Tristeza foi o que sobrou no dia de exame para professores

Faltaram ao exame para contratados 359 dos 2863 inscritos. Entre os que compareceram houve até quem fosse tratado por "menino".

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A prova de professores realizou-se nesta sexta-feira Rui Gaudêncio

“Meninos, faz favor de fazer fila indiana sem stress”. O tom da chamada da funcionária da escola secundária Alberto Sampaio, em Braga, soou deslocado. Está acostumada a ter responsabilidades sobre adolescentes, mas esta sexta-feira são professores que passam pelo seu crivo para poderem entrar no recinto escolar.

São docentes a contrato com menos de cinco anos de serviço e que só poderão sonhar em vir a dar aulas numa escola se realizarem a chamada Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades (PACC), prevista desde 2007, mas que só foi concretizada em Dezembro de 2013, com o ministro Nuno Crato.

Dos 2863 inscritos para este exame que viram as suas candidaturas validadas, compareceram ao exame 2514, indicou o Ministério da Educação e Ciência (MEC). Na estreia da prova tinham-se inscrito 13.500, tendo esta sido feita por 10.220. Cordões de manifestantes a impedir a entrada dos que iam realizar a prova, invasões de escolas e intervenções policiais marcaram o início deste exame, nas suas edições em Dezembro de 2013 e Junho de 2014. “O que se viu aqui hoje [esta sexta-feira] foi um ambiente de tristeza”, desabafou o líder da Federação Nacional de Professores (Fenprof), Mário Nogueira, depois de uma tarde passada à porta da escola básica Manuel da Maia, em Lisboa, uma das 80 em que se realizou a prova.

Numa faixa pendurada nas grades daquela escola lia-se: “Não à prova! Basta de ofender os professores!”. Mas é já um protesto silencioso. À entrada para a prova, não houve ruído nem confusão. Nas salas, não houve boicotes. E, à saída, também não havia aquele típico alívio de dever cumprido. Quem compareceu não concorda com a prova, mas diz não ter outro remédio, tem de fazer o exame se querem candidatar-se a dar aulas.

Cerca de 5400 docentes foram excluídos este ano lectivo dos concursos por não terem realizado a PACC ou por terem chumbado neste exame. “É esta a prova que diz que eu sou boa professora de Inglês?”, questionava em Lisboa, Patrícia Vieira, 32 anos, docente do 1.º e 2.º ciclos no ensino particular, variante Português/Inglês. No ano passado optou por não fazer a PACC. Não acreditava que pudesse ser colocada. Agora, com o anúncio da tutela de que iria abrir um novo grupo de recrutamento para o Inglês no 1.º ciclo, ficou com alguma “esperança”.

Na Alberto Sampaio, em Braga, só os professores inscritos para a PACC podem ir para lá das grades da entrada. E nem os alunos que precisam de resolver problemas na secretaria conseguem cruzar a entrada antes das 17h00. Havia mais de 50 inscritos para fazer a PACC nesta escola. Seis faltaram.

“Não tenho medo nenhuma da prova”, atira, alto e bom som, uma das professoras, enquanto toma o seu lugar na fila. “Não estou nada preocupada”, repete Sofia, licenciada em Matemática pela Universidade do Minho, que teve que vir de Barcelos a Braga para fazer este exame. “Vou para lá com aquilo que é a minha cultura geral”, garante.

No ano passado, faltou à prova, com a qual não concorda. Desta vez, sentiu-se “obrigada” a decidir de forma diferente, porque quer candidatar-se a um lugar numa escola pública. Na escola de  Lisboa, Susana Miranda repete quase as mesmas palavras. Tem 40 anos e “mil e muitos dias de serviço” como docente de Artes Visuais. No ano passado, inscreveu-se, mas acabou por nem aparecer no dia da prova. “Senti-me incapaz de ter cabeça e serenidade para a fazer.” Não foi colocada: “Este exame é completamente despropositado. Já trabalhei em sete escolas, tenho sido avaliada sempre com Bom e Muito Bom. Tenho uma licenciatura e um mestrado.”. No fim, queixou-se de que a prova, não sendo necessariamente difícil, era demasiado extensa. Não teve tempo para rever as respostas, voltar a olhar para o que escreveu. Eram questões que exigiam “muita atenção e concentração”, queixa-se.

Em Braga, Benilde, professora de Português e Inglês licenciada pelo Politécnico de Viana do Castelo, também se lamenta: “Era tudo um bocado confuso”. Já a composição [a partir de um diminuto excerto de um artigo do ex-director do PÚBLICO, José Manuel Fernandes] não pareceu ser “nada de muito difícil”. No ano passado nem sequer se tinha inscrito na prova de avaliação: “Sou contra isto, mas teve que ser”. “Tinha textos que precisavam de ser lidos mais do que uma vez”, dizia em Lisboa Marília Santos, 33 anos, docente do 1.º ciclo do Ensino Especial, a quem faltam cerca de 200 dias para completar cinco anos de serviço.

Quatro polícias, vários dirigentes sindicais, alguns deputados e professores do quadro, “solidários” com os colegas sem vínculo, estiveram à porta desta escola da capital. Em Braga, cerca de uma hora antes da hora marcada para o início da PACC, já dois agentes da PSP aguardavam no extremo oposto do passeio da entrada principal da escola. Por lá ficaram, até ao final da prova, mudando de posição ao sabor da posição do sol. A cada 20 minutos, passava um carro patrulha em ritmo lento. Não chegou a parar.

Em declarações ontem à RTP, o porta-voz da PSP, Pedro Flores, assegurava que a polícia estava “preparada para um policiamento de proximidade sem colocar de parte outro tipo de intervenção caso seja necessário”. “Queremos normalmente que as provas corram da melhor forma, mas não é seguramente através da intervenção musculada da PSP que as coisas correrão de forma diferente”, frisou. Em  comunicado, enviado ao princípio da noite, a Fenprof apresentou outra leitura: “A presença, o número e o envolvimento das forças de segurança num acontecimento destes é mais uma marca da arrogância de um governo que vai subindo na prepotência para tentar abafar o descontentamento que provoca”.

Esta sexta-feira foi também dia de greve aos serviços da PACC, convocada por sete organizações sindicais, e que abrangia os docentes convocados para a vigilância das provas. A Fenprof não fez o balanço habitual. À porta da  escola Manuel da Maia, em Lisboa, Mário Nogueira disse que o MEC, de forma a minimizar os efeitos da greve, “soube escolher” as escolas onde iria realizar a PACC e, por sua vez, estas souberam escolher os  professores vigilantes. “O ministro da Educação cuidou de tudo. Fosse ele tão cuidadoso no funcionamento das escolas e o ano lectivo teria começado bem”, ironizou.

Em Fevereiro, os professores que realizaram esta sexta-feira a componente comum da PACC serão chamados a provar que sabem a matéria das disciplinas que se propõem leccionar. Nogueira anunciou já que a Fenprof  convocará nova greve.

 

 

 

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