Ex-administrador do BES considera resolução "ilegal" e critica interferência de Passos

Rui Silveira, que foi o administrador responsável pela auditoria, começou a responder aos deputados depois das 16 horas.

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"Os membros dos órgãos de administração não podem ir além do que lhes é revelado", ainda "que todos tenham deveres de diligência", começou por dizer Rui Silveira, ex-administrador executivo do BES, que leu uma declaração na comissão de inquérito parlamentar à gestão do BES. O gestor defende que " não se podem assacar responsabilidades colegiais" quando há omissão de informação por parte dos responsáveis e que "competia ao BdP" suspender e demitir um ou mais membros" dos conselhos de administração caso houvesse motivo para suspeitar da sua idoneidade, como previsto no REGIC.

Rui Silveira salientou ainda não ter existido fundamento para o BdP, com base numa recomendação da KPMG, retirar a garantia concedida ao BESA pelo Estado Angolano, que implicaram uma necessidade de provisionamento de 3400 milhões por parte do BES e que tornaram os rácios de capital insuficientes. "E nenhum dos cenários" equacionados pela KPMG, para defender a não ilegibilidade da garantia estatal de Angola ao BESA, se registou, notou ainda. Silveira considera a medida de resolução do BdP  ilegítima, por não estar sustentada em nenhum dos critérios previstos na lei. Mas também "desnecessária e excessiva".

"E ilegal." Silveira defendeu que "teria sido mais ajuizado o recurso à linha de recapitalização", com recurso a investimento público transitório. Silveira entrou para o BES em 1992, como assessor jurídico da administração, e em 2000 assumiu funções de administrador executivo, com o pelouro da auditoria interna.

No final da sua declaração inicial, Silveira distribui responsabilidades pela gestão do banco, pelos reguladores e até pelo Governo. Para a gestão, Silveira reconhece que há "situações lesivas dos interesses do banco, cuja responsabilidade deve ser apurada". Para o BdP a farpa mais afiada: "A resolução é manifestamente excessiva e ilegal." E para o primeiro-ministro, Silveira anota a "desrespeitosa interferência" que tem feito nos trabalhos desta comissão de inquérito.

É "sintomático que o primeiro-ministro não se tenha poupado a juízos que competem à comissão de inquérito", disse Silveira, para quem a medida de "resolução" aplicada a 3 de Agosto ao BES pelo BdP não só "foi excessiva e ilegal", como teve a participação activa do BCE, da Comissão [Europeia], mas também do Governo.

Interrogado pela deputada do BE, Mariana Mortágua, sobre a comercialização de papel comercial da ESI na rede de retalhos, explicou que dado que o risco "é do emitente" o prospecto de emissão da divida da holding "a nota informativa" referia a existência de riscos: “Não envolve qualquer compromisso ou garantia pelo BES, quanto à veracidade ou qualquer juízo de valor quanto à situação da entidade emitente" e que a "entidade emitente pode ficar incapacitada de pagar”,  Silveira refere que a CMVM nunca levantou dúvidas sobre o fundo de tesouraria ES Liquide, pois "foram tomados os passos formais necessários."
 
“Estava tudo muito bem"
Inquirido pelo BE sobre que deficiências foram detectadas no BESA, em 2008, Silveira explicou "que o departamento de risco, na altura sob controlo de José Maria Ricciardi, defendia um sistema novo de gestão de risco operacional, que o BESA" optou por não adoptar. E evocou que o interlocutor do BESA em Lisboa era a ESFG [que controlava o BES] e com a qual Sobrinho reunia. Era esta  holding do GES que depois assegurava ao BES  que a situação no BESA estava regularizada: “Estava tudo muito bem", nomeadamente "na carteira de crédito", centrada em "empresas e fortemente colacteralizada e com reduzido número de clientes”. E o responsável que garantia a inexistência de problemas no BESA era "o dr. João Moita, que esteve aqui com o dr. Álvaro Sobrinho.”

Em Outubro, na Comissão Executiva "ficamos a saber" o que se passava no BESA "e ficamos preocupadíssimos", o que me levou "a pedir informação detalhada" sobre os créditos irregulares que depois foi reportada ao BdP. Silveira veio também desmentir Alvaro Sobrinho, que confirmou a existência de uma AG do BESA, mas negou o conteúdo de uma acta que revela existirem mais 5000 milhões de euros de créditos sem beneficiário. Silveira veio agora mencionar que a "acta é verdadeira, existe" e que a pode divulgar. 

