No lado errado do “teatro filmado”

Miss Julie é um filme totalmente instalado no lado errado do “teatro filmado”.

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Cinecartaz: Trailer Miss Julie

A influência de Strindberg paira sobre uma grande porção da dramaturgia cinematográfica sueca, sendo a obra de Ingmar Bergman o exemplo mais evidente e, provavelmente, máximo.

Liv Ullmann, que vem, de corpo e alma, de dentro do universo bergmaniano, atira-se aqui a uma das peças mais célebres de Strindberg, a Menina Júlia, já várias vezes passada a filme, nalguns casos com resultados extraordinários, como a versão de 1951 assinada por Alf Sjöberg (de resto, um dos mestres de Bergman). Se insistimos na ligação de Ullmann ao mundo bergmaniano e ao que ele representa, ligação reforçada ainda pelo facto de o seu filme anterior como realizadora (Infidelidade, de 2000) ter sido feito com base num argumento original de Ingmar, é porque nada nos prepara para a enorme decepção que é esta Miss Julie, totalmente instalada no lado errado do “teatro filmado”.

Transpondo a acção para a Irlanda, pormenor que acaba por ser irrelevante e justificar apenas o inglês falado pelos seus protagonistas “internacionais” (Jessica Chastain, Colin Farrell e Samantha Morton), Ullmann aborda a peça com uma encenação austera, bem longe das liberdades tomadas por exemplo nessa versão Sjöberg que mencionámos. Estamos quase sempre em interiores, as personagens presentes são mesmo só aquelas três (a Menina Júlia de Chastain, o criado de Colin Farrell, a sofrida cozinheira de Morton), e o filme avança em longas cenas de diálogo que nunca se pretendem descolar de uma respiração propriamente “teatral”. Mas o que no papel era “cru”, e bem em sintonia com a gélida observação das relações de classe curto-circuitadas pelo desejo “inter-classista”, acaba por resultar demasiado limpo, para não dizer demasiado mole - ver a escala de planos, por exemplo, previsível, académica, bastantes vezes dependente de uma lógica de campos-contracampos sem surpresa alguma, próxima do “tele-teatro” mais desenxabido. Falta “grão” ao filme - aquele “grão” que  fez da “redução ao teatro” um dos pilares de algumas correntes da “modernidade” cinematográfica - e fora alguns momentos bem resolvidos (como as elipses que dão a noite que a Menina e o criado passam juntos) resulta tudo tão morno que depressa se passa da falta de entusiasmo ao aborrecimento. <_o3a_p>
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