De que se fala quando se fala de responsabilidades parentais?

Parlamento pode vir a alargá-las a madrastas e padrastos, sempre que haja ausência, incapacidade ou inibição de um ou os dois progenitores.

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A Assembleia da República viveu ontem uma sessão morna Rui Gaudêncio

A ideia expressa na proposta de lei da coligação PSD/CDS é impedir que as relações entre enteados/enteadas e padrastos/madrastas dependam de algo tão “volátil” como o amor entre adultos, alargando as responsabilidades parentais, sempre que haja ausência, incapacidade ou inibição de um ou os dois progenitores.

A expressão é nova no regime jurídico português. Remonta a 2008. Em vez de poder paternal, os pais passaram a ter responsabilidades parentais, isto é, dever de assegurar o bem-estar dos filhos, de tomar conta deles, de garantir a sua educação, o seu sustento, a sua representação legal, a administração dos seus bens. As decisões sobre a vida corrente de cada criança são tomadas por quem vive com ela. Já as “decisões de particular importância” são tomadas por quem tem as responsabilidades parentais e essas devem ser partilhadas entre progenitores, a menos que um deles seja ausente, incapaz ou tenha sido inibido por um tribunal – em nome do superior interesse da criança.

“Não são assim tantas as decisões sobre as quais os pais têm de chegar a um acordo”, explica Filomena Neto, especialista em Direito de Família. Algumas são indiscutíveis, como a saída para o estrangeiro, a inscrição no ensino particular ou público, alguma intervenção cirúrgica. “Se a criança teve um acidente e deu entrada no Hospital de Santo António, os pais não se vão pôr a discutir a operação”, exemplifica. A menos que sejam testemunhas de Jeová, que recusam transfusão de sangue, lembra Leonor Valente Monteiro, também ela especialista em Direito de Família.

Há outros exemplos. A prática de um desporto radical, como parapente ou asa-delta. A prática de uma actividade extracurricular, que implique alterações na pensão de alimentos. Uma interrupção voluntária da gravidez, um casamento, a obtenção de carta de condução de ciclomotores.

As alterações de residência podem entrar no rol de “decisões de particular importância”, se tiverem reflexos no regime de contactos. “A emigração tem levantado problemas do arco-da-velha”, exemplifica Filomena Neto. Um progenitor está desempregado, tem uma oferta de trabalho fora, mas o outro diz: “Não podes” ou “podes, mas não levas a criança.” A menos que tenha guarda total, o progenitor tem de ter um documento assinado pelo outro a autorizar a criança a viajar. Há quem vá para o aeroporto a rezar para não ser interpelado pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

As decisões sobre residência tornam-se mais problemáticas nos quadros de violência doméstica. “Há muito litígio”, torna Leonor Valente Monteiro. Os processos vão somando apensos. “É uma forma de os agressores dizerem que controlam a vida das vítimas, que elas não podem decidir nada sem eles.”

Há poucos condenados por violência doméstica inibidos das responsabilidades parentais, diz ainda Leonor Valente Monteiro. Os tribunais só tiram as responsabilidades parentais a um progenitor quando consideram que fez algo de muito grave, como um abuso sexual, ou que, por inexperiência, ausência, doença mental ou outras razões, não está em condições de as exercer.

Propõe o PSD/CDS que, caso um dos pais esteja impedido de exercer as suas responsabilidades, o outro possa partilhá-las com o respectivo cônjuge ou o unido de facto. Se a relação amorosa acabar – antes de o menor atingir a maioridade – não cessam as responsabilidades parentais. Tais responsabilidades não são uma “extensão ou prolongamento da relação do casal, mas um acto autónomo e independente dela”, dita a proposta. Se a criança perder os dois pais, o padrasto ou madrasta pode pedir para ficar com ela. A proposta é muito semelhante à que fora apresentada pelo PS.

Por norma, morrendo um progenitor e estando o outro ausente, incapaz ou inibido, a primeira coisa que se faz é procurar na família do pai ou da mãe alguém que fique com a criança, explica Sofia Dantas, especialista em Direito de Família. Havendo um padrasto ou uma madrasta, há a possibilidade do tribunal reconhecer esse laço e de o oficializar, mas pode ser o cabo dos trabalhos.

O Código Civil prevê que, não tendo pai nem pai, uma criança possa ser confiada a terceira pessoa. Ora, essa terceira pessoa pode ser alguém com quem a criança tem uma relação afectiva. Atentando aos litígios que por vezes surgem dentro das famílias, Sofia Dantas encara como positivo o reforço da ideia de que pode ser a madrasta ou o padrasto. E mais ainda a proposta dizer que deve a criança ser ouvida, sempre que conveniente. Faz-lhe impressão que se ouçam “tão pouco” nos tribunais.

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