Cem anos depois, arménios dizem ao mundo: “Eu lembro e exijo”

Cerimónia emotiva em Erevan, que juntou Putin e Hollande. Turquia celebrou centenário da Batalha de Gallipoli, mas a sombra da palavra genocídio não foi afastada.

Comemorações tiveram lugar no memorial de Tsitsernakaberd em Erevan
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Comemorações tiveram lugar no memorial de Tsitsernakaberd em Erevan David Mdzinarishvili / Reuters
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Putin e Hollande foram alguns dos líderes mundiais na cerimónia Alexei Nikolsky / Reuters
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Memorial em honra das vítimas do genocídio arménio Kirill Kudryavtsev / AFP
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Membros da comunidade arménia em protesto frente à embaixada turca em Jerusalém Gali Tibbon / AFP
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Soldados turcos no memorial à Batalha de Gallipoli Dimitar Dilkoff / AFP
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O príncipe Carlos foi recebido por Erdogan nas comemorações da Batalha de Gallipoli Osman Orsal / Reuters

A Arménia, um pequeno país no Cáucaso do Sul de três milhões de habitantes sem acesso ao mar, teve ontem o tamanho do mundo. O centenário do massacre cometido contra os arménios pelo Império Otomano foi comemorado em Erevan e houve novos países a pronunciarem a palavra genocídio.

As principais comemorações ficaram reservadas para Erevan, onde marcaram presença vários líderes mundiais, como os Presidentes francês e russo – dois dos países que utilizam a palavra genocídio para descrever o extermínio de cerca de um milhão de arménios durante a I Guerra Mundial. Não era inocente o slogan escolhido para os eventos – “Eu lembro e exijo” – com o objectivo de evocação do episódio histórico, mas também sublinhando a reivindicação de que o mundo utilize sem reservas o termo genocídio.

A Turquia reconhece o sofrimento do povo arménio – um processo iniciado ainda durante a época imperial, mas que foi lançado pelos chamados “jovens turcos”, obreiros da Turquia moderna. Mas recusa-se a utilizar a palavra genocídio para o descrever.

Apesar de falarem na colina no centro da capital arménia, onde se situa o memorial de Tsitsernakaberd, a mensagem dos líderes era dirigida para o país vizinho. “Há na Turquia palavras, e palavras importantes, que já são pronunciadas, mas há outras que ainda são aguardadas para que a partilha da dor se possa tornar na partilha de um destino”, disse François Hollande.

O Presidente russo, Vladimir Putin, afirmou que “nada pode justificar os massacres em massa” e garantiu que o povo russo “se une do lado do povo arménio”. Na I Guerra Mundial, Moscovo alinhava pela Entente, a aliança rival da Alemanha e da Turquia, e a perseguição ao povo arménio foi justificada pela pretensa cumplicidade com a Rússia.

Num centenário com reverberações até aos dias de hoje, a política actual não podia ficar de fora e Putin aproveitou para alertar a Europa para o crescimento dos “nacionalismos radicais”, numa clara referência aos novos governantes ucranianos, descritos pelo Kremlin como simpatizantes neonazis e russófobos. À margem das cerimónias, Putin e Hollande tiveram oportunidade de trocarem algumas ideias sobre a situação no Leste da Ucrânia, onde forças governamentais e rebeldes tentam fazer respeitar um cessar-fogo acordado em Fevereiro. O Presidente francês sublinhou a necessidade de se “avançar com a aplicação dos acordos de Minsk”.

De Los Angeles a Teerão

A vasta diáspora arménia pelo mundo assinalou a data com comemorações em cidades como Los Angeles, Estocolmo, Paris, Beirute ou Teerão, diz a AFP. Mesmo em Istambul, uma centena de pessoas juntou-se em frente à antiga prisão para onde foram enviados os primeiros arménios detidos pelas autoridades imperiais otomanas, para pedir o reconhecimento oficial do genocídio.

Na “guerra” de reconhecimentos, a Arménia ganhou, ainda na véspera das comemorações, um inesperado aliado. Falava o Presidente alemão, Joachim Gauck, da “co-responsabilidade” da Alemanha no massacre arménio, durante uma cerimónia religiosa em Berlim, quando a palavra-chave foi pronunciada. “Devemos igualmente, nós alemães, fazer o nosso trabalho de memória”, pois existe “uma co-responsabilidade, e mesmo, potencialmente, uma cumplicidade, no genocídio dos arménios.”

No mesmo sentido, o Parlamento alemão aprovou nesta sexta-feira uma resolução não vinculativa em que é utilizado o termo pela primeira vez. Uma recomendação de 2005 abordava o episódio, mas coibia-se de o descrever como um genocídio. Para além do peso histórico de ter tido a Turquia ao seu lado durante a I Guerra Mundial, a Alemanha é ainda hoje um dos seus principais parceiros comerciais e possui uma população de 3,5 milhões de turcos, razões que sempre motivaram declarações cautelosas sobre o assunto. Na véspera, o Parlamento da Áustria – outro aliado da Turquia no conflito mundial – aprovou o reconhecimento do genocídio arménio, engrossando a lista de países, da qual não faz parte Portugal, que utilizam oficialmente esta designação.

As comemorações da data – a 24 de Abril de 1915 foram presas algumas das principais personalidades da comunidade arménia no Império Otomano, acontecimento que a generalidade dos historiadores diz marcar o início da perseguição – também funcionaram como campo de batalha entre as duas visões da história. O Governo turco decidiu antecipar um dia a celebração do centenário da Batalha de Gallipoli, numa tentativa de esvaziar a iniciativa arménia. O Presidente arménio, Serzh Sargsyan, criticou a decisão de Ancara, que acusou de estar a tentar “desviar as atenções mundiais” dos eventos de Erevan.

Para as comemorações no Estreito do Dardanelos – onde se desenrolou uma das mais sangrentas batalhas da I Guerra na Frente Leste – foram convidados pelo Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, cerca de 100 chefes de Estado, mas apenas 20 compareceram, segundo o jornal turco Today's Zaman. Erdogan garantiu que a comemoração não se trata de uma “competição” com a Arménia. A batalha de Gallipoli tem um especial significado para a Austrália e a Nova Zelândia, que compunham a maioria das forças que durante nove meses combateu o exército otomano.

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