"Duplo dever" dos bombeiros aumenta reacendimentos

Estudo mostra que, no Verão de 2010, 17,2% dos 14.551 incêndios registados reacenderam, dado origem a quase mais 2500 fogos. O ano passado só foram contabilizados 237.

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Muitos dos reacendimentos ocorrem em zonas inacessíveis onde não se faz correctamente o rescaldo Fernando Veludo/nFACTOS/arquivo

Os investigadores chamam-lhe o problema do "duplo dever" dos bombeiros. O desvio dos bombeiros que estão responsáveis por tarefas de rescaldo nos incêndios florestais para o combate a novos fogos é um dos factores que explica o elevado número de reacendimentos existentes em Portugal. A conclusão é de um estudo apresentado este mês, na Biblioteca Municipal de Valongo, e elaborado no âmbito do Programa MIT Portugal, uma parceria do Governo português com o Instituto de Tecnologia de Massachusetts.

Esta explicação que os investigadores apelidam como o problema do “duplo dever” dos bombeiros foi comprovada em seis dos sete distritos com maior percentagem de reacendimentos do país: Aveiro, Braga, Coimbra, Porto, Vila Real e Viseu. A excepção foi o de Viana do Castelo.

“Na prática, as equipas que precisam de permanecer nos rescaldos são muitas vezes as mesmas que precisam de estar disponíveis para novos fogos. Esta dupla função enfraquece o sistema”, concluem. E completam: “Esta é para nós uma das razões porque a percentagem de reacendimentos é tão alta”.

O artigo é assinado por três investigadores: Abílio Pacheco e João Claro, ambos do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores do Porto, e Tiago Oliveira, do grupo Portucel Soporcel. Esta empresa produtora de papel é uma das financiadoras da investigação, a par da Fundação para a Ciência e Tecnologia. Reforçar a cooperação entre as universidades portuguesas e o sector empresarial é precisamente um dos objectivos do programa MIT Portugal.

O estudo analisa os reacendimentos do Verão de 2010, que representaram 17,2% dos 14.551 incêndios contabilizados nessa estação, dando origem a quase mais 2500 fogos. Os dados do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas contabilizavam em 2014 apenas 237 reacendimentos, um número substancialmente inferior aos 1526 da média da década 2004-2013. Realça-se, contudo, que 2014 foi um dos anos que registou o menor número de ocorrências (7085) de sempre, sendo necessário recuar até 1988 para encontrar um ano com menos ignições. Em 2014 a percentagem de reacendimentos ficou-se, por isso, pelos 3,3%, menos de metade dos 7,2% da média 2004-2013.

O Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios, publicado em Maio de 2006, definiu como objectivo a redução da percentagem dos reacendimentos para 1% do número de ocorrências. “Contudo este objectivo nunca foi atingido e pode ser demasiado ambicioso”, notam os investigadores no artigo.   

Muitos dos reacendimentos ocorrem em zonas inacessíveis onde não se faz correctamente o rescaldo, uma tarefa que implica a eliminação de todas as áreas quentes e a remoção do material em combustão. Estas operações são feitas na maior parte dos casos exclusivamente com água, sem a utilização das ferramentas manuais adequadas para consolidar o perímetro de segurança, constata-se. “A falta de especialização das equipas de combate a incêndios com ferramentas manuais  é uma enorme limitação táctica”, afirma-se no estudo. Este é outro dos problemas referido pelos especialistas, que acrescentam como outros factores explicativos dos reacendimentos as características físicas do local, nomeadamente o tipo de solo e de combustível.

Os autores do estudo analisaram a genealogia dos reacendimentos tendo encontrado um "fogo mãe" que deu origem a 28 focos secundários, alguns “netos”, “bisnetos” e até “trinetos” do incêndio inicial. O mais comum, contudo, é haver apenas um reacendimento, o que ocorreu em 786 casos. Foram 189 as ignições que recomeçaram a arder duas vezes e 100 as que reacenderam três vezes. 

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