A 13 de Janeiro de 2014, a garantia estatal de Angola foi levada ao conhecimento de Pedro Duarte Neves, numa reunião onde esteve o CEO do BES, Ricardo Salgado, e o presidente do Conselho de Administração Oliveira Pinto.

O Regime Geral das Instituições "dá poder ao BdP para destituir qualquer administrador", um ou todos os administradores, "e com total discricionariedade" como aconteceu "comigo" [Silveira e Joaquim Goes foram destituídos a 30 de Julho de 2014]. O BdP "podia se quisesse ter destituído" Ricardo Salgado ou todos os gestores se quisesse e não era preciso alegar falta de idoneidade que, o que na óptica de Silveira, é uma "falsa questão".  

"O BdP não queria interrupções, queria que a transição fosse feita com dignidade" e negociou-a com Ricardo Salgado "admitindo mesmo que o dr. Ricardo Salgado ficasse a liderar o Conselho Estratégico" depois da sua saída do BES negociada com o BdP. "Não é verdade" que o BdP tenha mantido um braço de ferro com Salgado para que este deixasse a liderança do BES.

"A ESCOM nunca foi vendida", garante Rui Silveira, a quem foi solicitado que realizasse o contrato de venda da empresa que pertencia a ES Resources (holding não financeira do GES), apesar de ser da Comissão Executiva do BES, Mas como "isto das leis tem as suas subtilezas", pediram-me para  [2008] participar numa reunião onde estavam Ricardo Salgado, o secretário geral do GES, José Castella, e o presidente do BESA Alvaro Sobrinho, e nessa altura fiquei a saber que "havia um interessado na ESCOM – pedindo-me para que elaborássemos o contrato, que não foi muito difícil de fazer, sendo que o passivo era assumido pelo comprador". Só que, adiantou, o contrato "era de promessa de compra e venda", assinado a 28 Dezembro de 2008, E o sinal "pago em 2009″.

"Foi isto o que se passou, foi assinada uma cópia", mas "não o original" e "mais tarde" soube "que tinha sido feito pagamento do sinal", pois "perguntei ao José Castella" se  a verba [85 milhões de dólares] tinha sido transferida "para a conta (que tinha dado)", o que este confirmou.

"Devia haver uma maior interacção entre o BdP, a CMVM e as equipas de auditoria” do BES, defende Silveira, em resposta à deputada do CDS/PP Teresa Anjinho que procura saber qual a abrangência da equipa permanente o supervisor, tendo Silveira explicado que "o acesso era na hora, o diálogo era óptimo”. Teresa Anjinho quis saber se a insistência de pedidos de explicações por parte da entidade liderada por Carlos Costa não constituía um sinal de desconfiança, Silveira avançou que "a desconfiança só nasceu quando foi revelado [Novembro de 2013] aquele passivo que era desconhecido [1200 milhões na ESI]."
 

Desrespeito
Para Rui Silveira o BdP, no que a si diz respeito, actuou com "total desrespeito pelo elementar princípio de audiência prévia" pois não o contactou antes de o suspender das suas funções gestor do BES, isto,. "para não falar da presunção de inocência".

A 15 de Junho de 2014, Silveira relata que teve uma reunião com a supervisão do BdP e onde lhe foi dito: "A garantia [do Estado angolano] é válida" e o BESA é "um activo forte".

O deputado do PS  Pedro Nuno Santos observa que Silveira foi ali enviar uma mensagem aos deputados; que o BdP foi mais exigente com o BES do que com os outros bancos do sistema, o que atirou o banco para uma situação insolvente. O socialista concluiu: o BdP impôs a constituição de uma provisão 2100 milhões de euros para fazer face a crédito do BES e a constituição de 1500 milhões de provisões exigidas de modo inesperado, colocaram o banco abaixo dos rácios mínimos recomendados (7%). O deputado perguntou: O BdP impôs ao BES, via KPMG, essas provisões com vista a forçar a intervenção? "Não sei porque não se foi pela via de recapitalização", pois o BES apenas necessitaria "de 1200 milhões", isto, se o BdP não tivesse declarado nula a garantia do Estado angolano ao BESA.

