A crise “levou as pessoas a assumir o risco de comprar online

O director do PayPal para a Península Ibérica, Estanis Martín de Nicolás, diz que o negócio em Portugal está a crescer, em parte porque há mais consumidores à procura de preços baixos na Internet.

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Estanis Martín de Nicolás diz que mercados do Sul foram os que mais cresceram nos últimos anos Enric Vives-Rubio

O PayPal, o conhecido sistema de pagamentos online, está a trabalhar directamente no mercado português há três anos. Estanis Martín de Nicolás dirige, a partir de Madrid, as operações da multinacional americana na Península Ibérica. Numa conversa nas instalações do PÚBLICO, em Lisboa, admite que a existência da rede Multibanco, que permite vários tipos de pagamentos e compras, é uma particularidade do mercado português e um desafio para a empresa. Mas acrescenta que os mercados em que o PayPal tem mais potencial para crescer são precisamente os do sul da Europa, onde o comércio online é menos frequente. A crise económica, afirma Nicolás, até veio ajudar, graças às pessoas que procuram melhores negócios na Internet. Em Espanha e Portugal, a empresa conseguiu dois novos milhões de utilizadores nos últimos dois anos. Sobre o negócio global, diz que a separação da plataforma de leilões eBay – que comprou o Payal há 12 anos – vai abrir portas para novas parcerias. A gigante Amazon é uma possibilidade.

Qual é a dimensão do vosso negócio em Portugal?
Não temos autorização para revelar receitas por país. Globalmente, processamos um em cada seis dólares de pagamentos online. Em Portugal, o que posso dizer é que uma em cada seis pessoas que compra na Internet usa PayPal. Estamos a crescer muito depressa, sobretudo nos últimos dois anos.

A que ritmo têm crescido?
Na Península Ibérica, nos últimos dois anos, conseguimos um milhão de novos utilizadores por ano.

Espanha e Portugal são mercados diferentes?
Sim. A grande particularidade que distingue o mercado português do espanhol é o Multibanco, que nós [em Espanha] não temos.

A rede Multibanco é um desafio para o PayPal?
É, porque os hábitos de pagamento são muito difíceis de mudar. Os hábitos são muito locais, variam consoante o país. Os alemães gostam de pagar por transferência bancária, os nórdicos gostam de pagar contra factura, no Reino Unido usam cartões de débito…

Qual é o perfil dos utilizadores de PayPal, tanto do lado dos consumidores, como dos comerciantes?
São mais novos e mais sofisticados do que a média. Ligeiramente mais homens do que mulheres, mas a diferença é pouca. E tendem a comprar muito mais online. Do lado dos vendedores, temos tido muito sucesso nos últimos anos, conseguimos atrair muitos em Portugal. Temos o grupo Sonae [dono do PÚBLICO], o Continente [da Sonae], TAP, Sata, Blueticket...

São grandes empresas. Quais são os vendedores que representam a maior parte do vosso negócio: os grandes ou os pequenos?
Creio que os pequenos e médios. Em termos globais, provavelmente 50 ou 60% são pequenos e médios negócios. Em Portugal, um pouco mais. Os pequenos comerciantes sempre foram o foco do PayPal. Quando o PayPal começou [em 1998], esses comerciantes não tinham hipóteses de ter um sistema de pagamento online. Se ligassem para um banco e dissessem que queriam ter um, era quase impossível. O PayPal pôs essa opção à disposição de qualquer pessoa.

No ano passado estabeleceram uma parceria com a Redunicre [que oferece serviços para a aceitação de cartões bancários]. Como está a correr?
Nós integramos o PayPal no sistema de pagamento que eles vendem aos comerciantes. O objectivo foi tornar mais simples a adopção do PayPal. Às vezes os vendedores querem o PayPal, mas têm um calendário difícil em termos de desenvolvimento tecnológico e o processo demora tempo. Ainda não temos muitos comerciantes a usar através deste sistema. Mas não posso dizer quantos.

Quais são as vossas metas para o mercado português?
O objectivo global que definimos em 2012 foi o de duplicar o tamanho do negócio a cada três anos. Na Península Ibérica, estamos a um ritmo ligeiramente superior.

Quem são os vossos maiores concorrentes: os cartões bancários ou outras plataformas de pagamentos online, como a da Apple?
Por agora, o grande concorrente aqui na Europa são os cartões. A Apple é muito fechada e muito de nicho. É preciso ter um iPhone 6 para usar o Apple Pay. Não sei as estatísticas para Portugal, mas em Espanha só 8% das pessoas têm um iPhone e muitas menos têm um iPhone 6.

