Draghi dá conselhos aos governos porque é “o guardião do euro”

Colocado perante a posição menos interventiva dos seus homólogos da Fed em questões como orçamento e as reformas estruturais, Mario Draghi defendeu que os problemas europeus são diferentes.

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"Uma união monetária não se pode dar ao luxo de ter grandes divergências entre os países”, afirmou Draghi AFP/ EMMANUEL DUNAND

A forma diferente como actuam os bancos centrais de três dos maiores blocos económicos mundiais ficou clara no debate que reuniu responsáveis do BCE, da Fed e do banco do Japão este sábado na Penha Longa, em Sintra. E nenhuma das partes mostrou ter vontade de mudar o seu modelo de funcionamento, pelo menos antes do final da crise.

Uma das questões em que houve mais discussão foi até que ponto é que um banco central deve fazer recomendações de política em áreas que são competência directa dos governos. Na zona euro, os líderes do BCE têm feito apelos repetidos a mudanças na política orçamental e à aplicação de reformas estruturais.

Noutros pontos do Globo isso não é tão habitual, como ficou claro no último debate do Fórum do BCE em que participaram, para além do presidente do BCE, o governador do Banco do Japão, Haruhiko Kuroda, e o vice-presidente da Reserva Federal, Stanley Fischer.

O norte-americano defendeu a estratégia mais prudente que é seguida pela Fed nesta matéria: “Podemos falar disso de tempos a tempos, mas não podemos estar sempre a voltar ao tema cada vez que damos uma entrevista”, disse Stanley Fischer, acrescentando que, embora sendo “normal que se fale da dimensão do défice, é bastante mais arriscado estar a falar da alocação da despesa”.

A diferença em relação ao que é feito pelo BCE é tão clara (na sexta-feira, Mario Draghi tinha gasto a totalidade do seu discurso a recomendar reformas estruturais na Europa), que o presidente da autoridade monetária europeia não demorou a responder. Disse que esta discussão “mostra a diferença entre a Europa e os EUA, uma vez que os problemas de ordem estrutural são muito mais um problema na zona euro”. “Não queremos ser intrusivos, mas este [falta de reformas estruturais] é um problema crucial na Europa e afecta a forma como conduzimos a política monetária”.

Mario Draghi disse ainda concordar que o facto de não haver um ministro das finanças europeu o força a falar mais do que os seus colegas de outros bancos centrais, defendendo que “uma união monetária não se pode dar ao luxo de ter grandes divergências entre os países” e lembrando que “o BCE é o guardião do euro”.

Do lado do Japão, Haruhiko Kuroda, contou como Governo e banco central emitiram  fizeram um comunicado conjunto com as suas intenções de política para combater a deflação. “Essa declaração deu-me liberdade para falar da política orçamental e das reformas estruturais”.

Outra diferença entre os bancos centrais está no seu mandato. O BCE tem como objectivo prioritário a estabilidade de preços, ao passo que a Reserva Federal tem o chamado mandato dual, em que para além da estabilidade de preços tem o objectivo explícito de garantir o crescimento da economia.

Nesta questão, Mario Draghi e Stanley Fischer defenderam que “a diferença não é assim tão grande”. “Nunca conheci um banqueiro central que não olhasse para o crescimento da economia”, disse Fisher.

Os banqueiros centrais recusaram em uníssono a subida da meta da inflação, que está situada nos 2%, para valores mais altos, como é defendido por alguns economistas. Mario Draghi disse que agora o que é preciso é colocar a inflação “abaixo mas próximo de 2%”. Depois, eventualmente se debateria esse tema, para o qual diz haver opiniões muito diferentes.

O debate entre os banqueiros centrais que controlam o euro, dólar e iene foi o último evento do Fórum do BCE, que trouxe alguns dos mais importantes especialistas em política monetária do Mundo à Penha Longa, em Sintra.

Com os protestos de clientes lesados pela resolução do BES à porta do local do encontro, discutiu-se em particular aquilo que os bancos centrais devem fazer numa conjuntura pós recessão que ainda é de crescimento lento e quais as prioridades em termos das reformas estruturais que devem ser seguidas pelos governos.

No primeiro dia do evento, na sexta-feira, foram apresentados dois estudos que dão conta de realidades económicas que podem constituir um desafio para a política monetária. A primeira é a de que, associados a períodos de recessão, estão períodos subsequentes em o nível do produto é afectado e em que mesmo as taxas de crescimento ficam mais baixas do que antes da crise. Isto constitui um argumento para que os bancos centrais (e também os Governos) sejam mais activos no combate às recessões, uma vez que o custo destas para a economia é maior e mais prolongado do que se supunha.

A segunda tem a ver com o facto de os indicadores mais recentes darem conta de uma diluição da relação entre a taxa de desemprego e a taxa de inflação, algo que pode constituir um obstáculo para a eficácia dos bancos centrais na aplicação das suas políticas.

Estes dois desafios são particularmente interessantes numa altura em as economias mundiais não conseguiram ainda regressar ao ritmo de crescimento do passado, levando economistas como Lawrence Summers a sugerir que o Globo pode estar a passar por uma fase de “estagnação secular”, em que apesar das taxas de juro muito baixas, a economia mantém níveis de crescimento muito reduzidos.

No sábado de manhã, a discussão centrou-se nas reformas estruturais. No dia anterior, Mario Draghi, no discurso de abertura, tinha reforçado a ideia de que a solução para a zona euro sair da armadilha do crescimento lento é realizar mais reformas estruturais, nomeadamente através de uma maior flexibilização e eficácia dos mercados de trabalho e de produto.

Entre os participantes, o acordo em relação à necessidade de alterações estruturais na economia foi generalizado, mas houve discussão em relação a quais os tipos de reforma que são mais adequados, com alguns economistas a assinalarem o risco de algumas políticas poderem ter efeitos negativos de curto prazo na procura, o que as torna inconvenientes no actual cenário. 

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