Missão urgente chega ao Iraque cinco meses após autorização

A operação tem o apoio de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU, aprovada por unanimidade, e a chancela de urgente da coligação internacional contra o terrorismo liderada pelos Estados Unidos.

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As bases militares na Crimeia estão cercadas por comandos militares pró-russos há várias semanas
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As bases militares na Crimeia estão cercadas por comandos militares pró-russos há várias semanas David Mdzinarishvili/Reuters

Só a escassos dias de se cumprirem cinco meses do Conselho Superior de Defesa Nacional (CSDN) ter autorizado o envio de 30 instrutores militares para treinar os efectivos do exército iraquiano estes tropas comandos chegam ao Iraque. É terça ou quarta-feira que os efectivos desembarcam naquele país, no âmbito de uma missão encomendada a Portugal pela coligação internacional contra o autoproclamado Estado Islâmico (EI).

“Face às recentes preocupações de segurança internacional, o Conselho analisou e deu parecer favorável a uma missão de assistência e apoio, no âmbito da NATO, e à possibilidade de participação na coligação multilateral no Iraque, no quadro da formação e treino militar”, afirmava a nota de imprensa divulgada pelo CSDN. As “recentes preocupações” que o texto refere manifestaram-se, na verdade, bons meses antes,

Foi em 24 de Setembro de 2014 que o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou, por unanimidade, a resolução 2178, que fixou um conjunto de obrigações vinculativas para os Estados membros no combate ao EI. Esta resolução foi aprovada após a intervenção, em 10 de Setembro, do Presidente Barak Obama, que fixou quatro eixos de acção contra o EI, na sequência da divulgação dos atentados cometidos contra minorias e a população civil pelos efectivos do EI na Síria e no Iraque. Entre esses eixos, figura o envio de conselheiros militares para ajudar as forças de segurança iraquianas, incluindo as curdas, com treino, fornecimento de informações e equipamento. Meses antes, a 25 de Julho, por iniciativa da Rússia, o Conselho de Segurança aprovara uma declaração condenando o comércio de petróleo originário do Iraque e da Síria através dos grupos terroristas EI e da Frente al-Nusra para, assim, pôr fim a uma das formas de financiamento destas organizações. Deste modo, e por diversas formas, ficou assegurada a legalidade internacional para a constituição e acções da coligação internacional.

Já no âmbito destas iniciativas, em 3 de Novembro do ano passado, em Washington, o embaixador português na capital dos Estados Unidos participou numa reunião da coligação internacional ao nível dos chefes de missão. E, um mês depois, em Bruxelas, aproveitando a logística da sede da NATO, decorreu uma reunião ministerial dos titulares dos Negócios Estrangeiros da coligação sob a presidência do secretário de Estado norte-americano John Kerry. Neste último encontro, de âmbito meramente político e diplomático, os 60 Estados membros da coligação internacional fizeram um balanço da situação e comprometeram-se com várias formas de apoio.

Então foi constatado com preocupação, o que já fora detectado no Verão: um crescendo da operacionalidade militar dos combatentes do EI, a utilização de um Estado falhado, a Líbia, como via de penetração em África e a disseminação das suas actividades terroristas pelos países do Magrebe. Dito de outra forma: o terrorismo instalou-se próximo da fronteira sul do Mediterrâneo. Foi este facto que tornou mais urgente a intervenção. Primeiro, através dos bombardeamentos selectivos aos poços de petróleo controlados na Síria pelo EI e utilizados para o financiamento da organização. Depois, no auxílio à formação e treino das forças militares iraquianas.

Em Lisboa, como em todas as capitais dos países envolvidos no denominado “processo de diálogo 5+5” no Mediterrâneo Ocidental – Portugal, Espanha, França, Itália e Malta, do lado europeu, e Marrocos Mauritânia, Tunísia, Argélia e Líbia, no norte de África – dispararam as luzes de alarme. Finalmente, o compromisso de enviar instrutores para o Iraque foi assumido pelo Governo, do primeiro-ministro ao ministro do Estado e dos Negócios Estrangeiros passando pelo titular da pasta da Defesa, após concordância das chefias militares.

Em 16 de Dezembro, o CSDN, que integra o Presidente da República, o primeiro-ministro e o vice-primeiro-ministro, os titulares dos Negócios Estrangeiros, Defesa Nacional, Administração Interna, Finanças, Indústria e Energia, e Transportes e Comunicações, deu luz verde ao envio de instrutores. No conselho, têm também presença o Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas e os chefes dos três ramos, os representantes da República para a Madeira e Açores e os presidentes dos governos regionais. Por fim, são igualmente membros o presidente da Comissão parlamentar de Defesa Nacional e outros dois deputados eleitos pelo Parlamento.

Entre a tomada de decisão político do governo, a aprovação pelas chefias militares e a votação no CSDN houve um compasso de tempo. Também não foram céleres os trâmites entre a decisão do Conselho de 16 de Dezembro último e o início da missão de um ano, que arranca nas próximas horas: quase cinco meses. Uma gestão temporal que em nada se coaduna com a urgência da situação reconhecida a vários níveis: da ONU aos estrategas da coligação internacional. E reconhecida pela comunidade internacional.

Inicialmente, estava previsto o envio de várias dezenas de instrutores, embora sempre menos de uma centena, mas afinal são 30 os que amanhã ou quarta-feira desembarcam em solo iraquiano. Observadores ligados a questões de defesa, que solicitaram o anonimato, afirmaram ao PÚBLICO que tem sido sempre mais célere a decisão para o envio de tropas para as antigas colónias portuguesas em África e lamentam o que classificam como excessiva prudência no apoio a missões internacionais onde um país pequeno, como Portugal, ganha protagonismo. As consequências de possíveis baixas e a sua repercussão na opinião pública causam receios.

Quanto ao tempo de preparação dos 30 instrutores comandos, quase cinco meses, o Ministério da Defesa Nacional disse, ao PÚBLICO, nada haver de anormal na duração deste planeamento operacional, e que era necessária uma preparação específica. Versão que peritos castrenses não compartem, ao sublinharem que as tropas de elite – comandos, neste caso - não necessitam de preparação concreta para ministrarem formação.

Pela simples razão de, a este nível, as forças estarem sempre em treino, donde preparadas. Os mesmos especialistas, que não querem ser identificados, assinalam uma crescente relutância do poder político no envio de tropas terrestres para missões internacionais, alegando o temor de baixas e a preferência por meios de maior repercussão mediática, como os aéreos e navais. No entanto, estes têm custos mais elevados, o que agrava uma já complicada gestão de recursos. Assim, concluem os peritos, os 53 milhões de euros destinados este ano pelo Ministério da Defesa Nacional às missões de forças nacionais destacadas, o mesmo que em 2014, são clara e manifestamente insuficientes para os compromissos internacionais do país.

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