Até as universidades conservadoras começam a render-se aos rankings

Valor das listas das melhores universidades divide especialistas e responsáveis das instituições de ensino superior. O seu crescimento e mediatismo tornou-os, porém, uma realidade incontornável.

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ENRIC VIVES RUBIO

Os rankings internacionais de universidades tornaram-se incontornáveis nos últimos anos. A sua proliferação e crescente mediatização fizeram com que as instituições de ensino superior, as famílias e os estudantes olhassem, com cada vez maior atenção, para os seus resultados. Mas o que valem, afinal, estas listas? A resposta a esta questão divide especialistas e responsáveis do sector. Há quem os veja como uma ferramenta útil para os estudantes, mas também quem os catalogue como um puro instrumento de mercado.

O investigador da Universidade Aberta João Caetano está entre os que defendem a pertinência da publicação dos rankings. “A ideia é que se estabeleçam modelos de comparação e competitividade entre instituições. Isso favorece o interesse geral e também os alunos”, defende este especialista em competitividade internacional no ensino superior. “São uma moda”, responde Rui Santiago, professor da Universidade de Aveiro, para quem há aqui uma clara influência dos mercados globalizados. “Primeiro apareceram as listas de empresas, depois as das universidades. Há uns anos surgiram as listas de empresas globais, agora fala-se de universidades de classe mundial. Há aqui um paralelismo”, aponta.

Os rankings no ensino superior são uma realidade relativamente recente. O de Xangai, um dos mais importantes, apareceu em 2003, por exemplo, e a lista da publicação especializada britânica Times Higher Education (THE) tem cinco anos. “Ao princípio houve uma depreciação da questão” entre as instituições de ensino superior portuguesas, avalia João Caetano. “Eram vistos como algo dos países anglo-saxónicos, que não fazia sentido implementar cá”.

Hoje, continua o mesmo investigador, a realidade mudou: “Ainda não existe a exigência que há em outros países europeus, mas as reitorias das universidades já têm alguma preocupação sobre isto.” “As instituições deixam-se levar na retórica da competição”, concorda Rui Santiago, da Universidade de Aveiro. Ainda que desvalorize o impacto dos rankings, o presidente do Politécnico de Coimbra, Rui Antunes, reconhece essa realidade: “Em sectores têm um efeito em termos de análise da qualidade de ensino, por isso também nos interessa o posicionamento.”

De resto, não é só entre os investigadores que os rankings causam divisões, mas também entre os responsáveis das instituições. O reitor da Universidade do Porto, Sebastião Feyo de Azevedo, acredita que a existência destas listas “faz todo o sentido”, “São uma indicação da qualidade das instituições”. Também João Sobrinho Teixeira, do Politécnico de Bragança, defende que estes rankings são preferíveis ao “pior de todos os rankings”, que são as percepções. “O ranking das percepções diz o seguinte: é do interior, é politécnico, tem de ser mau. Isso tem um efeito muito mais pernicioso do que qualquer lista”, defende. Pelo contrário, o líder do Politécnico de Leiria, Nuno Mangas, considera que a proliferação dos rankings “faz com que muitas vezes sejam uma fonte de ruído que, em vez de ajudar e esclarecer, deixa ainda mais confuso quem procura uma formação superior”.

Os rankings no ensino superior são uma realidade complexa. Apesar de genericamente serem vistos como uma forma de avaliar o ensino das universidades, a maioria deles baseia-se, sobretudo, em critérios científicos. As listas da SCimago e da Universidade de Leiden, por exemplo, fazem a seriação tendo em conta exclusivamente os índices bibliométricos, que contabilizam a produção de artigos académicos; o ranking de Xangai parte de seis indicadores, incluindo o número de citações de artigos, ex-alunos vencedores do Prémio Nobel, ou o número de artigos publicados nas revistas mais prestigiadas como a Nature e Science. Já a lista da publicação especializada britânica Times Higher Education (THE), apesar de ter em conta as relações com a indústria, a internacionalização e a qualidade do ensino, atribui 60% da sua fórmula ao volume e à reputação da investigação e às citações, portanto, também a critérios científicos.

Por isso, há uma tendência para que surjam em todas as listas as mesmas instituições, como assinala Rui Santiago. “Isto é uma reprodução. Começa a perceber-se que estas coisas não atingem o efeito esperado.” Olhando para os cinco primeiros colocados em alguns dos principais rankings encontra-se, por exemplo, a Universidade de Harvard a liderar as listas de Xangai e Webomaster, sendo a segunda colocada no THE e no ranking de Leiden e a quarta no QS; a outra grande instituição de Boston, o Massachusetts Institute of Technology (MIT), lidera o QS e o Leiden, é segundo no Webomaster, terceiro no Xangai e quinto na lista THE.

