A “desrespeitosa interferência” de Passos Coelho e a decisão “ilegal” do BdP no caso BES

As duas últimas audições do ano na comissão de inquérito ao colapso do Grupo Espírito Santo e do BES trouxeram alguns dados novos para os deputados. Joaquim Goes testou a paciência dos deputados. Rui Silveira vinha com alvos bem definidos.

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Pela comissão têm passado vários tipos de gestores do BES. Rui Silveira foi o primeiro a disparar em todas as direcções. No final de uma declaração inicial, escrita, que distribui aos deputados no passado dia 18, por antecipação, Silveira explica como devem ser repartidas as responsabilidades pela falência do BES e do grupo.

Em primeiro lugar, por quem o geria, porque, nota, há "situações lesivas dos interesses do banco cuja responsabilidade deve ser apurada". Pelo Banco de Portugal (BdP): "A resolução é manifestamente excessiva e ilegal." E até por Pedro Passos Coelho: “É sintomático que o primeiro-ministro não se tenha poupado a juízos que competem à comissão de inquérito", acusou Silveira, para quem a “desrespeitosa interferência do chefe do Executivo se explica por uma razão. A medida de "resolução" aplicada ao BES, em 3 de Agosto, não só "foi excessiva e ilegal", como “envolveu a participação activa da Comissão Europeia, do BCE, do Governo português e do Banco de Portugal”.

Outro ponto importante na argumentação de Silveira é a responsabilidade do governador do BdP na situação. Desde logo, porque a tão debatida questão da “idoneidade” é, para este jurista, ex-responsável pela auditoria interna do BES, “uma falsa questão”. A lei "dá poder ao BdP para destituir qualquer administrador e com total discricionariedade". O BdP "podia, se quisesse, ter destituído" Ricardo Salgado. "O BdP não queria interrupções, queria que a transição fosse feita com dignidade" e negociou-a com Ricardo Salgado, "admitindo mesmo que o dr. Ricardo Salgado ficasse a liderar o Conselho Estratégico" depois da sua saída do BES negociada com o BdP.

Teresa Anjinho, do CDS, quis saber se a insistência de pedidos de explicações por parte da entidade liderada por Carlos Costa não constituía um sinal de desconfiança, Silveira avançou que "a desconfiança só nasceu quando foi revelado [Novembro de 2013] aquele passivo que era desconhecido [1200 milhões na ESI]."

O deputado do PS Pedro Nuno Santos perguntou: O BdP impôs ao BES que constituísse provisões com vista a forçar a intervenção? "Não sei por que não se foi pela via de recapitalização", pois o BES apenas necessitaria "de 1200 milhões", isto, se o BdP não tivesse declarado nula a garantia do Estado angolano ao BESA. Silveira continuou: ”Ainda hoje não sei como é que não houve reacção" à revogação unilateral da garantia estatal angolana. 

Em resposta a Bruno Dias, do PCP, Silveira acrescentou que teve uma reunião no dia 15 de Abril deste ano no BdP com o então director do departamento de supervisão, Pedro Machado, ex-chefe de gabinete do ex-ministro Vitor Gaspar. Silveira conta que Pedro Machado (que entretanto anunciou que vai trabalhar para a auditora PWC), lhe disse que "o BESA é um activo valiosíssimo e está a ser bem gerido". ´

Naquele momento já o BdP tinha conhecimento dos problemas detectados no BESA, com uma exposição descontrolada ao BES (traduzida nos relatórios contas do banco português) e com cerca de 5000 milhões de euros de crédito, sendo que uma parte substancial não estava garantida. 

Goes desconhecia problemas

Joaquim Goes, administrador do BES com o pelouro do risco e representante do banco na Portugal Telecom, foi mais um dos responsáveis do BES que, perante as perguntas dos deputados, na sessão desta segunda-feira da comissão de inquérito, revelou “desconhecimento” sobre o conjunto de decisões que levou ao colapso do banco. “Não podíamos actuar sobre uma realidade que não era conhecida”, afirmou, em resposta ao deputado do PCP, Miguel Tiago, que o questionava enquanto administrador com o pelouro do risco.

Os testemunhos dos responsáveis do BES têm deixado os deputados com a sensação de que há uma generalizada fuga às responsabilidades. Isso mesmo referiu Cecília Meireles, do CDS, a Joaquim Goes: "Nesta comissão, a atribuição de responsabilidades tem sido problemática, se não impossível." Também Duarte Pacheco, do PSD, sublinhou, na sua intervenção inicial, que a comissão tem ouvido "a elite financeira do país", mas a conclusão principal a tirar do que tem sido dito aos deputados é que todos "cumpriram as suas obrigações". Porém, adiantou o deputado, "aconteceu o que aconteceu… Ou então alguém não está a dizer tudo."

Goes, que chegou a ser apontado como um dos possíveis sucessores de Ricardo Salgado à frente do BES, foi suspenso em 30 de Julho de 2014 pelo Banco de Portugal (BdP), mas foi readmitido menos de um mês depois como consultor do Novo Banco, na equipa de Vítor Bento.

Genro de Hernâni Lopes, Goes foi um dos promotores do movimento liberal “Compromisso Portugal”, que juntou vários economistas e gestores que pediam a saída do Estado da economia. Em Abril de 2011, poucos meses antes das eleições legislativas que levaram Passos Coelho ao poder, o gestor foi um dos autores do projecto "Mais Sociedade" a partir do qual foi feito o programa do PSD.

Questionado pela deputada do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, sobre as relações BES/PT, Joaquim Goes negou qualquer envolvimento na gestão da tesouraria da PT, nem da situação que originou uma desvalorização expressiva da telefónica após ser conhecida a dívida de 900 milhões que a Rioforte (holding não-financeira do GES) tinha para com a PT.

"Eu era administrador não-executivo da PT desde 2000. Se houve pressão, ou não houve pressão, não posso confirmar ou desmentir. Não tinha qualquer intervenção nesse processo."

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