Tinta da China oferece livro de Rafael Marques para download gratutito

Editora quer apoiar assim o activista que começa esta terça-feira a ser julgado em Angola pelo que escreveu em Diamantes de Sangue

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As zonas de diamantes sempre foram "um Estado dentro do Estado" e isso deu agora lugar a um "estado de terror", diz Rafael Marques Daniel Rocha

A editora da Tinta da China Bárbara Bulhosa anunciou que vai oferecer, em formato digital, o livro Diamantes de Sangue - corrupção e Tortura em Angola, do jornalista Rafael Marques, a quem quiser fazer o seu download.

Esta foi a maneira, diz Bulhosa, que a editora encontrou para apoiar o autor, “para que todos possam lê-lo e perceber o que está na base de um processo que pode vir a colocar o autor atrás das grades”. O anúncio foi feito num comunicado na véspera do início do processo contra Rafael Marques em Angola. É pssível descarregar o livro aqui.

No livro Diamantes de Sangue, publicado em Portugal em 2011, são relatados inúmeros casos de tortura e homicídio que teriam sido cometidos nos municípios do Cuango e Xá-Muteba. Testemunhos recolhidos pelo autor indicam que os actos foram levados a cabo por guardas da empresa privada de segurança Teleservice, ao serviço da Sociedade Mineira do Cuango, e por militares das Forças Armadas.

O livro abrange um período de ano e meio, de Junho de 2009 a Março de 2011, revela inúmeros crimes cometidos sobre garimpeiros artesanais, mantidos em situação de ilegalidade, por isso mais sujeitos a abusos. "Não são casos isolados. É uma política institucional, sancionada pelos dirigentes", disse, em entrevista ao PÚBLICO, o autor, que se tem empenhado na denúncia e divulgação de esquemas de corrupção em Angola.

As zonas de diamantes sempre foram "um Estado dentro do Estado" e isso deu agora lugar a um "estado de terror", diz Rafael Marques.

Após o lançamento do livro, em Setembro de 2011, o autor apresentou na Procuradoria-Geral da República de Angola uma queixa, na qual pedia uma investigação à alegada participação moral dos generais nos abusos denunciados, enquanto proprietários da Teleservice e sócios da Sociedade Mineira. A queixa foi arquivada.

“Na altura pensei, ingenuamente, que este livro serviria pelo menos para atenuar a violência quotidiana nas zonas de exploração diamantífera em Angola”, diz Bárbara Bulhosa no comunicado. “Enganei-me. O livro serviu, ao invés, para desencadear uma perseguição ao seu autor.”

Rafael Marques é agora acusado de denúncia caluniosa por ter revelado alegados abusos sistemáticos dos direitos humanos na região diamantífera da Lunda-Norte. O processo é movido por sete generais angolanos, entre eles o ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança do Presidente da República, Manuel Hélder Vieira Dias Júnior “Kopelipa”, e por duas empresas diamantíferas: a Sociedade Mineira do Cuango e a ITM-Mining.

O jornalista e activista incorre em pena de prisão e numa penalização monetária. Rafael Marques tem sistematicamente denunciado casos de alegada corrupção e injustiça social no seu país, e em 1999 esteve preso 40 dias sem acusação formulada.

Em Portugal, em Novembro de 2012, os sete generais e a sociedade mineira apresentaram em Portugal uma queixa-crime contra o jornalista e a editora portuguesa Tinta da China, que veio a ser arquivada por falta de indícios incriminatórios. A procuradoria portuguesa considerou que a publicação do livro se enquadrava no direito da liberdade de informação e de expressão.

Em Abril do ano seguinte, os generais angolanos e as duas empresas diamantíferas recorreram aos tribunais angolanos. A acusação foi formulada em 2014. O julgamento agora marcado para terça-feira teve início previsto para o passado mês de Dezembro mas foi adiado.

O Observatório para a Protecção dos Defensores dos Direitos Humanos e a organização angolana Associação Justiça Paz e Democracia dizem que “as irregularidades processuais verificadas desde a acusação de Rafael Marques em Janeiro de 2013 mostram claramente que não terá um julgamento justo.” Pedem a retirada das acusações.

O mesmo fez a Amnistia Internacional, com petições dirigidas às autoridades portuguesas, norte-americanas, e brasileiras, pedindo-lhes que “encorajem” o Governo de Angola a retirar as acusações.

Uma carta aberta publicada este domingo no PÚBLICO tem entre os signatários responsáveis de ramos nacionais da Amnistia e de organizações como a Transparency International, o Comité para a Protecção dos Jornalistas, o Centro Robert F. Kennedy para a Justiça e Direitos Humanos, a União dos Advogados Pan-Africanos ou a organização não-governamental angolana Omunga.

Com Maria João Guimarães

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