E a longo prazo?
A longo prazo, a Apple será sem dúvida um concorrente. Mas toda a gente está a tentar entrar neste espaço. A Visa lançou uma carteira electrónica que copia o modelo do PayPal, onde não é necessário pôr os dados do cartão de cada vez que se faz um pagamento. A Mastercard também. A Amazon tem o seu próprio sistema de pagamentos [para ser usado no site de outras empresas], que é bom para alguns vendedores. Mas muitos não vão querer que a Amazon saiba as vendas que fazem, porque depois a Amazon vai vender esses produtos mais baratos no seu site. Nós não concorremos com os vendedores. Alguns destes sistemas vão concorrer com o PayPal em alguns aspectos do nosso negócio. Mas, por agora, não há nenhuma alternativa com o mesmo alcance global e que tenha esta abordagem agnóstica em relação à plataforma. Não nos interessa se o utilizador tem um Nokia ou um Samsung, se quer aceder através de um tablet, de um computador, de um relógio inteligente ou de um ponto de venda [numa loja].

Aqui em Portugal temos alguns sistemas de pagamento locais. A Portugal Telecom tem uma carteira electrónica e a SIBS [que gere o Multibanco] prepara-se para lançar uma aplicação de pagamentos móveis. É frequente terem este género de concorrência local noutros países?
No último ano, assistimos a uma explosão da concorrência. Os cartões bancários foram inventados para o mundo físico, funcionam muito bem aí. Mas nunca foram um bom produto para transacções online, por causa das questões de segurança. Há empresas que perceberam que o PayPal está a ganhar dimensão e querem um bocado desse mercado. Em Espanha, uma associação de bancos lançou uma carteira electrónica. A Vodafone também. Quase toda a gente lançou uma carteira. Acho que é um bom sinal.

Não é um espaço que está a ficar cheio?
Está a ficar. Mas acho que tem sido bom para nós. Tem ajudado a educar os consumidores sobre as vantagens de uma carteira destas face a um cartão bancário. Acho que é uma das razões por que temos aumentado o número de utilizadores nos últimos anos.

Qual é o maior desafio: convencer consumidores ou vendedores?
Ambos. Em Espanha e Portugal, um dos desafios que temos tido é o facto de o comércio electrónico não ter uma penetração tão grande quanto nos países nórdicos ou na Alemanha. Nós não tínhamos uma grande tradição de compra por catálogo. Noutros países, quando chegou a Internet, as pessoas já estavam habituadas a ver uma foto num catálogo e a pagar contra entrega ou por cartão de crédito. A transição foi mais rápida nesses casos. Cá, demorou mais tempo para que as pessoas tivessem confiança para comprar sem tocar no produto. Nos últimos três ou quatro anos, Espanha, Portugal e outros mercados do sul, como Itália, são os que mais cresceram. Estamos a recuperar terreno.

Sentiram algum impacto da crise económica nestes países?
Na verdade, teve um impacto bastante positivo. Levou as pessoas a assumirem o risco de comprar online, para conseguirem melhores preços. Os consumidores nestes mercados estão muito mais criteriosos a gastar dinheiro.

Qual é o vosso maior mercado na Europa?
O Reino Unido é quase 40% do nosso negócio na Europa, Médio Oriente e África. Depois vêm a Alemanha e França. Mas os outros mercados têm mais potencial para crescer.

Notam um aumento no volume de pagamentos feitos em telemóveis?
Um aumento muito grande. Começámos a registar a percentagem de pagamentos feitos em dispositivos móveis – ou seja, em telemóveis e em tablets – em 2010. Na altura, eram 0,1% dos pagamentos. No ano passado, foram cerca de 16%. Os últimos dados, do trimestre passado, indicam 20%.

O PayPal e o eBay vão separar-se no próximo ano. Já trabalhou no eBay no Reino Unido. Qual o problema que leva à separação?
O PayPal e o eBay são provavelmente as empresas criadas na Internet que têm mais sinergias entre elas. Quando o eBay começou, um dos grandes problemas era o pagamento. O que levou à decisão de separar foi a concorrência. Houve um enorme aumento de concorrência no último ano para as duas empresas. E as sinergias entre as empresas também já estão feitas. Mais de 85% dos pagamentos do eBay são feitos através do PayPal, há pouca margem para melhorar isto. Separadas, as duas empresas podem conseguir novas parcerias que seriam impossíveis de outra forma.

Que parcerias?
O PayPal não está presente em sites muito importantes de comércio electrónico. A Amazon, por exemplo. A Amazon recusou-se a falar com o PayPal durante anos por causa do eBay, que é o maior concorrente deles.

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