Silveira continuou dizendo que " ainda hoje não sei como é que não houve reacção" à revogação unilateral da garantia estatal angolana. Silveira disse: "Eu sei como teria reagido." E Pedro Nuno Santos perguntou: "Como teria reagido?" O gestor respondeu "judicialmente" pois "não se pode revogar uma garantia de modo unilateral" como fez o governo de Angola.

 O deputado socialista comentou que "o BdP não sai bem da fotografia". E voltou a questionar Silveira sobre o que teria acontecido se logo em Janeiro de 2014 o BdP tivesse considerado nula a garantia pública angolana ao BESA? Para o gestor "teria havido um problema muito grande", pois os rácios teriam ficado abaixo dos limites exigidos, o que teria antecipado a intervenção.    

"As informações" facultadas à "comissão executiva é que o processo de concessão de crédito a empresas no BESA estava fortemente garantido" e  o Banco Nacional de Angola, garantia que "a carteira de crédito era das melhores", mas "a informação era errada e opaca".

“No seio do BES foram praticados actos lesivos. Suas excelências sabiam que era proibido o financiamento indirecto a entidades do grupo não financeiro e isso aconteceu”, reconheceu Silveira.

O deputado do PCP, Bruno Dias, pediu esclarecimento sobre a reunião que decorreu a 15 de Abril deste ano no BdP e que já foi referida nesta audiência. O gestor clarificou que o encontro foi com o director do departamento de supervisão do BdP, Pedro Machado, ex-chefe de gabinete do ex-ministro Vítor Gaspar. Silveira conta que Pedro Machado (que entretanto anunciou que vai trabalhar para a auditora Pwc), em Abril, e ainda na qualidade de director do BdP, lhe disse que "o BESA é um activo valiosíssimo e está a ser bem gerido". ´

Naquele momento já o BdP tinha conhecimento dos problemas detectados no BESA, com uma exposição descontrolada ao BES (traduzida nos relatórios contas do banco português) e com cerca de 5000 milhões de euros de crédito, sendo que uma parte substancial não estava garantidos e sem beneficiários associados. 

27 de Julho
"Não percebo os timings do BdP, pois dizia que estava tudo muito bem", que o BESA era um activo "valioso", e "havia a garantia de Angola ao BESA [extensível ao BES o que permitiria o reembolso de créditos não cobráveis]", observa Silveira: "Não digo que as provisões não fossem necessárias, mas foram excessivas", pois "não eram necessárias", e determinaram o colapso do BES.

O ex-administrador do BES salienta que a família Espírito Santo apenas tinha 20% do capital, e havia muitos pequenos accionistas "deveria ter havido mais sangue frio, com intervenção anterior, substituição da administração, e recapitalização" há mais tempo, pois a "resolução devia ter sido a última, das últimas, das últimas medidas."  E considera que a decisão de acabar "com um banco com quase 150 anos" foi uma decisão gratuita e excessiva. "Devia ter havido maior ponderação" e havia outras alternativas.

"No dia 27 de Julho de 2014 já tinham sido contratados os advogados para elaborar o despacho de resolução", portanto a decisão "já estava tomada" antes de ter sido anunciada a 3 de Agosto, revela Silveira que se manteve na equipa de gestão de Vítor Bento.

A recapitalização pública do BES nunca esteve em cima da mesa, confirmou Silveira à deputada Teresa Anjinho. "Não havia necessidade. Estávamos com bons rácios”, sendo que a solução só se verificou quando Vítor Bento assumiu as funções de CEO. 

"O que o BdP me disse" sobre a indicação de Morais Pires como substituto de Ricardo Salgado "não foi que ele não podia ser" o futuro CEO do BES, "mas que teria de ser indicado em Assembleia-Geral", e "não sei se não tenho sms disso", contou Silveira, para quem manter o segredo sobre o futuro CEO "estava a ser nocivo", uma ideia defendida pelo ainda presidente da instituição. E  só "a 28 de Junho" é que o BdP notificou Salgado de que o CEO não podia ser nem Morais Pires, nem José Maria Ricciardi, e que os accionistas "teriam de arranjar uma solução em 24h00".

E quando Pedro Nunes Santos o interrogou sobre se sabia da existência da Espírito Santo Enterprise, um possível saco azul do GES para pagar despesas não documentadas, Silveira afirmou: "Nunca ouvi falar."

 

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