Restauro no Palácio da Bolsa revelou raro brasão do Japão dos Samurais

Sob um dos brasões do Pátio das Nações do Palácio da Bolsa, foi originalmente pintado o símbolo do xogunato japonês que terminou na década de 860 do séc XIX.

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Brasões de 20 nações, algumas entretanto desaparecidas, estão pintados na cúpula envidraçada do Pátio das Nações Adriano Miranda

Foi uma caixinha de surpresas o trabalho de restauro dos brasões de 20 países pintados no século XIX sob a cúpula envidraçada do Pátio das Nações, no Palácio da Bolsa. A equipa de seis especialistas envolvida na recuperação deste património deparou-se com elementos inesperados, o mais interessante dos quais uma representação a preto e branco das armas do Xogunato do Japão, que terminou na década de 60 do século XIX, pintura que foi substituída pelo brasão da Saxónia, em homenagem ao rei D. Fernando II, nascido naquele território da actual Alemanha.

Os 19 brasões que rodeiam o de Portugal — também ele alterado, para substituir o monárquico, após a implantação da República — representam nações, algumas entretanto desaparecidas, com as quais Portugal, e o Porto em particular, mantinha relações comerciais. Estão lá o Império Austro-Húngaro, a Pérsia, Saxe, como referido, mas também a Itália, a França, a Holanda, a Bélgica, a Dinamarca, a Suécia, a Grécia, a Rússia, a Grã-Bretanha, a Suíça, a Alemanha, o México, os Estados Unidos, a Argentina, o Brasil, e Espanha, claro, de frente para Portugal.

Num dos cantos, à esquerda do brasão português, o de Saxe (na actual Alemanha) escondia o mais curioso segredo. Na Associação comercial do Porto, admite-se que o Xogunato tenha ali sido inicialmente representado por causa de uma grande embaixada japonesa a uma feira industrial realizada no antigo Palácio de Cristal. Mas, para os próprios japoneses, a mera existência da representação, ainda que a preto e branco, foi já motivo de interesse e até de notícia na imprensa daquele país do Extremo Oriente que se abriu ao mundo precisamente nas décadas de transição, do Japão, que saiu desta ditadura feudal e regressou ao domínio do imperador.

O trabalho foi levado a cabo pela empresa Augusto Oliveira Ferreira, histórica firma familiar do sector, de Braga, dirigida, na terceira geração por uma arquitecta de 28 anos, Teresa Ferreira. Na coordenação técnica, Lara Aladina, especialista em restauro, dirigiu uma equipa de seis elementos que, desde Julho do ano passado, foi levando a cabo um trabalho minucioso, lá no alto, junto à cúpula desenhada por Tomás Soller, enquanto no pátio se mantiveram as visitas guiadas e alguns eventos.

Uma equipa bem mais curta do que os 20 técnicos inicialmente previstos conseguiu, apesar das surpresas e das dificuldades de trabalhar num ponto elevado e em plano inclinado, cumprir o prazo previsto, e devolver o brilho àquelas pinturas — em óleo sobre estuque, técnica pouco habitual — a tempo do arranque da Essência do Vinho, que começou na passada quarta-feira e termina este domingo. A sanca, entre os painéis e a cúpula, as vigas de ferro profusamente decoradas e as colunas, do mesmo material, foram também alvo de intervenção, recuperando as cores originais.

Lara Aladino assinala que, tal como noutras paredes do Palácio da Bolsa, lá em cima, em vários pontos, o que parece pedra é, na verdade, madeira decorada para parecer pedra, seja ela granito ou mármore. E a folha dourada que decora toda a área circundante de cada brasão, não é ouro, mas uma liga barata, e menos resistente, que enquanto se não desgasta faz o mesmo efeito. “O século XIX era uma época de experimentação. Nessa altura, a tecnologia era mais importante do que o original, e valorizava-se muito esta capacidade de substituir um material por outro”, assinala a técnica contratada pela AOF para esta empreitada que custou à Associação Comercial do Porto mais de 200 mil euros.

Estas pinturas foram concebidas também por Tomás Soller e desenhadas pelo artista italiano Luigi Manini — que estudou em Milão, foi cenógrafo em S. Carlos e autor de projectos para os palácios de Sintra e do Buçaco — tendo sido finalizados por Silva Pereira e João Baptista do Rio. A diferença de mãos é notória entre os vários brasões, revela Lara Aladino. E o trabalho não ficou imune a erros. A bandeira americana tem riscas a menos e estrelas a mais para a época, e a presença, no conjunto, da Pérsia, é ainda estranha para a ACP, dadas as inexistentes relações de Portugal com aquele país, na altura.

Esta deve ser, nos próximos anos, a última obra de reabilitação de vulto neste monumento do Porto, e foi realizada graças a financiamento do programa operacional regional ON.2. Em todo o caso, a ACP gasta anualmente cerca de 200 mil euros para manter em condições este palácio que, no ano passado, recebeu 250 mil visitantes, mais 15% do que no ano anterior. Se lá em cima, junto à clarabóia, são vinte as nações representadas, às bilheteiras chega gente de 47 países de todos os continentes, com Portugal, França e Espanha à cabeça.

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