Quotas impostas por Angola prejudicam exportações portuguesas de 207 milhões

Nos primeiros 11 meses do ano passado, Portugal exportou um total de 207 milhões em nove produtos que agora ficam sujeitos a restrições.

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Angola não vai importar mais de 400 mil hectolitros de cerveja em 2015 Daniel Rocha

A quota à importação de produtos básicos que Angola quer adoptar poderá afectar, pelo menos, 207 milhões de euros de exportações de produtos portugueses para aquele país, o que equivale a quase um terço do total do comércio de bens alimentares e agrícolas feito para o mercado angolano. Este é o valor total de vendas de nove produtos alimentares, efectuadas entre Janeiro e Novembro, e que ficam este ano sujeitos a restrições.

Um decreto-executivo do Governo de José Eduardo dos Santos, citado pela Lusa e com data de 23 de Janeiro, definiu como limite máximo a importação de dois milhões de toneladas de artigos de primeira necessidade, como óleo, farinha, arroz, açúcar, sumos, água e cerveja. A intenção é "reduzir paulatinamente" as compras ao estrangeiro, num passo mais visível da estratégia já anunciada de aumentar a produção local e, ao mesmo tempo, limitar as importações.

O documento foi assinado pelos ministros das Finanças, da Agricultura, das Pescas, da Indústria, do Comércio e dos Transportes, juntamente com o Banco Nacional de Angola, e parece ser mais um obstáculo a enfrentar pelas empresas portuguesas, que já esperam atrasos nos pagamentos de clientes devido ao actual contexto económico e à escassez de divisas. Angola é o segundo principal cliente de Portugal no sector agro-alimentar e está a sofrer com o impacto da queda vertiginosa do preço do petróleo, que vale 30% do PIB e é a sua principal fonte de receitas.

O decreto-executivo conjunto sustenta que é “imperioso assegurar” a Reserva Estratégica Alimentar e tomar “medidas regulatórias do mercado importador e da rede de distribuição e comercialização de produtos alimentares e não alimentares, onde a oferta doméstica assegure mais de 60% do consumo nacional". Outro objectivo, diz o documento citado pela Lusa, é aumentar “a oferta de produtos em quantidade e qualidade suficiente" que respondam ao aumento da população. Para garantir uma oferta “regular e sustentável”, o Governo angolano avança com quotas em produtos onde já tem produção própria.

Em concreto, este ano as compras ao estrangeiro de óleo alimentar não podem ultrapassar as 334 mil toneladas, na farinha de trigo o limite é de 688 mil toneladas, no arroz não se pode ultrapassar as 457 mil e no açúcar as 367,4 mil. Nas bebidas e refrigerantes – onde Portugal tem um papel importante como fornecedor – a quota geral fixa-se nos 950 mil hectolitros (150 mil hectolitros de águas, 200 mil de refrigerantes, 400 mil de cerveja e 200 mil de sumos). As compras de ovos limitam-se a 156 milhões de unidades. Já nas hortofrutícolas, a quota de importação fica estabelecida em 184,5 mil toneladas, distribuídas por batata rena (70 mil toneladas), alho (14,5) e cebola (100).

Pelas contas do PÚBLICO, nove destes produtos (ovos, cebolas, arroz, farinha de trigo, óleo de girassol, açúcar, sumos, águas e cerveja) significaram um total de 207 milhões de euros nas exportações portuguesas para este mercado entre Janeiro e Novembro de 2014, o equivalente a 29,2% do total do comércio internacional de bens agrícolas e alimentares para Angola. Se em alguns dos casos a tendência foi de crescimento face ao período homólogo (como sucedeu com as cervejas, os ovos ou as cebolas), a perspectiva de quota máxima de importações poderá acentuar ainda mais as quebras nas exportações de águas, óleo de girassol ou açúcar.

As vendas de sumos, por exemplo, alcançaram 13,8 milhões de euros nos onze meses do ano passado, menos 22% face a 2013. Neste sector, uma das exportadoras de maior peso é a Sumol + Compal, que tem em Angola o seu principal mercado. Para conseguir impulsionar o negócio e reforçar presença nas prateleiras do retalho e restauração, vendeu 49,9% do capital da Sumol+Compal Marcas, por 88,2 milhões de euros, à Copagef, empresa de capitais franceses e accionista da cerveja angolana Cuca. A operação acelera o projecto de construção de uma fábrica de produção e embalamento, assumido desde sempre como “uma prioridade estratégica”.

A produção local também tem sido um objectivo do sector cervejeiro e seria um passo essencial para ultrapassar os constrangimentos do mercado angolano, como as elevadas taxas alfandegárias ou a mais recente queda no preço do petróleo. Angola compra perto de 62% da cerveja que é produzida em Portugal. A Unicer firmou uma parceria com sócios locais e espera iniciar o fabrico de Super Bock "o mais brevemente possível". A Central de Cervejas terá a Sagres produzida sob licença através da Sodiba, empresa controlada por Isabel dos Santos e o marido, Sindika Dokolo.

Não foi possível obter comentários da Associação Portuguesa dos Produtores de Cerveja (APCV) quanto ao decreto-executivo, mas há quem espere para ver o documento oficialmente publicado e confirmado pelo Presidente da República.

Pedro Queirós, director-geral da Federação das Indústrias Portuguesas Agro-Alimentares (FIPA), lembra que Angola está ser afectada pela descida do preço do crude, tendo menos dinheiro para pagar aos fornecedores externos. A quota máxima de importações é, por isso, “uma necessidade que se percebe face à queda abrupta do preço do petróleo”. “A única coisa que esperamos é que esta seja uma decisão transitória e, acima de tudo, que Angola recupere a capacidade de continuar a ser um destino relevante e privilegiado para produtos portugueses”, disse.

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