"Pelo menos quem tem consciência tem de votar"

"Desfile da liberdade" no Porto fez-se debaixo de chuva, mas com memória bem viva das primeiras eleições livres de há 40 anos.

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Jorge Carvalho “Pisco”, o último preso político a ser libertado pela PIDE no Porto, no dia 26 de Abril de 1974 Manuel Roberto

Chovia este sábado à tarde no Porto. José Ribeiro abrigava-se na entrada de um prédio, sem tirar os olhos do Largo Soares dos Reis, palco da tradicional homenagem aos resistentes antifascistas. A não ser que alguma doença lhe troque as voltas, esteja onde estiver, não deixa passar em branco o 25 de Abril.

Há 40 anos, mal conseguiu pregar olho a noite inteira. Quantos terão sentido semelhante agitação? Portugal despertava para o primeiro sufrágio livre e universal da sua História. Longas filas formavam-se frente às mesas de voto. Numa mais se viu tamanha afluência – a taxa de abstenção foi de 8,5%.

José Ribeiro nunca tinha votado. Poucos podiam votar antes do 25 de Abril de 1974. Nem percebia os critérios. “O meu falecido pai podia votar e era analfabeto. Foi militar e tinha uma credencial do Estado para votar. Eu não podia votar e tinha o ciclo preparatório e trabalhava na CP.”

Aquelas primeiras eleições serviram para eleger a Assembleia Constituinte. José Ribeiro votou em Espinho, com a mulher. No boletim de voto figuravam 14 forças políticas. Não se atrapalhou. “Votei e nunca mais deixei de votar, embora agora esteja revoltado por isto estar a voltar ao mesmo.”

Ao som da Grândola Vila Morena, de José Afonso, arrancava o chamado “Desfile da Liberdade”. Debaixo da chuva insistente, a canção-sinal depressa era substituída pelas costumeiras palavras de ordem da CGTP-IN.

Direitos conquistados – gritava alguém.

Não podem ser roubados – respondiam os manifestantes em coro.

Abril de novo…

Com a força do povo!

Havia em José Ribeiro uma indisfarcável vontade de saltar para o meio da rua do Heroísmo. Assusta-o o avanço do desemprego, da pobreza, e o recuo da protecção social. Sabe estar longe de outros tempos e é o mais longe possível que se quer manter. Mesmo num encontro fortuito, debaixo de um alpendre, enquanto o desfile passa, pode contar histórias de arrepiar, como esta: uma vez, numa deslocação do então Presidente da República, Américo Tomás, um rapaz que trabalhava na CP comentou com um colega: “É pá, tanta gente a passar fome e este aparato todo!” Não tardaram a ser ambos levados por um agente da polícia política. “Nunca mais trabalharam na CP!”

“Era um regime de terror”, enfatizava o homem, que vai nos 75 anos, está reformado há 15. “Só a liberdade das pessoas vale tudo!” A liberdade de falar, mas também a de eleger. “Pelo menos quem tem consciência, tem de votar para se defender. Se nos tirarem isso, tiram-nos tudo.”

O desfile prosseguia. Pessoas do sexo masculino, do sexo feminino, muitas envelhecidas, algumas ainda crianças, em passo lento, ainda que menos do que se o céu estivesse limpo. Muitos cravos vermelhos debaixo de guarda-chuvas, amiúde pretos, rumo à Avenida dos Aliados.

Aos fascistas custará…

 mas Abril vencerá!

 Para nós e muito mil…

 Vivam os valores de Abril!

Entre familiares, amigos, conhecidos, desconhecidos, desfilava Maria José Oliveira Peixoto. Também ela votou há 40 anos pela primeira vez. Fê-lo no Porto. Contava 29 anos. “Fui com os meus pais e a minha irmã. Éramos da mesma mesa de voto, uma vez que residíamos na mesma casa. Fomos depois do almoço. Até à hora do almoço, havia muita gente.” Muitos iam antes ou depois da missa.

Os resultados finais tardaram dias a ser conhecidos. A vitória foi arrecadada pelo PS de Mário Soares, com 38% dos votos, seguido pelo PPD de Francisco Sá Carneiro, com 26%. O PCP ficou-se pelos 12%, o CDS pelos 7%, o MDP pelos 4%. Maria José não gostou. Filiara-se no PCP logo a seguir à revolução.

Tempos conturbados aqueles. Após a tentativa de sublevação militar liderada por António Spínola, a 11 de Março de 1975, o país viveu uma radicalização. De repente, Portugal entrou no designado Processo Revolucionário em Curso (PREC), que ficou conhecido como "Verão Quente".

 “Naquele tempo, vivíamos tudo acaloradamente”, recorda Maria José. “Havia muitos excessos. Provavelmente também os cometi, embora ache que era equilibrada.” Trabalhava numa agência de viagens, na Avenida dos Aliados, onde já então desaguavam as manifestações. “Via tudo!”

Os ânimos acalmaram-se e os cidadãos parecem estar cada vez mais afastados da política. No ano passado, no sétimo acto eleitoral destinado a eleger os representantes no Parlamento Europeu, o país registou a maior taxa de abstenção de sempre – 66,2%. Quem sabe que acontecerá nas legislativas de Setembro?

“Muita gente não vota porque está desencantada”, interpreta Maria José. “Também estou. Também estou desencantada com tudo o que está a acontecer, mas não deixo de votar. Eu voto. Eu voto sempre. Só que muita gente desencanta-se e fica em silêncios, não se dá, não participa.” E ela tem pena. Afinal, não vai há muito tempo muita gente não podia votar, por  muito que quisesse. 

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