Italiano cumpriu pena de prisão na Guiné Equatorial mas não foi libertado

Quando o país de Obiang entrou para a CPLP em Julho passado, líderes lusófonos defenderam que a adesão levaria a uma melhoria da situação dos direitos humanos.

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O Presidente Teodoro Obiang tinha prometido à UE no ano passado que à União Europeia que Roberto Berardi seria libertado por razões humanitárias. NATALIA KOLESNIKOVA/AFP

A pena de prisão a que o empresário italiano Roberto Berardi – que se associou à família do Presidente Obiang para fazer negócios na Guiné Equatorial – foi condenado em 2013 deveria ter terminado na passada terça-feira, 19 de Maio. Nesse dia, terminavam os dois anos e quatro meses contados a partir do momento em que Berardi foi detido pela polícia. E era nesse dia que o advogado esperava ver o empresário, com larga experiência em países africanos, fora da prisão de Bata onde passou mais de 16 meses em isolamento.

Mas, em vez disso, Ponciano Mbomio Nvó recebeu a informação, num encontro com o cônsul de Itália, de que Berardi não seria libertado agora, mas sim a 7 de Julho, porque a ordem de prisão só fora dada pelo tribunal a 7 de Março. Mas mantém-se o receio de activistas e investigadores que acompanham este caso.

“Estou muito preocupado como que pode vir a acontecer em Julho”, disse ao PÚBLICO Ken Hurwitz, responsável jurídico da Open Society Justice Initiative, a partir de Nova Iorque. “O Presidente já mostrou não ser um homem de palavra. No ano passado, em Bruxelas, prometeu de forma solene e pública à União Europeia que Roberto Berardi seria libertado por razões humanitárias. Regressou à Guiné Equatorial e nunca mais se ouviu nada sobre isto.”

Mas existe uma outra razão por que a Open Society, enquanto organização que investiga abusos de poder e corrupção, está preocupada, explica Ken Hurwitz: “A sentença também condena Roberto Berardi a pagar dois milhões de dólares [1,8 milhões de euros], quantia de que é alegadamente acusado de ter roubado a Teodorin Nguema [filho de Obiang]. Embora o tribunal tenha aparentemente indicado, de forma informal, que isso não teria impacto na data da libertação, é fácil imaginar que poderá tornar-se no próximo pretexto para o manter na prisão.”

O tempo que Berardi passou sob custódia policial em 2013 excedeu em muito as 72 horas previstas na lei. Esse tempo em que esteve detido, sem ordem do tribunal, foi considerado ilegal pela justiça da Guiné Equatorial, e sem qualquer validade como prisão preventiva. Mas nenhuma sanção foi imposta por essa ilegalidade reconhecida pelas autoridades. “Por se tratar de uma arbitrariedade, sugeri ao cônsul de Itália que apresentasse um protesto por via diplomática”, disse o advogado Ponciano Nvó ao PÚBLICO. O jurista esclarece que o Código do Processo Penal do país prevê a detenção sob custódia policial como tempo cumprido de prisão.

“Diplomacia necessária”
Depois a detenção a 19 de Janeiro, Berardi foi condenado em Agosto por “apropriação indevida” de activos da sociedade que criara em 2008 com Teodorin Nguema Obiang Mangue – a Eloba Costrucciones, SA.

A empresa foi utilizada por Teodorin para desviar dinheiro para contas privadas nos Estados Unidos, onde esteve acusado judicialmente de desvio de fundos do Estado e de práticas criminosas, num processo consultado pelo PÚBLICO, e que iliba Berardi. Quando o empresário italiano, que detinha 40% das acções da empresa, se apercebeu do desaparecimento do dinheiro, confrontou Teodorin e foi ele próprio acusado de apropriação indevida e preso.

A propósito deste caso, Antonio Marchesi, presidente da Amnistia Internacional em Itália, declarou, a 20 de Maio, que “uma iniciativa diplomática forte” era “necessária para confrontar o Governo da Guiné Equatorial.”

A haver algum tipo de iniciativa diplomática, ela não está a surtir efeito, diz Ken Hurwitz. "É difícil avaliar a verdadeira motivação dos italianos neste caso. Mas parece que o Governo italiano não vê os maus-tratos brutais contra um dos seus cidadãos por um pequeno regime ditatorial como um tema relevante de importância nacional. O Vaticano também tem estado surpreendentemente silencioso."

Em Julho, a Human Rights Watch denunciou que Berardi estava preso para não revelar informações secretas sobre o regime, numa altura em que ainda corria nos EUA um processo judicial contra Teodorin Obiang, o filho do Presidente – o primeiro processo judicial aberto pelo Departamento de Justiça norte-americano contra o familiar de um chefe de Estado em exercício.

Em resultado de um acordo extrajudicial concluído em Outubro de 2014, Teodorin foi obrigado a vender vários bens que a justiça dos EUA considerou terem sido adquiridos ilegalmente na Guiné Equatorial – em pelo menos 63 milhões de dólares. Parte desse valor foi cedido a organizações de caridade em benefício da população da Guiné Equatorial.  

Entretanto, também em 2014, Teodorin Obiang foi formalmente acusado de branqueamento de capitais em França, onde vários empresários espanhóis, que sofreram ameaças e foram vítimas de extorsão depois de investirem em empresas na Guiné Equatorial, têm sido ouvidos como testemunhas.

Na CPLP desde Julho
Colocado numa cela de isolamento a partir de Novembro de 2013 (e onde permanece depois de um intervalo de dois meses este ano), Berardi estava gravemente doente quando, em Julho passado, a Guiné Equatorial estava prestes a entrar para a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Tinha sido vítima de tortura, como denunciado por organizações internacionais, sofria de desnutrição e tinha febre tifóide e um enfisema pulmonar.

Na altura, e perante as críticas relativas à aceitação de um novo membro que, não sendo lusófono, não tinha dado provas de respeitar os princípios fundadores dos direitos humanos, Cavaco Silva defendeu a adesão da Guiné Equatorial como “a melhor forma” de todos os Estados-membros poderem “contribuir para a melhoria do respeito pelos direitos humanos e para a criação de instituições verdadeiramente democráticas”. 

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