Minuta distribuída entre reclusos quintuplica pedidos de indulto

Serviços entupidos com mais de 1200 pedidos. Muitos nem sequer cumprem os requisitos formais.

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Nos últimos oito anos, Cavaco concedeu 65 indultos Rui Gaudêncio

A minuta de um pedido de indulto que foi distribuída em algumas cadeias nacionais, principalmente nos estabelecimentos prisionais de Custóias e de Paços de Ferreira, fez com que este ano tenham disparado os pedidos de perdões de pena dirigidos ao Presidente da República, Cavaco Silva. Segundo o Ministério da Justiça, este ano foram apresentados mais de 1200 pedidos de indultos, um valor cinco vezes superior à média dos últimos cinco anos, em que essas solicitações se ficaram pelos 225 pedidos. Esta segunda-feira, a ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, reúne-se em Belém com Cavaco Silva, para a tradicional reunião que antecede o anúncio dos indultos concedidos.

O aumento anormal entupiu o funcionamento de muitas das entidades que são obrigadas a dar parecer nestes casos, nomeadamente os serviços prisionais, os tribunais de execuções de penas, os serviços do gabinete da ministra da Justiça e a Presidência da República. Mas desengane-se quem pensa que o aumento de pedidos levará necessariamente a uma subida dos perdões de pena concedidos (o ano passado foram apenas dois). É que muitos dos requerimentos nem sequer cumprem os requisitos formais, nomeadamente a obrigatoriedade de os reclusos já terem sido condenados e não estarem a cumprir uma medida de coacção como a prisão preventiva.

Aliás, o texto da minuta que circulou pelas cadeias nem sequer tinha em consideração a natureza do indulto, que é um perdão individual que actua sobre a pena concreta aplicada àquele condenado. Ao contrário da amnistia, o indulto refere-se ao sujeito e não à infracção. Por isso, não apaga nem extingue o procedimento criminal, atacando a pena, a sanção, extinguindo-a no todo ou em parte. Essa natureza individual contraria a lógica da minuta distribuída que continha uma argumentação genérica sobre a sobrelotação das cadeias e sobre o elevado custo de cada recluso para o erário público, mas nenhuma consideração sobre a situação familiar e pessoal que pudesse justificar um perdão de pena àquele concreto requerente.

Curiosamente, constata uma magistrada de um tribunal de execução de penas que analisou muitos dos pedidos deste ano, a distribuição da minuta fez diminuir os “verdadeiros pedidos de indulto”, em que o condenado ou os seus familiares fundamentam de facto porque pedem o perdão da pena.

Penas 251 pedidos em 2013
Certo é que a avalanche de pedidos levou a algumas mudanças nos procedimentos, obrigando a simplificar algumas das formalidades previstas, como é o caso dos relatórios elaborados pelos técnicos de reinserção social, cujo modelo foi alterado face à insuficiência de recursos humanos para preencher os formulários habituais.

As informações sobre a origem da minuta são contraditórias, com algumas fontes dos serviços prisionais a associarem-na a um recluso com formação superior em Direito, que acabou por ser transferido da cadeia de Paços de Ferreira para um estabelecimento com menos reclusos condenados. Nos tribunais de execuções de penas circulava uma outra versão que associava a minuta a uma associação de apoio a reclusos e familiares.   

O ano passado entraram 251 requerimentos, mais 46 que no ano anterior. 2006, o primeiro ano de Cavaco na Presidência da República, foi o que registou o maior número de solicitações, com 816 pedidos. No ano seguinte, o número desceu para 614 e, em 2008, as solicitações de perdão de pena voltam a decrescer para as 351. O número mais baixo dos últimos oito anos ocorreu em 2010, ano em que se contabilizaram 204 pedidos de indulto.

Esta evolução, tendencialmente descendente, terá a sua principal explicação no facto de Cavaco Silva ter reduzido de forma substancial o número de indultos concedidos face ao seu antecessor, Jorge Sampaio. Em 2005, o socialista perdoou a pena a 56 reclusos, um valor que caiu para 34 no ano seguinte, já com Cavaco em Belém. Mesmo assim, esse valor, fica muito longe da média nos últimos cinco anos, em que Cavaco Silva apenas perdoou quatro reclusos por ano. Desde que assumiu a presidência, Cavaco apenas concedeu 65 indultos. 

O indulto, total ou parcial, de pena pode ser pedido pelo condenado, pelo seu representante legal, por um familiar ou pelo director do estabelecimento a que está afecto o recluso. A proposta é dirigida ao Presidente da República e pode ser apresentada até ao dia 30 de Junho de cada ano. Contudo, cabe ao Ministério da Justiça remeter o pedido para o tribunal de execução das penas, onde é feita a instrução das propostas. Deste processo é obrigatório constar a certidão das decisões condenatórias, uma cópia do registo criminal, informações constantes do processo individual do recluso, relatório dos serviços prisionais contendo avaliação da evolução da personalidade do recluso durante a execução da pena, parecer do director do estabelecimento prisional, relatório dos serviços de reinserção social a avaliar as perspectivas de enquadramento familiar, social e profissional do condenado. Sempre que o pedido se baseia em razões de saúde, é obrigatória a informação sobre o estado do recluso.

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