Breve passagem, grande descoberta

Journey nunca deixou ninguém indiferente. A sua chegada à PlayStation 4 reafirma a sua originalidade e carisma, tão válidos em 2012 como em 2015.

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thatgamecompany

Journey é um jogo com o coração no sítio certo. Recém-chegado à PlayStation 4, desde o seu lançamento original na PlayStation 3 em 2012 nunca foi esquecido, conseguindo imediatamente mais que valências suficientes para ficar na memória de quem o jogou e o relembra com outros jogadores. E a recordação que fica não é grave nem violenta, é a de um encanto suave de dissolução lenta.

O primeiro contacto com o jogo é de uma desolação do tamanho do ecrã. O protagonista de vestes encarnadas e de cachecol ao vento está em frente ao deserto e, tal como ele, o jogador não sabe para onde ir. Desde os primeiros minutos fica estabelecido que a produtora thatgamecompany quer entregar as rédeas da aventura a quem segura ao comando, dar-lhe uma aventura em que são alfaiates da jornada.

É óbvio que alguns pontos serão comuns a todos, contudo, a passagem pelo jogo variará consoante o estilo de cada um. Os primeiros passos são assentes no senso comum: ver algo que esvoaça no topo de uma duna alimenta a curiosidade e é intuitivo. Journey vai evoluindo e o jogador com ele, aprendendo a deduzir o que tem que fazer sem nunca estar verdadeiramente perdido no cenário.

Ao fundo — bem lá ao fundo — vemos o cume luminoso de uma montanha e por aprendizagem de outros jogos e de filmes, não é muito árduo perceber a alta probabilidade de tudo acabar lá. O que desafia as probabilidades, os clichés, os juízos ávidos de quem pensa que já jogou tudo, é — tal como o nome indica — a jornada para lá chegar.

Com mecânicas de explicação breve, vamos aprendendo que o lenço usado pelo protagonista pode ser aumentado e que nos permite saltar e planar momentaneamente; aprendemos também que os puzzles são de solução fácil, tão fácil que não prenderá e acabará por desafiar o uso dessa denominação. Há segredos que recompensam os de curiosidade mais espevita e que recusam o caminho mais lógico.

Portanto, há uma jogabilidade simples e um desafio que nunca é usado para prolongar a longevidade da obra. Todavia, isto conquista a confiança do jogador, levando-o a acreditar que não será por parca habilidade que a frustração virá à tona, ou seja, pode verdadeiramente concentrar-se naquilo que torna Journey memorável: o carisma de tudo o resto que o compõe.

Pode-se começar a sua decantação mencionando o arco narrativo. Difuso em várias interpretações, o final sugere que há laivos do que pode ser compreendido como a reencarnação e, sobretudo, a importância do protagonista chegar ao seu destino, nem que para isso tenha ajuda etérea quando tudo falha perto do final. O final — e a descoberta — de Journey é, derradeiramente, o que cada testemunha fará dele. Já Saramago tinha escrito que “sempre chegamos ao sítio aonde nos esperam”, e talvez seja essa a melhor definição desta narrativa.

A grande diferença entre a versão PlayStation 4 e a original de Journey é uma apresentação com uma resolução de 1080p e os tão badalados 60 fotogramas por segundo. O grafismo do jogo é um dos pontos mais inconfundíveis e é verdade que agora a experiência está mais suave e fluída sem  ceder nada em termos carismáticos e marcantes. Podem colocar 100 jogos lado-a-lado e ninguém terá a mínima dúvida em identificar Journey — e a busca será bastante breve.

Boa parte do mérito da thatgamecompany está em não apresentar um mundo absorto e grande por ser grande. Além da variedade de cenários, nunca é sentida a desmotivação de percorrer o vazio, a falta de sentido de progressão por parecer que se está a patinar no mesmo sítio minutos a fio.

O movimento da areia, a maneira como o protagonista deixa marcas que parecem naturais, as várias tonalidades que refletem a hora do dia, uma porção que ironicamente parece claustrofóbica, monumentos enormes que lembra Shadow of the Colossus e ilustram as ruínas de uma civilização ida: tudo isto adornam um quadro geral marcante e não escusa o pormenor à inspeção minuciosa.

É importante referir que não é à toa que parece que o jogador sabe sempre para onde tem que ir. Aqui ser intuitivo como já foi referido é fruto do excelente design dos níveis. Os momentos que antecedem o final são vinte minutos em crescendo que selam as boas memórias com que se ficam do título.

Infelizmente, é uma experiência que não demora muito a ser terminada. É muito provável que a primeira travessia não demore mais de duas horas, longevidade que obviamente fica aquém se decidirem repetir a aventura segunda e terceira vez, algo que valerá a pena para serem descobertos todos os segredos, explorando cada recanto do cenário.

Contudo, há duas maneiras de jogar Journey. Sim, podemos atravessar o deserto sozinhos e experienciar a solidão da experiência; mas também é possível partilhar o jogo com outro jogador de carne e osso. Não há a mínima competição, não ganha quem chegar primeiro, aliás, não ganha ninguém.

É um multijogador onde não é necessário fazer nada para que um companheiro ou companheira apareça no nosso mundo de jogo. E, curiosamente, também não podemos fazer nada para comunicar com ele/a de forma tradicional: não há maneira de dizer “vamos por aqui”, “espera por mim”: a única forma de comunicação é o pressionar de um botão no comando que emite um chilrear indecifrável.

E resulta. Trabalhando em conjunto, podemos mostrar um caminho que o outro jogador não sabe ou sermos surpreendidos com algo novo a que somos conduzidos. Tal como em qualquer aspeto do departamento técnico até aqui mencionado, o jogo não sofre qualquer latência quando a Internet está a trabalhar nos bastidores.

Já não havia dúvidas sobre a pedrada no charco que foi Journey e sobre os ecos lançados desde que chegou ao mercado em 2012. Agora tudo é reafirmado com os ajustes técnicos da versão publicada na PlayStation 4. Tudo acompanhado por uma banda sonora que sabe perfeitamente o que exultar, onde brilhar e onde se reduzir a um fio sonoro.

Quem comprou a primeira versão do jogo digitalmente e não está disposto a desembolsar para repetir a experiência na nova casa do título, convém ressalvar que Journey é compatível com a funcionalidade Cross-Buy, ou seja, se estão nesse lotem podem fazer o seu download gratuitamente.

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