“Se a Grécia sair, no futuro haverá mais crises no euro”

Martin Wolf, editor associado e colunista do Financial Times, defende que zona euro deixaria de ser uma verdadeira união monetária.

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Martin Wolf DR

Martin Wolf, é um dos mais influentes colunistas em assuntos económicos da imprensa internacional. Os seus textos no Financial Times contribuem para a formação de opinião nos mercados e no poder político. No seu livro As mudanças e os choques, agora publicado em Portugal, explica como é que o acumular de desequilíbrios na economia mundial conduziu a uma crise que agora exige soluções inovadoras e difíceis. Em entrevista por telefone, Martin Wolf explica ao PÚBLICO porque é que uma saída da Grécia enfraquece o euro e recomenda que Portugal seja prudente na aplicação de uma política orçamental expansionista.

Acredita que, ao fim destas semanas todas de desentendimento, se vai conseguir chegar a um acordo com a Grécia?
Não sei o que vai acontecer. E duvido que mesmo as pessoas que estão envolvidas nas negociações saibam realmente o que vai acontecer. Ainda assim, continuo a assumir que a pressão para chegarem a um acordo será tão grande que acabarão, no último momento, por conseguir atingi-lo. Mas, na verdade, é difícil fazer uma previsão.

Um acordo, a acontecer, será estável? Ou voltaremos rapidamente a um cenário de incerteza?
Há uma coisa que é certa: a Grécia não vai conseguir pagar toda a sua dívida. Por isso, ou há um perdão de dívida ou adiam o seu pagamento ou garantem que vão continuar a ser refinanciados. Não sei se o próximo acordo, a acontecer, vai já prever isso. Do outro lado, mesmo que a Grécia entre em default, isso não significa que saia do euro. Teria de impor controlos de capital, mas poderia manter-se.

Concorda que uma saída da Grécia do euro seria agora menos grave para a zona euro?
Os impactos para a zona euro dependem de quão caótico fosse o processo. No curto prazo, surgindo problemas, existe a possibilidade de o Banco Central Europeu (BCE) os conseguir gerir. Mas no longo prazo, os impactos negativos são mais certos. É que, a ficar claro que os países afinal podem sair do euro, isso tornaria o euro apenas num acordo rígido do qual se pode sair. A zona euro passaria a ser uma instituição completamente diferente de uma verdadeira união monetária. Por exemplo, ninguém coloca a hipótese de a Califórnia poder vir a deixar de usar o dólar, por muitos problemas que tenha. O que isto significaria é que, no futuro, se passaria a assistir a muito mais crises na zona euro.

Desde que escreveu o seu livro, a economia mundial, e em particular a zona euro, tem conseguido crescer mais rápido graças à redução dos preços do petróleo e à acção mais forte do BCE. Pode-se dizer que são sinais de sucesso?
Há de facto uma recuperação da economia da zona euro, que talvez consiga crescer ligeiramente acima do seu potencial. Mas é uma retoma muito fraca. A zona euro vai voltar ao nível em que estava antes da crise apenas no final de 2016. Isto significa que estamos perante quase uma década perdida. Para países como a Espanha, Itália e Portugal, o regresso aos níveis pré-crise ainda acontecerá mais tarde, entre 2017 e 2020, ou seja, será mais do que uma década perdida. Seja qual for o padrão usado, estamos perante recessões muito profundas e recuperações muito lentas. Considerar isto um sucesso é baixar este conceito para um nível insignificante. E para além desta lentidão na retoma, há ainda custos de longo prazo muito significativos. A dívida pública ficou bastante mais alta e a dívida privada pouco ou nada melhorou. Ninguém há 20 anos consideraria o que entretanto aconteceu como menos do que um desastre.

Mas pode dizer-se que o pior já passou?
Em relação ao futuro, é verdade que a política extraordinária do BCE está a produzir efeitos, especialmente através da ajuda de um euro fraco. Mas a zona euro enfrenta deficiências tanto a nível da oferta como da procura que ainda estão por resolver. Não é nada claro que haja uma fonte de procura estável para o futuro. E, por isso, é definitivamente muito cedo para estar a falar de sucesso.

Acha que países como Portugal devem aproveitar o actual cenário para dar à economia um estímulo orçamental? 
Pode haver bons argumentos para fazer uma determinada aposta no investimento público, mas acho que um regresso a um política de estímulo orçamental agressiva seria arriscado. Poderia ser atractiva, mas arriscada. É verdade, de momento, que o país conta com a ajuda do BCE, o que coloca as taxas de juro a um nível baixo. É possível que este cenário se mantenha durante mais algum tempo. Mas para um país como Portugal, que há pouco tempo viu-lhe negado o acesso a financiamento no mercado, faz mais sentido esperar mais pela procura externa do que arriscar um estímulo orçamental. É que não se pode ter a certeza que o BCE vai continuar a ajudar.

Esperar pela procura externa é esperar que os outros países do euro consumam mais? Isso não será garantir que estamos mesmo perante uma década perdida?
É também possível tentar ganhar mais competitividade. Eu sei que Portugal tem crescido pouco desde o ano 2000 e isto pode ser bastante frustrante. E até sinto que Portugal não deveria ter entrado no euro quando o fez, mas agora já está no euro e uma saída seria terrível. As escolhas são muito difíceis e a recuperação vai ser muito lenta. Na zona euro, onde a procura está a um nível muito fraco, a expansão terá de vir do centro. Para que isso aconteça é preciso que as políticas monetária e orçamental sejam adequadas. Com Mario Draghi, a política monetária tem vindo a ajudar. Já a política orçamental é demasiado restritiva. A zona euro tem de ser inovadora. Não é demasiado tarde para isso, ainda se pode fazer alguma coisa.

Uma reestruturação de dívida seria uma ajuda ou um problema?
Reestruturar a dívida é sempre um processo difícil, mas penso que no final poderá ter de haver uma reestruturação de dívida pública em Portugal. O caso não é tão óbvio como o da Grécia e, se o país conseguir crescer, pode melhorar a sua situação em termos de dívida, mas acredito que, feitas as contas, no final uma reestruturação pode mesmo ser inevitável. No sector privado, a situação é diferente e mais complexa.

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