Velocidade Furiosa 7, um filme furiosamente digital para actores imortais

O primeiro blockbuster de acção do ano tem a carga da morte de um dos seus protagonistas e do uso do digital para colmatar a sua falta. "É toda uma nova conversa a ter em Hollywood”, avisa a actriz Michelle Rodriguez.

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Paul Walker morreu aos 40 anos num acidente na Califórnia Filipe Carvalho/Reuters
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Vin Diesel é Dominic Toretto DR
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Vin Diesel e Kurt Russell, que se estreia na saga neste sétimo filme DR
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Um dos números do filme, em que os veículos da equipa de Toretto são lançados de um avião sobre o Azerbaijão DR
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Dwayne Johnson, que interpreta um polícia de Los Angeles, e Jason Statham, o vilão de Furious 7 DR
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Paul Walker é Brian O'Conner DR

Quando as primeiras imagens de Velocidade Furiosa 7 rodam no ecrã, surge a pergunta: pode este filme ser uma festa, à semelhança dos seus seis musculados e turbinados antecessores? À terceira cena, quando o brilho de biquínis sortidos ofusca chassis e jantes, percebemos que sim. Depois da morte do protagonista Paul Walker, o guião foi calibrado em modo “agora, com sentimento”, mas a maior mudança foi mesmo operada por duplos, irmãos e CGI (imagens geradas por computador).

“Quando as pessoas conseguem manipular o nosso corpo depois de morrermos é algo que muda completamente o jogo. É toda uma nova conversa a ter em Hollywood”, avisa a actriz Michelle Rodriguez, que interpreta a street racer Letty, na Variety. É uma conversa na qual milhões de pessoas poderão participar caso se cumpram as previsões de que esta estreia, e em particular neste fim-de-semana, bata os recordes de bilheteiras de Abril nos EUA (antecipam-se receitas de 105 milhões de euros só nos primeiros dias de exibição no país). Em Portugal, os cinemas NOS, por exemplo, estão a fazer vendas antecipadas de bilhetes para as primeiras sessões desta quinta-feira.

“Toda a gente quer falar sobre o filme e poder discutir o fim e como lidaram com a situação de Paul Walker”, diz à mesma revista especializada Phil Contrino, vice-presidente e analista do boxoffice.com. Uma despedida cinematográfica que faz lembrar o fenómeno O Cavaleiro das Trevas, após a morte de Heath Ledger e que introduziu cautelas de ferreiro nos diálogos do filme, que não só mudou de data de estreia (estava prevista para Julho de 2014) como de tom no guião. I ride or die [Conduzo ou morro], diz Letty a Dom Toretto (Vin Diesel) antes de entrar numa das corridas que serviram de base aos filmes. E Dom sugere: How about you just ride this time? [E se desta vez só conduzires?]

Velocidade Furiosa é o franchise de filmes mais lucrativo da Universal e, apesar de parecer tão fruto de uma fórmula como outros blockbusters produzidos por Hollywood a cada ano, tem o seu quê de originalidade – tem por base uma ideia original e não um comic, um videojogo ou uma linha de brinquedos. São também filmes com um elenco multirracial, o que tem tido impacto no perfil da sua audiência. Seis capítulos e 2,2 mil milhões de euros depois, Velocidade Furiosa parecia destinado ao sucesso sem acidentes de percurso.

Até que, com pouco mais de metade das filmagens do sétimo filme da saga feitas, em Novembro de 2013 Paul Walker, de 40 anos, morre num acidente de viação. A personagem de Brian O'Conner, um polícia tornado agente do FBI e que acaba por se entregar à "família" de condutores mais ou menos fora da lei. Agora, as soluções encontradas para continuar o filme, embora envoltas em algum secretismo, afastam a cortina de algo que há muito fermenta nos bastidores do cinema – o uso do digital para que um projecto sobreviva aos seus protagonistas.

O primeiro blockbuster de acção do ano – o próximo na calha de um ano que termina com a mãe de todos os blockbusters, o sétimo Guerra das Estrelas, é Os Vingadores: A Era de Ultron, de Joss Whedon, que se estreia em Maio – revelou-se um desafio extra para o seu novo realizador. James Wan, o australiano de 38 anos responsável por alguns filmes interessantes de terror como Saw, The Conjuring – A Invocação ou Insidious – Insidioso, estreava-se na saga e teve de repensar a história, coordenar a reescrita do final e filmar de novo algumas partes do filme, sempre com Vin Diesel, produtor e o principal motor da saga junto do estúdio, por perto.

“Era um puzzle gigante que foi muito difícil de abordar. Ninguém nunca enfrentou uma coisa tão sem precedentes como esta. Não podia simplesmente pegar no telefone e dizer ‘O que é que fizeste quando isto te aconteceu?’”, explicou Wan à agência Reuters.

Mas se calhar podia. No passado, outros filmes tiveram de lidar com a morte dos seus protagonistas em rodagem: se o último filme de Marilyn Monroe, Something’s Got to Give (1962), foi suspenso e ficou inacabado, Brainstorm (1983), durante o qual Natalie Wood morreu, foi reescrito e algumas cenas foram filmadas de novo com recurso a duplos; e um exemplo mais recente como O Corvo (1994), de Alex Proyas, mostram como os efeitos especiais já estavam a abrir caminho para serem a solução para o aparentemente insolucionável – a cara de Brandon Lee, morto pelo disparo acidental de uma arma usada como adereço a três dias do fim das filmagens, foi recomposta, digitalmente “colada” sobre a cabeça de um duplo. O mesmo aconteceu com Oliver Reed, que sofreu um ataque cardíaco fatal durante a rodagem de Gladiador (2000), de Ridley Scott.

Depois de uma paragem de quatro meses na rodagem de Furious 7, a equipa reviu milhares de horas de filmagens de Paul Walker no filme, mas também nos capítulos anteriores da saga. A solução encontrada passou não só por usar os dois irmãos mais novos de Walker, Cody e Caleb, como stand ins (uma espécie de duplo), mas também por recorrer à mestria da Weta Digital de Peter Jackson.

Responsáveis pela humanização de personagens digitais como King Kong ou Gollum, de J.R.R. Tolkien, os técnicos da empresa de efeitos digitais neo-zelandesa completaram a sensível tarefa de reconstituir o rosto e de fabricar novos momentos de Paul Walker no filme. “O trabalho de ponta [da Weta] aponta para um futuro em que, se necessário, a maior parte dos actores pode ser recriada sem problemas”, escreveu a revista Hollywood Reporter.

Noutros blockbusters como Capitão América: O Soldado do Inverno, a tecnologia já permitiu, para lidar com cenas de acção mais complexas ou que envolvam grandes doses de CGI, fazer scans 3D da totalidade do corpo dos intérpretes. No fundo, ficar com o actor em arquivo. No caso de Velocidade Furiosa 7, uma versão da cara de Walker foi “colada” digitalmente no rosto de um actor com algumas parecenças com Walker, John Brotherton, para as cenas de diálogo em falta. Se se notam? Andando à procura, sim, há momentos em que a personagem do antigo agente do FBI está secundarizada em cenas em que teria sido um interveniente principal. E as cenas finais do filme, feitas à medida de uma despedida, são chamarizes de escrutínio.   

Com Vin Diesel a propalar que Furious 7 “provavelmente vai ganhar o Melhor Filme nos Óscares, a não ser que os Óscares não queiram ser relevantes, nunca”, o realizador contenta-se com um final feliz dentro das circunstâncias trágicas da feitura do filme. “A única coisa a fazer aqui era pensar em reformá-lo graciosamente e dar-lhe uma despedida da forma mais honrada possível.”

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