Na Grécia, o único suspense é ver se o Syriza consegue a maioria absoluta

O clima em Atenas é de excitação, prudência, cepticismo — depende do "analista" com quem se fala. Enquanto se espera pelo resultado exacto desta vitória anunciada, debate-se que margem de manobra terá Alexis Tsipras.

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As últimas sondagens davam vantagem de cerca de seis pontos percentuais à coligação de esquerda Miguel Manso

O analista político em cada grego aparece sem aviso quando se fala das eleições. “Se comes todos os dias o mesmo prato durante um tempo, e alguém te põe à frente um prato diferente, tu vais provar”, decreta o analista do dia, o taxista Giannis. “Pode ser melhor ou pior, tu não sabes. Mas o que andas a comer é intragável e já não aguentas.” Por isso – simples – é que o Syriza vai ganhar as eleições antecipadas na Grécia (pelo menos, segundo todas as sondagens).

“Se um rapaz quer dormir com uma rapariga, tem de lhe dizer coisas que os dois sabem que são mentira”, diz por seu lado Stathis, noutro espaço privilegiado de debate, o café. “É como estamos. O Syriza está-nos a enganar com coisas que sabemos todos que não são verdade. Mas ainda assim, vamos dormir com ele.”

Ninguém, entre os analistas de táxi e café e os de universidades e jornais, sabe o que esperar de umas eleições em que pela primeira vez um partido como o Syriza (Coligação de Esquerda Radical) vai vencer eleições, não só na Grécia, mas também num país da zona euro na História recente, e quando a questão é se tem maioria ou não.

O clima em Atenas está entre a excitação, a prudência, e o cepticismo. O medo, que se notava nas eleições de 2012, parece estar desta vez mais circunscrito, apesar de todos os avisos internacionais de que o que pede o Syriza não é possível, do martelar de responsáveis europeus lembrando que a Grécia tem de honrar os seus compromissos, e da campanha da Nova Democracia (conservador, no Governo), que antecipava, em caso de vitória do Syriza, um país na bancarrota já em Maio, salários e pensões congelados, bancos sem dinheiro, filas para encontrar papel higiénico nos supermercados “como na Venezuela”, e entrada de imigrantes sem controlo, num anúncio com uma imagem fazendo uma não muito subtil ligação com os ataques de Paris contra o Charlie Hebdo.

Eleições "perigosas"
Há vozes a dizer que têm medo de uma saída da Grécia do euro, mas não parecem ser muitas. Nem Konstantina Koullias, advogada estagiária de 23 anos, da juventude da Nova Democracia (Oned), acredita nisto. Isto apesar de achar que as propostas do Syriza não são realistas – “como vêm dizer que de repente vai ficar tudo bem?” – e que a situação não está assim tão má – “acho que metade do sentimento é influenciado pelo que ouvimos da Europa e dos media”.  

Entre os mais velhos o medo é maior: “Estas são as eleições mais perigosas da minha vida – e eu já sou velha!”, diz Eleni, 74 anos, no comício de encerramento da campanha da Nova Democracia. “Onde é que [Alexis] Tsipras vai arranjar dinheiro? Só antecipo uma coisa: catástrofe. Vamos ficar outra vez muito pobres, como já fomos.”

O Executivo de Antonis Samaras, que governa junto com o Pasok de Evangelos Venizelos, procurou ainda passar aos eleitores uma mensagem positiva de que o pior já passou e que a Grécia está no bom caminho, e é justamente agora que um novo Governo pode deitar tudo a perder. Esta abordagem teve um efeito limitado porque a recuperação é muito tímida: o crescimento do PIB no terceiro trimestre de 2014 foi de 0,7%, quando a queda desde 2009 foi de 25%. O rendimento das famílias aumentou também no terceiro trimestre de 2004 – mas apenas 0,03%.

Sondagens mostram que cerca de 11% de eleitores que escolheram o partido de Samaras nas últimas eleições vão agora votar no Syriza (o contrário acontecerá com apenas 1 a 2% de eleitores do Syriza, que mudarão para o partido no Governo).

