MP investigou em 2011 família do homem preso numa cave mas arquivou o caso

Segurança Social diz que sinalizou família em 2011, mas que esta rejeitou apoios sociais e cuidados de saúde além de recusar entrada de técnicos na habitação. Caso foi remetido para DIAP de Cascais que arquivou inquérito.

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GNR foi chamada a casa na Amoreira, Cascais, por queixas de agressões feitas por vizinhos. Nuno Ferreira Santos

O Ministério Público investigou no âmbito de um processo-crime a família residente na Amoreira, Cascais, que tinha preso numa cave da habitação um homem de 38 anos com deficiência profunda, filho da dona da casa, uma sexagenária que foi detida. O inquérito, aberto em 2011 na sequência de uma participação da Segurança Social, acabou por ser arquivado. Isto antes das autoridades terem descoberto o homem fechado numa pequena divisão, sem janela, onde apenas havia um colchão velho e baldes para as necessidades fisiológicas. Baseada nos testemunhos de alguns vizinhos, a polícia suspeita que o homem estava preso há pelo menos oito anos.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) confirmou a abertura de um inquérito-crime em 2011 visando aquela família e que o mesmo foi arquivado. Contudo, não conseguiu, em tempo útil, adiantar detalhes sobre os crimes em investigação.  

Certo é que o processo foi aberto na sequência de uma participação da Segurança Social, segundo garantiu esta instituição ao PÚBLICO. “Em 2011, os serviços da Segurança Social sinalizaram a situação, contudo foi recusado qualquer acompanhamento por parte do agregado familiar quer ao nível de apoios sociais quer ao nível de cuidados de saúde, tendo o agregado familiar passado a recusar a entrada das equipas da Segurança Social na sua habitação”, refere a instituição num email enviado ao PÚBLICO. E acrescenta: “A situação foi comunicada ao Ministério Público em 2011”.

O Ministério Público, através da PGR, confirmou a existência desta investigação e que a mesma decorreu no Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Cascais, que acabou por arquivar o caso. Num esclarecimento enviado ao PÚBLICO, a PGR adianta que estão pendentes outros dois inquéritos-crime naquele departamento: um aberto esta semana após a descoberta do homem enclausurado e de agressões da mãe deste a vizinhos, e outro instaurado em 2014 na sequência de outra queixa apresentada por vizinhos. “Existe ainda um processo administrativo que tem por objecto a recolha de elementos que permitam ao Ministério Público decidir qual a providência a propor no âmbito da Lei de Saúde Mental”, refere a resposta da procuradoria.

Já a Segurança Social garante que “está a acompanhar o agregado familiar em estreita articulação com as entidades judiciais e da saúde, assegurando todo o apoio e encaminhamento necessário e adequado a cada um dos elementos da família”. Para já, o homem que esteve enclausurado continua internado no Hospital de Cascais, que se recusa a adiantar informações sobre o seu estado clínico. Na mesma unidade, estará também a sua irmã de 26 anos.

A mãe também foi observada numa unidade de saúde, o Hospital S. Francisco Xavier, onde foi sujeita a uma avaliação psiquiátrica. Mas não tendo o médico detectado qualquer distúrbio mental ao contrário das primeiras suspeitas da polícia a GNR acabou por detê-la nesta terça-feira à noite. Antes a mulher justificara à polícia ter prendido o filho na cave para o proteger, já que este seria muito agressivo. De resto, pouco falou tendo até um discurso desconexo. Repetiu várias vezes a expressão “o meu menino”, referindo-se ao filho, adiantou fonte da PJ.

Esta quarta-feira a sexagenária foi interrogada por um juiz de instrução no Tribunal de Cascais, um depoimento que será retomado esta quinta-feira. Só então o magistrado decidirá as medidas de coacção a que a arguida ficará sujeita.

A GNR garante que remeteu ao tribunal um relatório sobre o sucedido estando em causa a agressão a um vizinho e os crimes de sequestro e maus-tratos ao filho. Fonte da PJ, porém, disse ao PÚBLICO que na origem da detenção está apenas o episódio de agressões a um vizinho esta terça-feira e não a situação relativa ao filho. A PJ garantia, aliás, que na noite de terça-feira não tinha sido aberto um processo-crime aos contornos do caso referente ao filho, uma vez que os indícios apontavam mais para um caso de natureza social. A Unidade Nacional de Contra Terrorismo da PJ está a investigar o caso.  

“A senhora foi a uma primeira consulta ao hospital e depois foi detida. Não temos conhecimento do diagnóstico quanto ao distúrbio psíquico. Foi aberto um processo-crime, pelo que tivemos de informar o tribunal e proceder à detenção”, explicou o tenente Filipe Costa, comandante do subdestacamento da GNR de Alcabideche.

A GNR descobriu a situação depois de ser chamada à Amoreira para acorrer a um episódio de agressões. Quando chegou, a mulher já teria ferido um vizinho. Aliás, a suspeita já era conhecida das autoridades, tendo a GNR confirmado que recebeu várias queixas relativas a ameaças e agressões. Dentro da casa, as autoridades encontraram facas e catanas que, segundo relatos dos vizinhos, eram frequentemente usados para os ameaçar.

Poucos minutos depois de chegarem, os militares da GNR foram surpreendidos por gemidos vindos de uma cave da casa para onde se dirigiram acabando por encontrar lá preso o homem. Mãe e filho são cabo-verdianos e estarão em Portugal há cerca de 20 anos. Juntamente com eles vivia o companheiro da sexagenária e pai dos seus filhos, também com cerca de 60 anos, e a irmã do homem encontrado na cave — a polícia suspeita que, por vezes, também fosse mantida à força em casa.

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