Luís Ribeiro, já está a analisar o dossier mais importante do sector: a privatização da TAP. E caberá à ANAC decidir se a Atlantic Gateway, o consórcio formado por Humberto Pedrosa e David Neeleman para comprar a TAP, é legal à luz das regras comunitárias que definem que uma transportadora tem de ser efectivamente detida e controlada por um cidadão europeu, condição necessária para que lhe seja emitida a licença de transporte aéreo.

“São as autoridades portuguesas que têm a responsabilidade de avaliar se o investimento realizado na TAP pelo consórcio vencedor cumpre os requisitos relativos à propriedade e controlo das companhias aéreas europeias”, afirmou ao PÚBLICO um porta-voz da Comissão Europeia.

Também a ANAC adiantou que irá pronunciar-se “quanto à manutenção de todos os requisitos inerentes à titularidade de uma licença de transporte aéreo”, entre eles “os requisitos de titularidade e controlo”. Fonte oficial do regulador disse ainda que “não tem de haver qualquer articulação” neste processo com as autoridades europeias, pois “cada entidade tem as suas competências específicas”.

“É à ANAC que cabe em exclusivo” verificar se estão cumpridos os requisitos para a manutenção da licença da TAP, e se a decisão for nesse sentido, então notificará a Comissão, que “só terá de verificar se essa notificação cumpre o direito europeu”, disse a mesma fonte.

A administração da TAP notificou a operação no início de Julho e “o prazo indicativo para a apreciação das alterações desta natureza pode ir até três meses após a completa instrução do processo”, adiantou da ANAC. Quer isto dizer que o prazo está dependente de eventuais pedidos de informação adicional, mas se fosse necessário todo o prazo legal, o parecer, que é vinculativo, só seria conhecido depois das eleições legislativas, o que não é expectável.

Além das informações que a TAP transmitiu à ANAC (cujo novo presidente foi nomeado mesmo depois de a sua preparação para o cargo ter sido questionada no Parlamento ainda este mês), há outros elementos que a entidade reguladora deverá ter em conta: as denúncias quanto à legalidade do consórcio vencedor. Entre elas as que foram feitas por cartas enviadas em meados de Julho pelos representantes legais de Germán Efromovich, o candidato que saiu derrotado na privatização, às direcções-gerais de Concorrência (DG COMP) e Transportes (DG MOVE) da Comissão. Segundo informações recolhidas pelo PÚBLICO, pelo menos a denúncia enviada à DG MOVE será remetida à ANAC.

Na carta, Germán Efromovich vinca que os estatutos da sociedade que David Neeleman e Humberto Pedrosa constituíram para comprar a TAP “são elucidativos” quanto a quem tem o controlo efectivo da empresa. Mostram que “quem detém 95% do investimento [David Neeleman] é dono efectivo e formal do consórcio e quem detém 5% [Humberto Pedrosa] apenas se move com o intuito de receber um prémio, 25% dos lucros da TAP”, defendeu uma fonte ligada a este processo.

Os estatutos da Gateway mostram que, embora tenha apenas 49% do consórcio, David Neeleman tem acções de categoria especial que lhe dão mais poder, nomeadamente o direito a receber 74,47% dos lucros da companhia e de aprovar a distribuição de lucros a Pedrosa, que tem 51% da sociedade. Outro aspecto que parece indicar o protagonismo de Neeleman no consórcio é a cláusula que atribui ao detentor das acções especiais a obrigação de injectar 214,5 milhões de euros na empresa, cabendo ao detentor das acções ordinárias uma prestação de 12 milhões.

Adicionalmente, em carta enviada à DG COMP, Efromovich considerou que neste processo poderá haver “uma ajuda de Estado implícita” pela “insuficiência de contragarantias prestadas [à Parpública] pelo consórcio” vencedor. Considerando que a holding estatal está obrigada a garantir os financiamentos da transportadora enquanto estes vigorarem (a não ser que os bancos aceitassem prescindir dessa garantia), e que Neeleman e Pedrosa querem renegociar parte da dívida, Efromovich questiona se as contragarantias oferecidas pela Gateway à Parpública serão suficientes numa eventual situação de incumprimento, adiantou a mesma fonte.

O PÚBLICO sabe que a Parpública, holding que gere as participações do Estado em empresas, já enviou aos representantes legais de Efromovich alguma informação sobre o processo de privatização, mas o empresário continua a pedir em tribunal acesso a toda a documentação. E, ainda antes do final de Agosto, contam reunir-se em Bruxelas com os serviços da DG MOVE.

Quem esteve recentemente em Bruxelas para uma reunião na DG COMP foi a Associação Peço a Palavra, ligada ao movimento Não TAP os Olhos. Segundo um comunicado da associação, no encontro foi entregue um dossier com elementos de investigação sobre “os contornos obscuros do negócio de venda da TAP”. A Comissão foi ainda “alertada” para aquilo a que a associação chama “embuste”: “O consórcio Atlantic Gateway é, de facto, controlado por um empresário não-europeu, que, além do mais, é subsidiado pelo Estado brasileiro, o que viola duplamente normas do direito europeu”, lê-se no comunicado.

Esta e outras preocupações foram também expressas pela eurodeputada socialista Ana Gomes em cartas enviadas às comissárias dos Transportes, Concorrência e Mercado Interno no início do mês. Embora não espere uma resposta “antes de Setembro, Outubro”, Ana Gomes diz-se certa que será aberta uma investigação: “A DG COMP teria sempre de emitir um parecer sobre o negócio, mas perante as cartas e iniciativas da sociedade civil, não me passa pela cabeça que não haja uma investigação”, disse ao PÚBLICO.

Até ontem, nem a Autoridade da Concorrência, nem a DG COMP tinham sido notificadas do negócio da TAP, uma decisão que cabe aos compradores.

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