Shaima al-Sabbagh é o novo símbolo da esquecida revolução egípcia?

As mortes têm sido muitas, mas a desta mulher chocou mais do que outras e originou críticas inéditas ao Presidente Sissi. Há muitas imagens do seu assassínio e isso conta. Também faz diferença que a vítima não seja islamista.

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As manifestantes juntaram-se no lugar onde Shaimaa foi morta, no centro do Cairo Mohamed el-Shahed/AFP

Foram pouco mais de uma centena as mulheres que participaram na homenagem à socialista Shaima al-Sabbagh, morta sábado quando caminhava até à praça Tahrir do Cairo para depositar flores em memória das vítimas da revolução de 2011. Mas num país onde as manifestações foram proibidas e as forças de segurança podem dispersar com violência qualquer concentração de mais de dez pessoas, cada mulher precisou de coragem para sair de casa.

Shaima al-Sabbagh, 34 anos, um filho de cinco, saiu de Alexandria no sábado com membros do seu partido, a Aliança Popular Socialista. O destino era a Tahrir, a gigantesca praça-rotunda onde há quatro anos centenas de milhares de egípcios acamparam até o ditador Hosni Mubarak deixar o poder.

Shaima não chegou à Tahrir, onde a revolução nasceu, a 25 de Janeiro de 2011. O seu pequeno grupo percorria a pé a rua Talaat Harb, de pastelarias, lojas de roupa e agências de viagens, uma das artérias que desemboca na Tahrir, quando a polícia disparou. Há fotos que a mostram ainda de pé, rosto e camisola de lã ensanguentados, um colega a abraçá-la e ela a deslizar até cair no chão. Há fotografias e vídeos onde se vêem polícias armados de caçadeira e há um vídeo onde outro colega corre com ela ao colo em busca de ajuda.

As mulheres que quiseram homenagear Shaima esta quinta-feira levaram fotos suas, em vida e a morrer, e fotos do ministro do Interior, Mohamed Ibrahim. Deixaram-se ficar de pé no lugar onde ela foi morta e gritaram “Procurado” e “Assassino de Shaima al-Sabbagh”. Também pediram o “fim do regime militar”. Alguns polícias formaram um corredor, desta vez para as proteger de homens que gritavam vivas ao Presidente, Abdel Fatah al-Sissi, chamando-lhes “cães”, “terroristas e traidoras”.

“Penso que a morte dela criou um certo impulso. As pessoas estão aqui correndo um enorme risco. Mas é uma forma de enfrentar o medo que eles incutem”, disse à Reuters a activista Yasmin el-Rifae. Só mulheres para evitar a infiltração de agentes à paisana.

Shaima foi uma das 25 pessoas mortas entre sexta-feira e domingo em iniciativas para recordar o aniversário da revolução. Centenas, na maioria apoiantes da Irmandade Muçulmana, ilegalizada depois do golpe que derrubou Mohamed Morsi, em Julho de 2013, foram detidas. Shaima é uma das 1500 pessoas mortas entretanto em manifestações, em concentrações de apoio ao chefe de Estado deposto.

Desde que Sissi, então ministro da Defesa, orquestrou o derrube do islamista Morsi, o primeiro Presidente eleito na História do país, as autoridades detiveram mais de 41 mil pessoas, diz a Human Rights Watch. Destas, 29 mil são membros ou apoiantes da Irmandade. Outros são críticos do poder, como os jovens revolucionários, incluindo fundadores dos movimentos que deram origem à revolta. Centenas são civis que uma nova lei enviou para serem julgados em tribunais militares. Seis jornalistas foram mortos e onze estão na prisão, incluindo três da Al-Jazira Internacional, já condenados a penas entre os sete e os dez anos.

"Terroristas" e insensibilidade

Num país onde os directores dos principais 17 jornais se comprometeram no fim de 2014 a evitar criticar as instituições de poder, a morte de Shaima mereceu um editorial na primeira página do Al-Ahram, considerado a voz do Governo. “Os factos incontestáveis transmitidos pelas testemunhas e as imagens da sua morte indicaram claramente o assassino”, escreveu o editor Ahmed Sayed Naggar. Não houve lei nem justiça, continua, e a responsabilidade disso está “sobre os nosso ombros, antes de todos nós do Presidente eleito para proteger as almas dos filhos da sua nação do abuso de poder”.

A autópsia mostra que Shaima foi atingida por chumbos nas costas. O Governo começou por acusar “terroristas” da Irmandade, depois abriu um inquérito. Vários membros do partido de Shaima, que assistiram à sua morte, foram detidos. A activista dos direitos humanos Azza Soliman foi oferecer o seu testemunho. Foi detido e informada de que seria investigada.

Poucos acreditam que se faça justiça; alguns sonham que esta morte possa reacender a revolta. Mas também há quem note que Shaima só é chorada assim por se tratar de uma socialista laica – na véspera, Sondos Ridha, uma manifestante de 17 anos, foi morta pela polícia em Alexandria. “Ela apoiava a Irmandade Muçulmana e as pessoas já não querem saber”, disse ao Guardian o estudante Mohamed Mourad.

Sobre o choque e a atenção que a morte de Shaima desencadeou nos media e nas redes sociais, a egípcia Fatima Said, ouvida pela BBC, começa por lembrar que o assassínio “foi documentado, as imagens disponíveis são muito poderosas”. Mas a blogger também diz que seria diferente caso se tratasse de uma islamista: “As pessoas tornaram-se insensíveis em relação a um determinado grupo”.
 

   

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