Foi mais difícil, mas no fim venceu Blatter

A FIFA será liderada pelo suíço durante mais quatro anos, mas Blatter tem pela frente um mandato exigente. Os últimos dias deixaram a organização desunida, desconfiada e mal vista.

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Blatter festeja a vitória nas eleições da FIFA FABRICE COFFRINI/AFP
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Blatter durante os trabalhos do congresso da FIFA Michael Buholzer / AFP

Uma vitória de Joseph Blatter nas eleições do organismo que lidera desde 1998 nunca seria surpreendente, mas os momentos vividos pela FIFA e pelo seu homem-forte nos últimos dias estiveram bastante longe de criar o clima de aclamação que costuma definir estes congressos. A história da sua reeleição espelhou isso mesmo.

O suíço conseguiu juntar 133 votos à primeira volta, ficando a poucos dos dois terços (139) necessários para assegurar a vitória. Mas acabaria mesmo por vencer sem recurso a nova votação depois da desistência de Ali bin Al-Hussein, o único dos candidatos que se manteve até ao último dia.

O congresso anual da FIFA ficou marcado de forma incontornável pelo escândalo de corrupção que envolveu actuais e antigos dirigentes do organismo que tutela o futebol mundial. Sete responsáveis foram detidos na véspera do início do congresso e foram formalizadas acusações a 14 pessoas, na sequência de uma investigação do Departamento de Estado norte-americano.

Um inquérito paralelo foi lançado pelas autoridades suíças para averiguar possíveis ingerências e lavagens de dinheiro no processo de atribuição das organizações dos próximos dois Campeonatos do Mundo – em 2018 na Rússia e em 2022 no Qatar.

Quando se dirigiu ao congresso pela última vez antes da eleição, Blatter prometeu assumir a “responsabilidade de consertar a FIFA”, durante a “tempestade” que atravessa. Sob o espectro da desconfiança, cabe agora a Blatter fazer as reformas que prometeu para apagar a imagem de uma FIFA pouco transparente e complacente com as alegadas práticas de corrupção de alguns dos seus mais destacados membros.

Outro dos “trabalhos” do suíço será a recuperação da unidade interna da FIFA. Blatter nunca foi popular na Europa – é junto das confederações africanas e centro-americanas que recolheu os seus apoios nas sucessivas reeleições. Mas nunca essa clivagem se mostrou tão acentuada como nos últimos dias.

No limite, o próximo Campeonato do Mundo pode ser boicotado pelas selecções europeias. A ideia foi avançada pelo presidente da federação inglesa, Greg Dyke, uma das vozes mais críticas dos consulados de Blatter, que disse que essa eventualidade “deve ser discutida”. David Gill, um dos novos membros do comité-executivo da FIFA, proposto pela federação inglesa, prometeu não tomar posse caso Blatter fosse eleito, como forma de protesto. Na quinta-feira, o presidente da UEFA, Michel Platini, pediu directamente a demissão de Blatter – que lhe respondeu que era “demasiado tarde” – e afirmou que o futuro das relações entre a confederação europeia e a FIFA será discutido na próxima reunião em Berlim. Ameaças de boicote foram repetidas por vários responsáveis europeus, mas esse será um cenário pouco provável pelas quebras financeiras que pressupõe.

Críticas de Figo
Sem demissão, restava aos europeus reunir tropas para apoiar o adversário de Blatter. Platini tinha dito que uma “grande maioria” das federações já tinha manifestado a intenção de votar em Al-Hussein, mas o consenso não era garantido. A Rússia – organizadora do próximo Mundial – não hesitou em apoiar Blatter, com o próprio Presidente Vladimir Putin a acusar os EUA de “interferirem” com o funcionamento da FIFA. A Espanha também terá votado no actual presidente.

“Estou orgulhoso que a UEFA tenha defendido e apoiado um movimento pela mudança na FIFA. Uma mudança que é crucial se a organização pretende recuperar a sua credibilidade”, afirmou Platini à saída do congresso de Zurique.

Luís Figo, que era um dos candidatos iniciais a suceder a Blatter, teceu uma forte crítica à reeleição do suíço, na linha daquilo que já vinha dizendo nos últimos dias. “Não se pode liderar a FIFA fazendo tábua rasa das mais elementares regras de transparência, legalidade e democracia”, afirmou o ex-internacional português, que considerou que a escolha de Blatter mostra que a organização está “doente”. “Se o sr. Blatter se preocupasse minimamente com o futebol, teria desistido de se apresentar à reeleição. Se tiver um mínimo de decência, terá de resignar nos próximos dias”, acrescentou.

A Federação Portuguesa de Futebol afirmou que “a recondução de Joseph Blatter prova que Luís Figo tinha razão quando se recusou a caucionar este processo” e disse que a FIFA “corre o risco de implodir”.

Imune a todas as críticas, Blatter foi reeleito para o quinto mandato, embora não com as vitórias categóricas de outros tempos. Apenas em 1998, quando foi eleito pela primeira vez, é que o antigo administrador hoteleiro não venceu à primeira volta. Mas o seu concorrente da altura, o ex-presidente da UEFA, Lennart Johansson, renunciou à segunda volta, dando assim início à era Blatter na FIFA.

Se o escândalo de corrupção que rebentou nas vésperas do congresso não tivesse ocorrido, seria questionável que o processo eleitoral recebesse a atenção mundial que teve – para além da primeira, apenas houve outra ocasião em que Blatter teve um opositor, o que reflecte a competitividade destes sufrágios. Al-Hussein conseguiu uma notoriedade inesperada, catapultada pela polémica, unindo todos aqueles que desejavam uma nova FIFA.

“Foi uma viagem maravilhosa, quero agradecer a todos aqueles corajosos o suficiente para me apoiarem”, disse o jordano vice-presidente da FIFA, numa curta declaração. Seguiram-se os aplausos, e algumas vaias, e Blatter voltou a tomar conta da “sua” FIFA. “Agradeço-vos por me terem aceitado para os próximos quatro anos. Vou comandar este barco chamado FIFA e iremos trazê-lo de volta para o mar.”

Para o futuro ficou no ar a possibilidade de este ser o último mandato de Blatter, que prometeu deixar ao seu “sucessor” uma “FIFA mais forte”.

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