Privatização da EMEF leva TdC a chumbar contratos de 350 milhões

Visto à prestação de serviços de manutenção à CP foi recusado por se entender que dava vantagem aos futuros accionistas privados. Decisão pode colocar em risco a venda da empresa.

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CP pretende contestar a decisão do TC, que terá efeitos negativos sobre a privatização Nelson Garrido

O Tribunal de Contas (TdC) recusou o visto a 11 contratos entre a CP e a EMEF, no valor de 354 milhões de euros, por terem sido negociados num momento em que decorre a privatização da Empresa de Manutenção de Equipamento Ferroviário. O TdC considera que estes contratos, cuja duração chega a dez anos, poderiam dar vantagem aos investidores privados que ficarem com a EMEF, conferindo-lhes receitas garantidas por um largo período de tempo. A CP contesta e irá apresentar recurso da decisão, argumentando, entre outros pontos, que representam ganhos de 50 milhões de euros.

No acórdão do TdC, a que o PÚBLICO teve acesso, são descritos dez contratos em que a CP adjudica à EMEF diferentes serviços de manutenção no valor de 336,7 milhões e que, no máximo, se estendem até 2025. Foi também incluído no lote um 11.º contrato, avaliado em 17,3 milhões, para a reparação dos comboios que prestam o serviço do Alfa Pendular. A CP submeteu-os a fiscalização prévia a 1 de Junho, mas recebeu-os de volta 15 dias depois, com pedidos de esclarecimento.

As dúvidas da instituição liderada por Guilherme d’Oliveira Martins prendem-se com a justificação dada pela transportadora ferroviária para, após autorização do secretário de Estado das Infra-estruturas, Transportes e Comunicações, ter feito os contratos por ajuste directo a uma empresa que controla, em vez de ter ido ao mercado. A CP invocou o regime de contratação in house, ou seja, a possibilidade de satisfazer as suas necessidades com meios internos, ao abrigo do n.º 2 do artigo 5.º do Código dos Contratos Públicos.

E é neste ponto que as visões da CP e do TdC colidem, pelo facto de já estar em marcha a privatização da Empresa de Manutenção de Equipamento Ferroviário (aprovada no final do Março, em Conselho de Ministros). É que o tribunal entende que “a não observância do princípio da concorrência não é admissível” neste caso, porque “está em causa um longo período temporal para execução dos contratos, em que a EMEF já não pode ser equiparada a uma estrutura de gestão interna da CP”.

A efectivação destes contratos significaria, para o TdC, que, “durante cinco, sete e dez anos, a EMEF, já detida por capitais privados, teria assegurada uma vantagem, sobre potenciais concorrentes (...) e seguindo preços que em nada resultaram da dinâmica do mercado e do jogo da concorrência”. Ao mesmo tempo, “a CP ficaria vinculada a tais compromissos contratuais”, não sendo evidente que os interesses da transportadora e do Estado “tenham sido devidamente salvaguardados”.

A CP ainda argumentou que a garantia de um ambiente concorrencial ficaria salvaguarda pelo facto de, no âmbito da privatização, haver diferentes investidores na corrida pela empresa. Mas, para o TC, as justificações apresentadas "não colhem”. E, por isso, o tribunal conclui que “os contratos não podiam, neste concreto contexto de reprivatização, ser objecto de adjudicação directa”, recusando o visto solicitado pela transportadora.

O acórdão apoia-se na jurisprudência e numa informação prestada pela Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, através da qual o Estado controla a CP. O TdC começa por afirmar que não questiona que, no momento de celebração, os requisitos de contratação in house “se encontrem formalmente preenchidos”. Mas admite que o cumprimento desses requisitos possa estar em risco, dado que “se em contra em curso” a venda da EMEF.

Outro ponto que o TdC destaca é o da duração dos contratos, notando que, ao contrário dos que a CP agora pretendia firmar, os que foram celebrados no passado com a EMEF tinham a duração de “12 ou poucos mais meses”. No acórdão, refere-se que “nas justificações apresentadas [pela CP] não se vêem razões para uma vinculação tão alargada”.

CP poupa 50 milhões
Contactada pelo PÚBLICO, a transportadora ferroviária contestou a decisão do TdC e adiantou que irá interpor recurso da mesma. A CP explicou que está a trabalhar na elaboração destes contratos com a EMEF “desde 2013, muito antes do início do processo de privatização”. E referiu que decidiu celebrá-los para criar “previsibilidade na gestão das duas empresas e definição de metas e ganhos de eficiência”, garantindo que “representam uma poupança de cerca de 50 milhões de euros”. Uma redução de custos que considera “fundamental para a prossecução de uma estratégia de busca do equilíbrio orçamental”, num ano em que deixa de receber indemnizações compensatórias por parte do Estado.

A transportadora assegurou que estes contratos são os “mais baratos que alguma vez teve”, contrariando o argumento do TdC de que o interesse público poderia não estar a ser salvaguardado. E esclareceu que “a determinação da duração da sua vigência assentou em análises técnicas que tiveram em conta o ciclo de vida das diferentes séries de material”. 

A empresa considera que são contratos “a celebrar independentemente de haver ou não privatizaçao”, mas a Secretaria de Estado dos Transportes, que os aprovou, vai mais longe na análise que faz da decisão do TdC. “A recusa de visto a um conjunto de contratos que vão desde a manutenção preventiva até à renovação dos Alfa Pendulares (...) deixa a empresa com uma redução de mais de 80% de actividade, dado que a sobrevivência da EMEF depende dos serviços que presta à CP. Isto pode, naturalmente, ter severas consequências para o futuro”. A privatização da empresa de manutenção de comboios pode ficar em risco com o chumbo do TdC, visto que a EMEF tem valor pelas encomendas que assegura.

A tutela reiterou que “se alguma coisa estes contratos representam é uma poupança de várias dezenas de milhões de euros e não qualquer perda para a CP”, explicando que “o produto da venda do capital da EMEF é receita da CP pelo que nunca, em nenhuma circunstância, há qualquer desvantagem patrimonial para a CP decorrente desta situação”. E acrescentou que espera que a transportadora “tenha condições para prosseguir a sua actividade com normalidade”.

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