Tensão racial por trás do homicídio de dois polícias em Nova Iorque

Dois agentes foram assassinados numa emboscada feita por um homem que tinha publicado mensagens de ódio contra a polícia. Sindicatos acusam mayor de ter as mãos manchadas de sangue.

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Polícia lançou investigação ao homicídio de dois agentes em Nova Iorque Spencer Platt / AFP

O antagonismo entre a polícia norte-americana e as minorias étnicas entrou numa nova dimensão de violência. Dois agentes foram executados sábado, em Brooklyn, Nova Iorque, num acto de vingança pelas mortes de cidadãos negros desarmados às mãos da polícia nos últimos meses. Depois dos protestos contra a brutalidade policial, são agora os polícias que pedem justiça.

O Departamento de Polícia de Nova Iorque (NYPD, na sigla inglesa) descreveu a morte dos agentes Rafael Ramos, de 40 anos, e Wenjian Liu, de 32, como “uma emboscada”. “Foram, muito simplesmente, assassinados – atingidos por causa do seu uniforme”, disse em conferência de imprensa o comissário William Bratton.

Foi durante a tarde de sábado em Nova Iorque que um homem negro de 28 anos, identificado como Ismaaiyl Brinsley, baleou os dois agentes, que se encontravam no interior de um carro da NYPD estacionado numa rua calma do bairro de Bedford-Stuyvesant, em Brooklyn. Segundo a polícia, o homem agiu sem que os dois agentes se tivessem apercebido da sua aproximação. “Eles podem não ter sequer chegado a ver o seu assassino”, disse Bratton. Depois de matar os dois agentes, Brinsley fugiu do local e foi perseguido pela polícia até uma estação de metro, onde acabou por se suicidar com um tiro.

Já passava da meia-noite quando o Presidente, Barack Obama, emitiu um curto comunicado em que condena “incondicionalmente” os dois homicídios, para os quais “não há justificação”. “Peço às pessoas para rejeitarem a violência e as palavras que magoam e que se voltem para as palavras que cicatrizam”, acrescentou.

Horas antes, o mayor de Nova Iorque, Bill de Blasio, lamentava o homicídio, que descreveu como “uma execução”, mas não se referiu ao ambiente de tensão vivido entre a polícia e a população da cidade, depois dos protestos das últimas semanas. “Estes agentes foram atingidos ao estilo de uma execução, um acto particularmente desprezível que toca o coração da nossa sociedade e da nossa democracia. É um ataque contra todos nós”, acrescentou.

O homicídio dos dois polícias ocorre depois de semanas de inflamados protestos contra a acção policial em várias cidades norte-americanas, com especial incidência em Nova Iorque. A cidade foi palco de manifestações com milhares de pessoas, na sua maioria pacíficas, após a deliberação de um grande júri de não levar a julgamento o polícia que matou Eric Garner. Um vídeo da detenção em Julho, difundido pelas televisões, mostrava o agente da NYPD Daniel Pantaleo a realizar uma acção proibida pelo regulamento da polícia nova-iorquina, que levou Garner, um afro-americano que sofria de asma, a morrer por asfixia.

“Sangue nas mãos” de Blasio
Com um ambiente altamente polarizado, a morte dos dois agentes vem aprofundar as clivagens. O líder de um dos maiores sindicatos de polícias de Nova Iorque, Patrick Lynch, acusou, horas depois do homicídio, “aqueles que incitaram à violência nas ruas sob o disfarce do protesto”. “Há sangue em muitas mãos esta noite”, disse o presidente da Associação de Beneficiência dos Polícias, apontando precisamente para Blasio: “Esse sangue nas mãos começa nos degraus da Câmara Municipal e no gabinete do mayor.”

A polícia nova-iorquina e Bill de Blasio entraram em colisão depois das declarações feitas pelo mayor na sequência do caso de Garner. Na altura, Blasio – que é casado com a escritora e activista negra Chirlane McCray – disse que a morte de Garner representava algo “pessoal” para si. “Pensei logo no que significaria perder o [filho] Dante. A minha vida nunca mais seria a mesma", afirmou. Blasio revelou ainda ter aconselhado o seu filho, que é negro, a "ter precauções especiais" se tiver problemas com a polícia.

Desde então, o sindicato tem montado uma oposição feroz ao mayor – no seu site disponibiliza desde a semana passada um formulário para os polícias que não queiram ter a presença de Blasio no seu funeral, caso sejam mortos em serviço. No sábado à noite, quando Blasio se dirigia para a conferência de imprensa sobre a morte dos dois agentes, todos os polícias presentes viraram costas à sua passagem em forma de protesto.

A polícia nova-iorquina lançou de imediato uma investigação ao homicídio para tentar refazer os passos dados por Ismaaiyl Brinsley e para averiguar as suas motivações. As primeiras conclusões apontam para uma premeditação total. Na madrugada de sábado, Brinsley baleou e feriu gravemente a sua ex-namorada em Baltimore County, no estado do Maryland, antes de fazer os 300 quilómetros até Nova Iorque. Antes disso, uma foto sua com uma pistola de prata – a mesma que foi utilizada no duplo homicídio – foi colocada no seu perfil na rede social Instagram com a legenda: “Vou pôr asas em porcos hoje. Eles tiram um dos nossos… vamos tirar-lhes dois dos deles.”

A polícia de Baltimore acorreu ao local onde Brinsley baleou a ex-namorada e lançou um alerta para a NYPD, antecipando aquilo que acabaria por acontecer. Segundo o New York Times, Brinsley tem um cadastro que inclui roubo e posse ilegal de armas, mas nada que se compare ao homicídio premeditado que acabou por cometer.

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