Autarcas reclamam uma nova Lei das Finanças Locais

Líder da ANMP avisa Governo que as “entidades e instituições estão no limite das suas possibilidades” e que os “municípios estão numa situação muito delicada e os seus recursos humanos estão exaustos”. Poiares Maduro diz que tem pressa em derrubar o centralismo.

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Poiares Maduro garantiu o apego governamental à descentralização Enric Vives-Rubio

Edis de todos os sectores reclamaram no congresso da sua associação, sem votos contra e com 62 abstenções, uma nova Lei de Finanças Locais, numa reformulação dos mecanismos das transferências do Orçamento de Estado para as autarquias.

O rastilho de ruptura lançado em vésperas do congresso da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) pelo presidente da Câmara de Cascais agitou as águas, mas os autarcas cerraram fileiras na defesa do poder local e as declarações de Carlos Carreiras caíram por terra. A resposta ao presidente da mesa do congresso da ANMP foi dada ontem pelo também social-democrata Ribau Esteves que criticou os radicalismos. “A radicalização é mais para o espaço noticioso”, disse o vice-presidente do conselho directivo da associação de municípios, deixando um apelo aos autarcas para dedicarem mais tempo a construir coisas.

Ribau Esteves foi ao congresso defender uma nova Lei das Finanças Locais (LFL), que terá de ser aprovada por maioria dos dois terços do Parlamento, reivindicando, ao mesmo tempo, uma alteração pontual da actual lei por causa do problema do IMT [Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis]. A menos de seis meses das eleições legislativas, o presidente da Câmara de Aveiro reconhece que não existirem condições para ser feita pela actual legislatura uma revisão da LFL mas disse que o problema do IMT não pode ser eliminado como está na lei. “Esse acto legislativo pontual tem de ser praticado com urgência, mas a questão principal é a reforma total”, defendeu o autarca em declarações aos jornalistas pouco depois de ter subido à tribuna para apresentar o relatório sobre Financiamento do poder local, aprovado por unanimidade e aclamação pelo congresso.

O ex-secretário-geral do PSD entende que é preciso fazer uma “reformulação total daquilo que são os mecanismos que definem as transferências financeiras do Orçamento do Estado para os municípios na medida em que a construção está feita de uma forma de difícil prestação”. Para além de que, disse, “há uma diferença grande entre as funções do Estado exercidas pelo poder local e aquelas que a lei determina para serem financiadas”. “É preciso uma justaposição de uma coisa à outra e isso exige uma abordagem tranquila e profunda que não foi feita na produção legislativa anterior”, apontou,

Uma nova LFL foi também defendida pelo presidente da ANMP. No encerramento do congresso, Manuel Machado declarou que a “autonomia do poder local não está ainda concretizada e em diversos aspectos, tem vindo mesmo a ser atacada e cerceada”. Por isso, reafirmou que a ANMP não aceita mais intromissões do Estado Central na autonomia do poder local. “Neste tempo que vivemos, quase tudo serve para centralizar e desconsiderar o poder local, delapidando a autonomia municipal e colocando as autarquias numa situação inaceitável, porquanto são tratadas como meras repartições da Administração Central”, disse Machado.

E Frisou, ainda, que “as políticas do Governo, que ‘foi muito além da Troika’, criaram enormes dificuldades económicas, financeiras e sociais, e geraram consequências dolorosas, angustiantes, nos nossos concidadãos”. Sublinhou que “quer as pessoas, quer as entidades e instituições estão ‘no limite das suas possibilidades’ e os municípios numa situação muito delicada, os seus recursos humanos estão exaustos e as suas receitas têm sido drasticamente diminuídas nos últimos anos”.

Manuel Machado, também presidente da Câmara de Coimbra, referiu que as “mudanças legislativas recentes atacam a autonomia constitucionalmente consagrada das autarquias locais e põem em causa a qualidade do serviço público prestado às populações”. Referiu que os “municípios estão entre as entidades públicas que proporcionalmente mais têm contribuído para o esforço da consolidação orçamental o país”. Fazendo jus ao seu pensamento, o autarca do PS atirou com exemplos. “Do total da dívida pública portuguesa, as responsabilidades são: 95% da Administração Central; 3% da Administração Regional e apenas 2% da responsabilidade da Administração Local”. Sublinhou, aliás, que “só 15% do total da factura fiscal dos portugueses reverte para o poder local”.

Falando na presença do ministro-Adjunto e do Desenvolvimento Regional, Miguel Poiares Maduro, que encerrou a conclave, o líder da ANMP destacou algumas conclusões do congresso aprovadas em bloco sem nenhum voto contra e com 62 abstenções (Ver caixa). No final de uma intervenção de 22 minutos, voltou a destacar as “enormes responsabilidades que impendem sobre os municípios” e considerou-as “desmesuradas”. E acentuou “não ser aceitável que a relação existente entre o total das receitas municipais e a receita global do Orçamento do Estado não ultrapasse os 9%, um valor muito abaixo da média europeia.” Uma relação que deve ser alterada. “Pois interessa a todas as partes que as autarquias – porque as desempenham bem - assumam, por descentralização efectiva, mais competências nas áreas da Educação, da Saúde, da Segurança Social e Cultura, como paradoxalmente parece pretender o Governo”. Terminou, afirmando que “as autarquias devem assumir essas competências, mas devem fazê-lo, responsavelmente, num quadro de transferências de recursos adequado, transparente e justo e, sobretudo, num quadro de completa autonomia de gestão”.

O ministro Poiares Maduro destacou a descentralização de competências para os municípios nas áreas sociais, que tem sido alvo de muitas críticas por parte da associação de municípios. “Não compreendo que se diga que uma reforma desta magnitude não pode ser feita agora é que está a ser preparada há um ano e a descentralização é uma prioridade inadiável cuja urgência não se compadece com pedidos de novos estudos, adiamentos ou retrocessos na sua aplicação”, considerou.

Num tom sereno e numa longa intervenção, o ministro-Adjunto e do Desenvolvimento Regional, destacou o seu “respeito por aqueles que defendem que apenas se devia avançar para a descentralização no quadro de uma reforma universal imposta a todas, mas permitam-me que responda que esta me parece ser a forma mais centralista de fazer a descentralização.” Por isso, vincou, “recusamos ficar de braços caídos à espera do dia em que se faça a grande reforma universal e até lá deixar ficar tudo como está.”

Poiares Maduro garantiu o apego governamental à descentralização. “Temos pressa em derrubar o centralismo, recusamos a inacção e optamos por dar passos em cada momento que estão ao nosso alcance. É com passos concretos de descentralização que mais rapidamente teremos um Estado descentralizado”, disse. O ministro deteve-se, por fim, no novo ciclo de fundos - Portugal 2020. “Nunca houve um quadro comunitário com tantos fundos geridos com proximidade”, concluiu.

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