Por causa desta repetição - mas também porque este é um mercado cada vez mais apetecível para publicações especializadas e instituições de ensino superior -, o panorama tem-se tornado cada vez mais diversificado. Entre os mais antigos e respeitados rankings têm surgido novas versões: listas regionais, incluindo as exclusivas dos países emergentes, universidades jovens ou áreas científicas. E até a União Europeia entrou neste campo, com a criação, há dois anos, do U-Multirank, que permite comparações directas entre universidades e a criação de um conjunto de listas específicas tento em conta o envolvimento das universidades com o tecido económico, a sua investigação, aposta na internacionalização e qualidade do ensino, dividida por áreas científicas.

Esta é, pois, uma realidade em expansão. Mas será legítimo perguntar até que ponto é que os rankings influenciam as escolhas dos cursos por parte dos alunos? Mais uma vez, as opiniões dividem-se.

Para Rui Santiago, da Universidade de Aveiro, o valor das propinas relativamente elevado para o nível de vida do país e as consequências da crise para o rendimento das famílias acentuaram a tendência para que a escolha de um curso superior, seja uma licenciatura ou mestrado, passe pelas instituições “que estão mais perto de casa”. “A escolha tem em conta sobretudo a comodidade e os custos”, concorda o presidente do Politécnico de Bragança, Sobrinho Teixeira.

Santiago reconhece, porém, que, em algumas áreas específicas, os rankings podem ter um peso superior. Também João Caetano assinala que há alunos “dispostos a pagar bom dinheiro” pelas suas formações. Por isso, “escolhem as melhores instituições do mundo, e esse juízo assenta também nos rankings”. E é isso que mostra a experiência das escolas de gestão da Nova de Lisboa e da Católica, que usam as suas colocações nas tabelas especializadas do Financial Times (FT), para atrair alunos e professores de todo o mundo.

O FT publica sete tabelas anuais que distinguem os melhores programas de MBA, MBA Executivos, mestrados em Finanças, mestrados em Gestão, MBA online e formação de executivos. No final do ano divulga o das melhores escolas de gestão, uma súmula de todos os indicadores recolhidos.

Para elaborar as listas, o diário britânico recorre a questionários online, feitos às escolas e a antigos alunos. No caso dos mestrados em gestão, por exemplo, para uma faculdade ser considerada elegível, 20% da taxa de respostas tem de vir dos ex-estudantes. Os dados recolhidos neste inquérito são determinantes para seis dos 16 critérios que compõem a elaboração do ranking: o salário actual, o benefício obtido com o investimento (value for money), a progressão na carreira, a concretização dos objectivos iniciais, o sucesso na busca de emprego e a mobilidade internacional.

A Católica Lisbon School of Business and Economics (Católica Lisbon) foi a primeira faculdade portuguesa a receber o estatuto Triple Crown, detendo as três certificações mais importantes do sector, e a estratégia não demorou a dar frutos. Em 2007 entrou pela primeira vez na lista do FT das melhores escolas para a formação de executivos e está em 25.º lugar na tabela que distingue as melhores escolas de gestão da Europa. Francisco Veloso, director da Católica Lisbon, pormenoriza que, por serem internacionais, é nos mestrados que melhor se mede o impacto da presença dos rankings.

“O número de estudantes cresceu mais de 200% entre 2007 e 2014 e as candidaturas subiram mais de 500% nesse mesmo período. Como é fácil de compreender, com o crescimento muito mais rápido de candidatos, o nível de selectividade e, portanto, de qualidade, dos mestrados subiu muito significativamente, o que por sua vez também contribui para o ranking dos próprios mestrados”, afirma. De zero, os alunos internacionais passaram a representar entre 40% e 50% do total de estudantes nos mestrados.

Também a Nova School of Business & Economics (Nova SBE), faculdade pública da Universidade Nova de Lisboa, regista aumentos anuais de 30% nas candidaturas desde que se estreou nas tabelas do FT, em 2011. Os alunos estrangeiros têm aumentado 50% ao ano, indica a escola. “Os rankings são uma ferramenta crucial à qual damos bastante importância mas não são o fim do trabalho que fazemos. Quando decidem, os alunos consultam as tabelas, seleccionam as faculdades e depois vão tentar perceber melhor que escola querem. Os rankings põem-nos o pé na porta, mas o nosso trabalho é, depois, dizer-lhes como é que o nosso programa os vai ajudar a atingir os objectivos”, diz Daniel Traça, director da Nova SBE.

Francisco Veloso partilha a ideia. “Portugal não é reconhecido pela sua capacidade económica, nem é a base de grandes multinacionais. Por isso temos um instrumento que, de uma forma igual e comparada, nos coloca lado a lado com os grandes. Dá-nos visibilidade”, sustenta.

A Nova e a Católica disputam, taco a taco, as classificações elaboradas pelo jornal económico, mas em 2009 uniram esforços para criar um programa internacional, em parceria com a Sloan School of Management, uma das faculdades do MIT (Massachusetts Institute of Technology). O The Lisbon MBA entrou pela primeira vez no FT em 2013 e passou do 61.º lugar para 36.º em 2014.

Este resultado ajudou as escolas a subir degraus na classificação global.

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