Supervisores pediram há sete meses ao Governo para mudar fiscalização ao Montepio

Supervisores da banca, mercado de capitais e seguros pediram medidas para assegurar controlo mais adequado Até agora, nada foi feito.

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Entre 2013 e 2014, o banco Montepio assumiu prejuízos de 485,5 milhões Daniel Rocha

No último trimestre de 2014, o Conselho Nacional de Supervisores Financeiros (CNSF) alertou o Governo para a situação do grupo Montepio Geral e solicitou medidas urgentes no sentido de possibilitar a sua adequada supervisão. Passaram, entretanto, sete meses e o executivo continua sem tomar medidas, o que está a criar um contexto de grande apreensão quanto ao futuro de uma instituição com 175 anos, 650 mil associados e detentora de um banco com milhares de clientes.

Numa carta conjunta enviada em Outubro de 2014 à ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, os líderes do Banco de Portugal (BdP), Carlos Costa, da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), Carlos Tavares, e da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASSFP), José Almaça, manifestaram preocupação pelo actual quadro de gestão e de governação em vigor no grupo Montepio Geral (banco e Associação Mutualista), que consideram não estar a ser devidamente fiscalizado.

Fonte da regulação explicou ao PÚBLICO que a missiva se traduziu num alerta ao Governo e que a iniciativa foi aprovada durante uma reunião do CNSF, liderada por Carlos Costa, que decorreu em Setembro do ano passado, e onde o foi feita uma análise detalhada sobre a situação do Montepio.

Em Agosto do ano passado, foi anunciado que o Instituto de Seguros de Portugal passaria a supervisionar a Associação Mutualista, mas essa mudança não se concretizou.

No centro das preocupações de Costa, Tavares e Almaça está o facto de a Associação Mutualista (AM), dona da Caixa Económica Montepio, ser tutelada pelo Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, mas não responder perante nenhum supervisor financeiro, apesar de nas suas competências estar a captação de poupanças junto dos particulares e de proceder às respectivas aplicações.

Em Portugal, qualquer entidade a operar com estas atribuições é, obrigatoriamente, regulada por uma das três instituições: CMVM, BdP ou ASSFP.

Por seu turno, o banco Montepio (Caixa Económica), por pertencer ao sector financeiro, encontra-se sob a alçada do Ministério das Finanças e é fiscalizado pelo BdP, que não actua na Associação Mutualista. Daí o pedido conjunto a Maria Luís Albuquerque, para que inicie um processo de mudança legislativa. Os termos da “carta aviso” são claros: Carlos Costa, Carlos Tavares e José Almaça solicitam legislação que dê competências à ASSFP para passar a inspeccionar a Associação Mutualista. 

Potencial conflito de interesses
O grupo Montepio Geral é baseada em duas entidades anexas (banco e associação mutualista, que é a casa-mãe), cujas administrações partilham o mesmo presidente (cargo actualmente ocupado por Tomás Correia), e, não sendo uma delas fiscalizada financeiramente, fica aberto o caminho para um potencial conflito de interesses.

A situação gera ainda um risco acrescido para os 650 mil associados da AM, que em 2013 teve prejuízos de 336 milhões. A cabeça do grupo (AM) delega e concentra a gestão dos seus activos no banco Montepio, pelo que o risco principal é que haja uma infecção do universo mutualista pela área financeira. A rede comercial do banco Montepio tem promovido junto dos associados mutualistas a subscrição de obrigações e títulos da instituição financeira. No final de 2013, para ajudar o banco Montepio a reforçar o capital, procedeu-se à emissão de unidades de participação (UP) do Fundo de Participação Caixa Económica Montepio Geral, através da colocação de 200 milhões de euros, adquiridas pela AM e por particulares. Entre 2013 e 2014, o banco Montepio assumiu prejuízos de 485,5 milhões e foi obrigado a constituir provisões de 643 milhões. 

Enquanto o Governo continuar sem legislar, a acção inspectiva do BdP ao banco Montepio não é eficaz. No dossier BES houve falhas de supervisão pois o Governo (através da ministra das Finanças), o BdP, a CMVM e a ASSFP não se articularam para impedir o colapso do GES/BES (tendo o banco acabado por ser contaminado pela área não financeira), mas no grupo Montepio os três reguladores não se podem articular: o BdP alega que o seu perímetro de actuação só abrange o banco Montepio; a CMVM afirma que está confinada a certas operações de mercado; o regulador da área seguradora e dos fundos de pensões desresponsabiliza-se de qualquer intervenção no domínio mutualista. Só o Governo tem poder para travar “qualquer derrapagem”.

Ao contrário do banco Montepio, cujos clientes com depósitos até 100 mil euros estão abrangidos pelo chapéu-de-chuva do Fundo de Depósitos (em caso de insolvência os valores são restituídos), os 650 mil associados da AM não dispõem de qualquer protecção.

Notícia actualizada às 11h23, com referência as mudanças noticiadas em Agosto de 2014, mas que não foram concretizadas

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