“O ACP é gerido de acordo com os interesses da família Barbosa”

António Raposo Magalhães critica a gestão e a forma de actuar do actual presidente do Automóvel Clube de Portugal. Os dois vão a votos na quinta-feira.

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António Raposo Magalhães, candidato da lista A à direcção do ACP Nuno Ferreira Santos

O Automóvel Club de Portugal (ACP) é o maior clube português em número de sócios pagantes (mais de 190 mil) e factura anualmente cerca de 30 milhões de euros. As eleições para a direcção estão em curso, graças ao voto por correspondência, e na quinta-feira realiza-se o acto eleitoral presencial, possível apenas na sede em Lisboa. António Raposo Magalhães, de 60 anos, passou quase toda a vida profissional na área dos seguros e da banca. Agora desafia o actual presidente, Carlos Barbosa, mostrando-se preocupado com a situação financeira do clube e com a pouca participação dos sócios. A campanha ficou marcada por muitas acusações e queixas ao Ministério Público, incluindo de espionagem e irregularidades eleitorais.

PÚBLICO: Que papel deve ter o ACP na sociedade portuguesa?
Raposo Magalhães: O ACP deve ter um papel permanentemente participativo e colaborante com tudo o que tenha a ver com mobilidade. O ACP não é apenas um clube de automobilistas. É a sua base, mas também são ciclistas, motociclistas, pessoas que andam a pé e usam transportes públicos. O ACP deve interferir no que é a mobilidade, mas para ter esse poder interventivo deve ter uma posição de diálogo e não a posição beligerante de hoje em dia, em que se fazem declarações públicas em que se destrata o poder autárquico ou o Governo.

Acha que Carlos Barbosa deu um cunho político ao cargo?
Político não diria, mas deu um cunho pessoal de uma pessoa de relacionamento difícil. Repare que tinha uma acção contra o presidente da Câmara do Porto por este ter dito que gostava de contas à moda do Porto a propósito do Rali de Portugal. Quando já tinha perdido essa acção, reuniu-se com presidente da câmara e anunciou que tinha desistido de todas as acções e que nos próximos quatro anos vai organizar o rali no Porto. O que é uma coisa engraçada. Está em eleições, não sabe se vai ganhar, ou então já tem a coisa como vencida, e já assume compromissos que extravasam o mandato.

O seu adversário lidera o ACP há 11 anos. O senhor é menos conhecido publicamente. Como se apresenta como a pessoa certa para liderar o clube?
Não sou eu, é uma equipa de 15 pessoas. Aliás, um dos grandes problemas do actual ACP é que tem sido liderado por uma pessoa e o resto, sem ofender ninguém, são figuras relativamente decorativas. O presidente reúne-se com o presidente e decide. Não é isso que queremos. Queremos trabalho de equipa para repor o ACP como um clube próspero. Analisámos os balanços dos últimos 11 anos e chegámos à conclusão de que o clube era próspero quando chegou este presidente e que hoje tem uma situação bastante deficitária. A resposta que tivemos era que não sabemos ler balanços, mas isto foi visto por empresas especialistas no assunto. A prioridade é repor a saúde financeira do clube.

O ACP foi alargando a sua actividade a mais áreas, além da tradicional assistência em viagens. Acha que esse crescimento foi sustentado?
Quando este presidente chegou o ACP já tinha uma mediadora de seguros. O que ele fez foi comprar uma participação numa sociedade maior e o volume de negócios aumentou, mas não foi esta direcção que descobriu o negócio dos seguros, nem a assistência na saúde, embora admita que melhorou.

Tem havido troca de acusações, queixas no DIAP. Este tipo de conflito pode prejudicar a imagem do ACP?
Não é bonito, nem é o que os sócios mais podem desejar. Mas quando estamos a lidar com uma lista que está instalada, que nomeia os sete membros da comissão eleitoral, quando esses sete membros são funcionários do clube e dependem hierárquica e salarialmente do actual presidente e candidato da lista, quando todos os requerimentos que colocamos ao clube são sempre decididos em prejuízo da lista A, quando o presidente da comissão eleitoral é candidato pela lista B, quando não nos dão informação sobre quantas revistas enviadas aos sócios foram devolvidas, é muito difícil ter uma relação saudável. Temos uma grande desconfiança desde o princípio.

Tem feito acusações de irregularidades, porque há sócios que receberam apenas o boletim de voto de uma das listas, mas a outra lista diz que o problema se limitou a cerca de 100 casos e que na maioria dos casos a beneficiada até era a sua lista…
Não é verdade. Acho que isto foi um erro processual e que não foi intencional. Mas nas primeiras semanas só houve notícia de duplicação na lista B e só depois apareceram esporádicas de duplicação de boletins da lista A. Até falámos com as empresas que estão a fazer este trabalho e explicaram-nos que foi um erro. Nós conhecemos mais de uma centena de casos. Estão a querer tornar um facto relevante em algo irrelevante.

Mas genericamente há condições para um acto eleitoral fiável e justo?
Nem fiável, nem justo. A comissão eleitoral é afecta a uma lista. Todos os requerimentos que temos colocado são a favor da lista B ou contra a lista A. Não há nenhuma razoabilidade.

