Metro do Porto pagou só em juros mais do dobro do que obteve em receitas

Resultados operacionais melhoraram, mas a situação financeira da empresa piorou, fruto do histórico de endividamento.

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Metro atrai cada vez mais clientes mas paga caro pelo recurso à banca para financiar o pesado investimento feito na rede João Guilherme

A Metro do Porto obteve no passado um conjunto de recordes na operação. Mais clientes, mais receitas, melhor taxa de cobertura destas sobre as despesas de funcionamento do sistema. Mas em cima disto a empresa continua a suportar, mal, um endividamento excessivo, que está nos 3,217 mil milhões de euros. E que custou em 2014 quase cem milhões de euros só em juros e garantias.

As receitas de quase 40 milhões de euros representam 90% das despesas operacionais da empresa, mas não impediram a Metro do Porto de acabar o ano com um resultado líquido negativo, dez vezes superior a isso, de 400 milhões de euros, um quadro “fortemente agravado" relativamente a 2013 em 47,6 milhões de euros. No ano anterior tinha havido "um efeito positivo" por via da liquidação de onze operações de derivados de taxa de juro mas, em 2014, houve um agravamento de 111,9 milhões de euros por causa da Actualização Financeira das Provisões, explica o presidente da empresa, João Velez de Carvalho, no relatório e contas que foi esta terça-feira aprovado apenas com os votos favoráveis dos representantes do Estado.

O conselho metropolitano e as autarquias representadas na assembleia-geral abstiveram-se, fruto da deterioração das relações entre a tutela do sector, o ministério da Economia e a Secretaria de Estado dos Transportes, e as câmaras da região, e Matosinhos chegou mesmo a votar contra o documento. O vereador da mobilidade deste município, José Pedro Rodrigues, acusou o Governo de ter abandonado a empresa, ao participar com apenas 6% no total de investimentos levados a cabo no sistema. Uma situação, que a par de um recurso maior do que o habitual à banca – e menor disponibilidade de fundos comunitários – está na origem do retrato que, ano após ano, é mostrado nos relatórios e contas da transportadora.

"Temos [na empresa] uma situação que hoje é gravíssima", referiu José Pedro Rodrigues, acrescentando que as taxas de juro dos contratos 'swap' até 2019 "aumentarão entre 21 a 29%". O próprio presidente da empresa não esconde a sua preocupação. “Os resultados líquidos da Empresa continuam, assim, a evidenciar a ausência de contrapartidas pela utilização do investimento realizado, a necessidade de criação de provisões para reposição dos equipamentos cuja vida útil seja inferior ao período de concessão, a entrega a custo zero e em normais condições de uso de todo o aparelho produtivo no final desta, o financiamento do investimento com cerca de 76% de capital alheio e os efeitos dos contratos de derivados financeiros [os famosos swaps] celebrados em anos anteriores”, descreve.

Não fosse isto, e estaríamos perante uma transportadora modelo. As 56,9 milhões de validações de 2014 são um recorde de atracção de clientes, que aumentaram 1,8% em relação a 2013, a receita de 39,7 milhões esteve 2,1% acima da ano anterior enquanto os custos operacionais de 43,7M€ apenas cresceram mais 0,2%, o que explica uma taxa de cobertura de 90,8% rara em sistemas de transporte público. O resultado operacional acabou nos -85,1 milhões, sensivelmente igual aos -85,4 milhões de 2013.

Se as contas da empresa estão estragadas, a relação entre os accionistas não está muito melhor. O vice-presidente do Conselho Metropolitano, Joaquim Couto, de Santo Tirso, mostrou-se agastado com o adiamento da votação do plano de actividades da empresa para este ano e com a não substituição da administração, na qual permanecem representantes das autarquias indicados ainda antes das últimas eleições, e que até deixaram as funções que detinham nos respectivos municípios, como acontece com Joana Lima (ex-presidente da Câmara da Trofa) e Gonçalo Gonçalves (ex-vereador de Rui Rio no Porto).  

Os vogais Gonçalo Gonçalves e Silva Tiago (vice-presidente da Câmara da Maia), que substituiu o autarca da Póvoa, Aires Pereira, eram os únicos que o Conselho Metropolitano pretendia que continuassem em funções, nos lugares cuja nomeação depende de si. Numa reunião em Março tinham sido aprovados os nomes do autarca de Gondomar, Marco Martins, para o cargo de vogal não executivo, de Eduardo Vítor Rodrigues, presidente da Câmara de Gaia, para o lugar de Valentim Loureiro, na presidência da Assembleia-Geral e de Eduardo Pinheiro, vice-presidente da Câmara de Matosinhos, para vogal efectivo do Conselho Fiscal da Metro do Porto.

Este ponto e o referente ao Orçamento para 2015 foram retirados sem aviso prévio o que levou a Federação Distrital do Porto do Partido Socialista a repudiar em comunicado “o constante e reiterado desrespeito em relação aos autarcas – enquanto accionistas do Metro do Porto – e à Área Metropolitana do Porto por parte do Governo. Declarações de teor semelhante tinham já sido feitas pelo presidente da Câmara de Gondomar à saída da reunião. A empresa está num “impasse, emparedada”, criticou ainda Joaquim Couto.

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