As Cinquenta Sombras de Grey, sem alma nem chama

A adaptação cinematográfica da obra de E. L. James é uma pura extensão do fenómeno, uma tradução do livro em imagens. Mas isso não faz dele um filme.

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Cinecartaz: Trailer As Cinquenta Sombras de Grey

O problema da adaptação cinematográfica do best-seller de E. L. James não reside na qualidade ou ausência da dita do romance que lhe está na origem.

O problema de As Cinquenta Sombras de Grey é que ninguém na equipa de produção, a começar pela realizadora Sam Taylor-Johnson (oriunda das artes plásticas e do movimento dos Young British Artists que também revelou, por exemplo, Damien Hirst), soube aproveitar o material que tinha em mãos para fazer um filme – isto é, uma obra que existisse isoladamente do livro enquanto objecto cinematográfico. As Cinquenta Sombras de Grey é, antes, aquilo a que se chamaria (e neste caso a conotação negativa está absolutamente correcta) um “produto audiovisual”. Uma simples transposição para imagens da trama central do livro, milimetricamente pensada para agradar aos fãs e jogando pelo seguro, sobre a corte atrevidota do milionário perverso mas de bom coração à universitária ingénua e virginal, com um perfume transgressivo de titilação erótica a mascarar o convencionalismo romântico do conto de fadas.

É isso que é pena no filme de Sam Taylor-Johnson: que o potencial imagético de uma tal história se perca completamente numa banalíssima fantasia de telenovela, filmada sem alma nem chama, sem identidade nem sofisticação, apenas como um ersatz de relações onde a única coisa que interessa é cumprir o caderno de encargos do livro. Não há personagens para lá dos arquétipos – Christian Grey é o self-made-man perfeito com um segredo escondido, Anastasia Steele a romântica empedernida que acredita poder furar as suas barreiras – e o filme parece estar mais interessado em fazer os seus actores parecerem bonitos e sedutores numa série de cenários altamente fotogénicos do que propriamente em pedir-lhes que representem. (Pior ainda é que nem Dakota Johnson nem Jamie Dornan se parecem empenhar em nenhum momento para lá do funcionalismo público, e gente que merece todo o nosso respeito, como Jennifer Ehle ou Marcia Gay Harden, aparece só mesmo num par de cenas para dizer olá e receber o cheque.) Só numa única cena – uma “reunião de negócios” num escritório ultra-moderno – se sente algum engenho visual, alguma densidade criativa para lá do simples anonimato ilustrativo.

No fundo, no fundo, As Cinquenta Sombras de Grey é uma história da velha colecção Arlequim, ou das telenovelas de ricos e pobres, com um toquezinho muito leve de sexualidades alternativas e fetichistas – e é esse perfume de fruto proibido que marca a sua diferença em relação à “concorrência” e o tornou num fenómeno de popularidade. Tudo bem. Mas um filme não é um livro. E este filme não quer ser mais do que o livro em imagens, puro objecto de marketing para maior glória da conta bancária de E. L. James (que, como produtora, deve ter exercido apertadíssimo controlo sobre a produção). Tudo bem. Só não se confunda isso com “cinema” - e praticamente tudo o que está em exibição neste momento em Lisboa é mais “cinema” do que As Cinquenta Sombras de Grey

 

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