Vão respeitar os resultados?
Com certeza que sim. Mas tudo o que pudermos acrescentar à providência cautelar que apresentámos, será feito.

É acusado de espionagem pela lista adversária, que alega que um informático do ACP lhe passou dados de sócios. Já admitiu que a pessoa em causa é próxima de elementos da sua lista. Como responde a estas acusações?
O ACP tem 480 colaboradores. A partir desse momento, aconselhámos as pessoas que nos conhecem a não nos contactarem. Esse senhor é amigo de dois membros da nossa lista, mas nunca passou informação relevante ou irrelevante.

O seu adversário acusa-o de ter tentado recolher votos em casas de sócios…
Tivemos cerca de 100 jovens universitários, identificados com pólos da nossa lista, e que nunca disseram que eram da comissão eleitoral, que bateram aleatoriamente à porta de prédios. Não tinham moradas. Queríamos motivar as pessoas a votar, porque há pessoas que mandam a revista para o lixo e não sabem que lá dentro estão os boletins de voto. Até porque o clube 192 mil sócios com direito a voto e só entraram cerca de 30 mil votos. É uma percentagem baixa. As pessoas participam pouco.

Que críticas faz à gestão de Carlos Barbosa?
A principal é financeira. Há 11 anos, o clube era próspero. Tinha 17 milhões de euros em depósitos, um património vasto, um endividamento ridículo de 1,7 milhões. Agora é de 14 milhões. Os depósitos desceram para menos de cinco milhões e o passivo aumentou dez milhões em 11 anos. O resultado líquido acumulado é de 4,8 milhões negativos. O ACP tem um universo de 480 colaboradores e a grande maioria não leva para casa mais de mil euros. E depois este ACP recrutou directores e pessoas da família ou afectos ao actual presidente com salários muito superiores. O clube não tem um plano de carreiras e é gerido de acordo com os interesses da família Barbosa.

Confrontámos o seu adversário com as suas críticas à gestão e ele responde que não lhe interessa ter dinheiro parado no banco. E alega que fez troca de património.
Em Braga vendeu e foi para uma rua central, onde paga uma renda. Em Coimbra foi para um centro comercial, onde paga renda significativa. Em Lisboa, vendeu o edifício na Rosa Araújo e no Funchal também vendeu e foi para uma loja pequena. Contra factos não há argumentos. O que comprou foram dois pisos no Prior Velho. Pelas nossas contas, vendeu oito milhões em património. E o que pergunto é por que é que a decisão de venda de património passou da assembleia geral para a direcção.

Acha que houve falta de transparência nessas vendas?
Completa. Vendeu património histórico sem ter uma justificação. Ele diz que em Coimbra eram necessários 500 mil euros em obras, mas havia dinheiro para isso e muito mais. Tem de explicar para onde foram os 12 milhões que desapareceram. Dizem que não sabemos ler balanços, mas a conclusão a que chegamos é que foram gastos na gestão corrente.

Defende uma limitação de mandatos?
Está no nosso programa levar isso a assembleia geral. Defendo no máximo três mandatos, mas se os sócios defenderem limitar a dois mandatos não me choca. Isso hoje não existe e quem lá está quer lá ficar o resto da vida.

Já disse que quer fazer uma auditoria se for eleito. Porquê?
Temos uma grande desconfiança em relação às contas publicadas. E é um acto de boa gestão de qualquer empresa, quer para quem entra, quer para quem sai.

Outras das polémicas desta campanha foram as notícias não desmentidas de que Carlos Barbosa recebe 21 mil euros mensais de empresas do ACP. Que modelo de remuneração defende?
Um grupo empresas que tem 480 colaboradores e factura 30 milhões de euros por anos tem de ter uma equipa mínima a full-time. Não pode ser dirigida por um presidente que aparece esporadicamente, um ou dois dias por semana, e por uma direcção que está ausente. Defendo uma equipa de três pessoas a tempo inteiro e obviamente remuneradas. Mas a assembleia geral tem de nomear uma comissão de remuneração independente que vai decidir o valor, mas tenho a certeza que não vai ser 21 mil euros. Há anos, o senhor Carlos Barbosa fazia declarações de que o ACP era uma paixão, mas com 21 mil euros, e acrescente-lhe mais dez mil euros de cartão de crédito, é fácil estar ali por paixão.

Tem dito que quer devolver o clube aos sócios. O que quer dizer com isso?
Os sócios participam muito pouco na vida do clube. Antigamente as assembleias gerais eram bastante participadas, porque decorriam à noite, após o horário laboral. Hoje faz AG à segunda-feira de manhã.

Mas o seu adversário até diz que as assembleias são agora mais participadas…
São e sabe porquê? Os funcionários do clube têm direito a ser sócios com isenção de pagamento de quota e com direitos iguais aos outros. Se eu na semana anterior, só em Lisboa, onde há 200 e tal colaboradores, disser que na segunda-feira há assembleia geral e têm de estar na sede do clube, acha que eles não vão? E depois o voto é de mão no ar.