Enquanto tentou desconstruir o programa de Governo do Syriza, a Nova Democracia acabou por não apresentar uma proposta concreta.

Questões em aberto
Não se pode dizer que a campanha eleitoral tenha trazido muita clarificação. As questões em aberto são muitas e difíceis. Jornalistas e economistas apontam algumas: irá ser assinado um novo acordo com a troika, e a tempo? Irá o Syriza arriscar uma medida que irrite a troika como reverter os cortes em salários ou reformas ou tentará negociar uma mais fácil de gerir como ter electricidade sem custos para famílias que não a consigam pagar (há dezenas de milhares de casas sem electricidade)? Que condições serão negociadas em relação à dívida – até onde cederá a troika e até onde exigirá o Syriza (será suficiente uma redução dos juros ou terá de incluir o capital?). Caso o novo governo saia mesmo do memorando de entendimento com a troika, o que poderá acontecer? Poderá a Grécia sair do euro e se sim, como será feita essa saída?

Parte destas questões poderão mudar de cenário caso o Syriza não tenha (e não era esperado que tivesse, mas as sondagens não são as mais fiáveis) maioria absoluta – o partido mais votado tem um bónus de 50 deputados num parlamento de 300, mas para ter maioria o Syriza precisava ainda que vários partidos na linha do 3% não chegassem a entrar no Parlamento (3% é o mínimo), para assim beneficiar com a redistribuição dos votos dos partidos que não chegam a entrar.

A jornalista grega Efthimia Efthimiou é de opinião de que o próprio líder do Syriza, Alexis Tsipras, gostaria de ter um parceiro de coligação que lhe desse um pretexto para fazer compromissos e ultrapassar assim a ala mais radical do partido, que não é negligenciável. Candidatos a esta posição são os partidos O Rio (To Potami), do apresentador e jornalista Stavros Theodorakis, ou o Partido Socialista (Pasok), ambos a bater na tecla da necessidade de não levar a cabo acções arriscadas que ponham em risco a manutenção da Grécia no euro.

Consequências pessoais
Numa conferência de imprensa na sexta-feira, Tsipras declarou que tentará, se formar Governo, concluir um acordo com os credores até ao Verão, através de negociações com os países do euro (o Syriza sempre disse que preferia negociações no quadro europeu do que com a troika do FMI, BCE e UE). O seu objectivo é “uma solução sustentada, aceite para a Grécia e a Europa”.

“A austeridade não está inscrita nos tratados europeus”, sublinhou Tsipras na última conferência de imprensa antes da votação, adiantando que o seu governo reconhecerá as “obrigações institucionais” da Grécia em relação à União Europeia mas não os “compromissos políticos” do executivo cessante, diz o diário Kathimerini.

Responsáveis europeus já disseram, sob anonimato, que não vêem como será possível concluir qualquer acordo com a Grécia no tempo recorde que seria necessário até ao final de Fevereiro (estima-se que o país ficasse sem dinheiro em Junho), pelo que uma extensão do memorando já é vista como inevitável, segundo a agência Reuters. Fala-se em cinco a seis meses – um timing parecido com o de Tsipras.

Enquanto nos jornais se debate o quão aproximadas poderão ser as posições de esquerda radical grega e da troika, há quem veja efeitos muito mais próximos e imediatos.

Consequência da campanha, e tal como aconteceu em 2012, o Governo contratou uma série de trabalhadores por seis meses – mais precisamente, 2100 pessoas. Mas há quem tema perder o emprego se as eleições não trouxerem mudanças: “Se o partido que está no Governo continuar, sei que o meu pai pode ser despedido”, diz-nos uma jovem estudante, que prefere não ser identificada. “Ele é funcionário público e recusou-se a fazer uma irregularidade com dinheiro. Já o castigaram – mudaram-no de sítio – e se o Governo não mudar, pode mesmo acabar por perder o trabalho.”

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