O Amor é cardíaco

Não há como não reconhecer a Jacquot a convicção e a contundência com que se entrega à indumentária do melodrama.

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Trailer 3 Corações

Há uma boa razão para que cineastas como Ernst Lubitsch ou Leo McCarey tenham sido capazes da mais genial comédia como do mais abissal melodrama: é que é tudo, na grande escala das coisas, mais ou menos o mesmo, e não há quiproquó amoroso que não possa ser contado ora como fonte de riso ora como fonte de angústia.

Pensamos nisto a ver os 3 Corações de Benoit Jacquot, que sendo indubitavelmente um melodrama, ou lá perto, tem como princípio narrativo estruturante algo que é fácil imaginar num registo de comédia: homem encontra mulher, homem perde mulher, homem encontra outra mulher, mulher essa que, descobre ele a posteriori com horror, é irmã da primeira. A “screwball” filmaria isto com imensas portas, não-ditos, mentirinhas e correrias loucas para sustentar as mentirinhas. Um melodrama, como o de Jacquot, faz mais ou menos o mesmo (com eventual excepção das correrias loucas), mas em vez de riso só a angústia pela iminência do cataclismo, aliás prometido bem cedo, porque qualquer coisa no ambiente do filme nos faz adivinhar, em poucos minutos, que “isto não vai acabar bem”.

Figura estranha, em todos os sentidos do termo, no panorama das últimas décadas do cinema francês, Benoit Jacquot (nascido em 1947) tem obra longa e irregular, nem sempre resolvendo muito bem o conflito (ou a articulação) essencial do seu cinema, ter um pé na tradição do cinema popular e outro na modernidade “pós-nouvelle vague”. Clássico na sua construção, moderno na sua narração – não muito longe dos últimos Truffauts ou dos primeiros Téchinés – 3 Corações é porventura o seu filme criticamente mais aclamado em muito tempo. E mesmo se os ecos desse acolhimento crítico em França nos parecem algo desproporcionados, não há como não reconhecer a Jacquot a convicção e a contundência com que se entrega à indumentária (que é como quem diz, à forma) do melodrama, encarado como o relato do avanço inexorável rumo a um destino contra o qual ninguém pode nada (os “corações” não são uma força de expressão, porque há pelo menos um – o do protagonista Benoit Poelvoorde – que vale pelo seu mais literal, e que nisso é decisivo).

Poelvoorde é excelente, com o seu físico e a sua aura de homem banal, envelhecido e batido por um trabalho chato (inspector fiscal), e as outras duas senhoras, Charlotte Gainsbourg e Chiara Mastroianni, não sendo tão “excelentes” como Poelvoorde, encarnam o sofrimento de forma contida e enxuta.

 

 

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