O que pretende mudar?
O voto nas assembleias gerais tem de ser por voto secreto. A segunda coisa é ter AG a horas que vão ao encontro das disponibilidades dos sócios. E chamá-los a vir às delegações. E queremos instituir o voto electrónico e permitir o voto nas delegações. Os sócios não vão à AG, não lêem os relatórios e contas. Queixam-se que não são informados, mas também procuram pouca informação.

Como é normal, cada candidato apresenta os seus apoiantes. No seu caso teve a particularidade de receber o apoio dos presidentes dos três maiores clubes de futebol e de Rui Rio, que habitualmente não está do mesmo lado de Pinto da Costa. Como conseguiu?
São os presidentes dos três maiores clubes desportivos do país, que têm uma notoriedade maior do que o ACP, embora o ACP tenha mais sócios pagantes do que qualquer um deles. O apoio é o reconhecimento dessas três figuras de que o ACP é um grande clube, transversal à sociedade, e que se calhar merece outra visão e outra gestão. Estou grato que isso tenha acontecido, como estou grato ao ex-presidente da Câmara do Porto por o ter feito, independente de haver pessoas que apoiam a lista com as quais ele não tem comunhão de ideias [noutras áreas].

O Rali de Portugal realiza-se em Maio, pouco depois das eleições. O seu adversário diz que se perder as eleições, a equipa dele sai a 30 de Abril e a organização da prova passa a ser um problema da nova direcção. Teme pela realização do rali?
Não temo nada. Isso é uma chantagem deselegante, porque as pessoas que fazem o Rali de Portugal são profissionais que têm dado muito ao desporto. São pessoas altamente responsáveis e não acredito que, a 20 e tal dias de uma prova do Mundial de Ralis, venham dizer aos portugueses que vão sair. São pessoas contratadas e remuneradas. Não me parece que ACP tenha falhado com eles. É um bluff. Isso não me preocupa dois segundos.

Manteve contactos com a organização do Rali?
Não. Até porque provavelmente teriam instruções para não terem contacto connosco.

Acha que o rali deve continuar no Norte ou rodar pelo país?
O Rali de Portugal pode ocorrer a Norte, no Sul ou no Centro. Está a jogar-se com as emoções das pessoas. Esteve no Algarve e correu muito bem. Depois quiseram jogar com a parte emocional, porque é verdade que os adeptos do desporto automóvel estão muito mais a Norte do que a Sul. Em termos de paisagens, até provavelmente há mais bonitas a Norte do que a Sul. Mas não tenho para mim que o Rali tenha de se realizar apenas no Norte. O melhor dos mundos era rodar pelo país, até porque a zona Centro também tem troços emblemáticos.

Há acordo para Rali ser no Norte por quatro anos…
Falei com câmaras, umas envolvidas no rali deste ano e outras não, e não tenho informação de que os compromissos estejam assumidos. Para já neste momento, nenhum dos subsídios, sejam do poder local, ou QREN, está garantido. O Rali de Portugal, que deve custar qualquer coisa entre três e quatro milhões de euros, vai a suporte das contas dos clubes. Depois disso, vamos ver que apoios se recolheram, porque já vi o actual presidente dizer que cada município vai dar 100 mil euros e alguns já me disseram que nem 50 mil. É uma forma pouca airosa de pôr pressão nos políticos. Faz lembrar a questão do apoio ao Rali no Algarve, em que só apareceu um milhão de euros e os governantes disseram que não havia nada assinado e que o que havia era uma declaração do presidente do ACP a falar em dois milhões.

O actual presidente do ACP faz agora parte dos órgãos da FIA. Acha que esses lugares são importantes para manter o Rali de Portugal no Mundial?
Já no passado, o senhor César Torres, também esteve na FIA. Quando se organiza uma prova do Mundial, provavelmente tem-se lugar na FIA, por inerência de funções. Amanhã outro presidente qualquer terá a mesma posição.

Se for eleito, o rali continuará a ser uma prioridade?
Obviamente que sim. Mas o rali tem de garantir à partida apoios dos organismos públicos. O rali não pode ser suportado pelo clube. Uma das razões para as contas estarem assim é que todos os anos o Rali de Portugal dá prejuízo.

Pode quantificar?
Este ano, pelos valores que consegui perceber, o Rali de Portugal deve imputar um resultado negativo nas contas do clube entre 800 mil a um milhão de euros. O Clube tem de continuar a lutar pelo rali, mas deve ter a capacidade de angariar os fundos necessários junto dos políticos e não o conseguirá fazer se andar permanentemente em litígio.

Na Europa temos assistido a um movimento de restrições à circulação automóvel nas cidades, desde portagens a estacionamento mais caro. Que modelo de cidade defende?
O ACP tem de participar activamente na melhoria das condições de vida nas cidades. É evidente que os municípios estão condicionados pelas regras da União Europeia. Aqui e ali posso discordar de algumas medidas tomadas, mas devemos encontrar formas de diálogo com os municípios, sem atitude beligerante. É irreversível que as cidades fiquem mais fechadas à deslocação de automóveis poluentes e se aposte nos meios de locomoção eléctricos.

Amanhã entrevista a Carlos Barbosa

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