Flexibilidade e rigidez orçamental

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Ministério das Finanças vai ultrapassar meta de redução de funcionários Pedro Cunha

O exercício de análise mensal dos dados fornecidos pelo Ministério das Finanças mostra a dificuldade de qualquer exercício orçamental. Com os dados existentes, o défice orçamental aproxima-se agora dos 3% do PIB, embora ainda ligeiramente superior.

Confirmam-se, no essencial, as tendências de agravamento do défice pela sobre-orçamentação das receitas fiscais e das contribuições sociais (em particular da segurança social) de sub-orçamentação de algumas despesas, em particular as despesas de pessoal do Estado. Em contrapartida, para a a melhoria do saldo orçamental contribui uma aparente sobre-orçamentação do conjunto das prestações da segurança social, em particular as pensões e o subsídio de desemprego. O efeito conjugado destas duas tendências, de sentido contrário, é ainda um agravamento do défice de 0,33% relativamente ao previsto no OE2015 que é de 2,7%.

Há, porém, algumas variáveis que têm um comportamento mais errático e outras mais previsível. No lado dos impostos, a principal incógnita reside no imposto sobre o tabaco (o IT). A conhecida curva de Dupuit-Laffer mostra que nem sempre um aumento da taxa de tributação leva a um aumento da receita fiscal. Chegar-se-á sempre a um ponto em que o efeito conjugado de aumento de evasão fiscal pela alta tributação e a redução da base tributária pela alteração dos comportamentos dos agentes (fumadores passarem a fumar menos) origina uma redução da receita fiscal. O Governo espera arrecadar mais cerca de 100 milhões do que no ano passado.  A receita mensal deste imposto é bastante irregular, e aqui as previsões são mais difíceis, mas os dados parecem sugerir que tal não irá acontecer.

A outra principal fonte de imprevisibilidade é a aquisição de bens e serviços, não pela entrada dos Hospitais EPE, agora no perímetro orçamental, mas porque tem um comportamento irregular, desde logo, porque muitos serviços executam em Dezembro aquilo que não conseguiram fazer ao longo do ano (e ano de eleições não ajuda). Por outro lado, porque uma parcela, ainda significativa, está cativada logo à cabeça no Orçamento de Estado e compete ao Ministério das Finanças autorizar, ou não, a descativação.

Como já referi, penso que o Ministério das Finanças tudo fará, usando a flexibilidade orçamental existente, para atingir um défice abaixo dos 3%, e obviamente tentará alcançar a sua meta dos 2,7%. Alguma poupança nos juros poderá ajudar.

Um grau de alguma liberdade no Orçamento de Estado para se alcançar o défice previsto é a dotação provisional do Ministério das Finanças, que este ano é de 533,5 milhões. De acordo com a Lei de Enquadramento Orçamental, esta verba deve ser usada para despesas não previsíveis e inadiáveis e assim não tem sido, de acordo com o Tribunal de Contas, embora o Governo argumente o contrário.

Para além da dotação orçamental, a gestão dos cativos também pode ajudar. Em 2013, último ano para os quais temos dados na Conta Geral do Estado, o OE2013 previa 253 milhões de cativos, o Rectificativo aumentou os cativos para 284,1 milhões e chegou-se ao final do ano com 144,4 milhões de cativos. Isto é, foi possível poupar cerca de uma décima do PIB com as verbas cativadas.

Isto coloca uma questão interessante no contexto da própria discussão da proposta de Lei de Enquadramento Orçamental que é esta: em que medida as regras orçamentais deverão ser rígidas e em que medida deverão permitir alguma flexibilidade, tendo em conta a importância crescente dos compromissos internacionais e nacionais para os objetivos nominais do défice?

 
 

 

 

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