Recusado novo pedido de um casal para ter "bebé-medicamento"

Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida entendeu que neste caso “seria mais um bebé segurança do que um bebé medicamento”, seria uma criança concebida para ter de reserva como um potencial dador caso o filho voltasse a adoecer.

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A lei portuguesa prevê “o princípio geral da proibição da interferência voluntária na escolha das características dos embriões. São autorizadas excepções” DR

Depois de ter sido autorizado o primeiro caso de um “bebé medicamento” em Portugal, o Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA) veio agora recusar o pedido de um outro casal que também tem um filho com leucemia e que queria tentar ter um bebé compatível com o menino doente.

O PÚBLICO noticiou no final do mês passado que um casal português, com uma filha de cerca de cinco anos com leucemia, foi autorizado, pela primeira vez no país, a tentar ter um bebé compatível, em termos de transplante de medula óssea, com a menina doente. O pedido tinha sido feito no ano passado.

O casal autorizado está em tratamento numa clínica privada, no Porto, o Centro de Genética da Reprodução Prof. Alberto Barros, mas o médico responsável informa que o casal prefere não dar mais qualquer tipo de informação sobre o processo. Apenas se sabe que a transferência dos embriões seleccionados foi feita, referiu Alberto Barros. Sobre um segundo caso autorizado, na mesma unidade, a decisão também é de não prestar mais esclarecimentos.

Já este ano tinha dado entrada no CNPMA um outro pedido, o terceiro, este formalizado por um centro público da região Norte, de um casal também com um filho com leucemia. O CNPMA tinha pedido mais esclarecimentos ao centro que fez o pedido, para saber qual “o grau de probabilidade de recidiva”, assim como junto do Instituto Português do Sangue e da Transplantação, no sentido de saber se estariam esgotadas todas as possibilidades de haver dadores compatíveis com o menino, explicou o presidente do CNPMA, Eurico Reis.

Ao contrário do caso autorizado, a leucemia desta criança está estabilizada e as hipóteses de recidiva são “médias-baixas”, refere. Ao mesmo tempo, o risco de não se encontrar um dador compatível também é baixo, acrescenta. O CNPMA comunicou ao casal, na quinta-feira, a não autorização.

O responsável explica que neste caso “seria mais um bebé segurança do que um bebé medicamento”, ou seja, seria uma criança concebida para ter de reserva como um potencial dador caso o filho voltasse a adoecer.

A lei portuguesa, esclarece o magistrado, prevê “o princípio geral da proibição da interferência voluntária na escolha das características dos embriões. Só são autorizadas excepções”. “Só se não houver outras soluções possíveis”, especifica, adiantando que essa a situação no primeiro caso aprovado em Portugal, mas que não se verifica neste.

Eurico Reis nota que o casal em causa tem sempre a hipótese de fazer novamente o pedido caso haja mudança de circunstâncias, e refere que as deliberações do CNPMA “são actos administrativos e que, como tal, podem ser contestados em tribunal”.

O uso do termo "bebé-medicamento" é controverso, uma vez que a expressão parece pender mais para o lado dos opositores destas situações, ou seja, os que vêem a selecção de um embrião para poder “tratar” um irmão como “uma forma de instrumentalização”.

No outro extremo, há quem prefira a expressão “bebé-salvador”. A britânica Michelle Whitaker diz que se arrepia quando chamam “bebés-medicamento” a estas crianças. Ela prefere chamar ao seu filho Jamie, nascido em 2003, “bebé salvador”. Numa entrevista ao The Guardian, disse: “Se o nosso filho viesse a morrer, nunca nos podíamos perdoar por não termos feito tudo o que era possível para o salvar.”

Chama-se “diagnóstico genético pré-implantação” a um processo em que embriões obtidos em laboratório, por fecundação in vitro, são avaliados geneticamente e em que, depois de um processo de escolha, os que são seleccionados são transferidos para o útero da mulher.

Em Portugal esta técnica é permitida apenas por razões médicas e em poucas situações. Uma delas é em caso de risco de transmissão de anomalias ou doenças genéticas graves — cá, o procedimento usa-se, por exemplo, no caso da paramiloidose (doença dos pezinhos) —, sendo transferidos apenas embriões não portadores de doença.

Mas a lei portuguesa que regula a procriação medicamente assistida (de 2006) abre a porta à possibilidade da concepção dos chamados “bebés-medicamento”, em casos excepcionais — “quando seja ponderosa a necessidade de obter grupo HLA [sigla em inglês de antigénios leucocitários humanos, que definem a compatibilidade dos transplantes] compatível para efeitos de tratamento de doença grave”, lê-se na legislação.

Em causa estão situações em que há um filho anterior do casal afectado por cancro ou doença genética passível de ser curada por transplantação de células estaminais do sangue do cordão umbilical de um irmão com compatibilidade HLA ou em que é expectável que a vida da criança doente possa ser prolongada com a transplantação.

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