"A formatação do gosto das crianças começa com a família"

Cinco perguntas a Pedro Graça, responsável do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável.

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Pedro Graça Nélson Garrido/ Arquivo

O relatório “Portugal – Alimentação Saudável em números 2014” mostra que a obesidade infantil é maior nos países da Dieta Mediterrânica: Grécia, Itália, Espanha e Portugal. Que explicação tem para isso?
Tenho uma explicação que é pessoal, e que tem a ver com o facto de ter havido uma drástica diminuição da natalidade nestes países, o que faz com que as crianças sejam híper-protegidas. Por razões económicas, muitas vezes não são os pais quem toma conta delas, são os avós, que ainda se mostram mais protectores. A isso soma-se uma redução da actividade física e o facto de passarem muito tempo a ver televisão ou a jogar computador. Mas no Norte da Europa, onde se pensava que a obesidade tinha diminuído, também está a aumentar, o que tem a ver com o crescimento da presença das comunidades imigrantes, que têm um nível de obesidade mais elevado.

Um dos pontos mais surpreendentes do relatório é o que mostra que a maior parte do sódio que ingerimos é através da sopa. Como interpreta este dado?
Consumimos muito sopa, o que é muito bom, porque as nossas sopas são um elemento extraordinário. Mas são ainda muito salgadas. Para as escolas e outros espaços públicos estamos a tentar desenvolver instrumentos que permitam ao responsável por uma cantina medir facilmente a quantidade de sal na sopa para fazer um controlo. Mas nas casas das pessoas não conseguimos regular, por isso apenas podemos alertar os pais para a grande responsabilidade que têm quando utilizam o sal. O que acontece é que assim estamos a programar as crianças para o gosto do sal muito cedo.

Estamos, correctamente, a dar às crianças muito pequenas legumes e fruta, mas ao mesmo tempo criamos-lhes também muito cedo o hábito de consumir refrigerantes. É uma contradição?
Temos de facto um consumo muito interessante de fruta e hortícolas comparados com outros países europeus, mas também fomentamos o gosto pelo doce muito cedo, e o que o estudo mostra é que uma criança que consome açúcar aos dois anos vai consumir mais aos quatro. É um gosto que perdura. Tem-se criticado muito a escola por formatar o gosto, mas o que se percebe aqui é que essa formatação começa mais cedo e com a família. A responsabilidade passa a ser da família, que precocemente instala o gosto pelo sal e o açúcar.

A situação dos idosos causa particular preocupação?
Encontramos uma elevada prevalência de desnutrição entre os idosos, o que mostra que temos que trabalhar mais com este grupo que, além de tudo, é um grupo que está a crescer. Temos dado muita atenção às crianças, mas é preciso também olhar para os idosos.

O número de obesos está a aumentar ou estamos a assistir a mais casos de registo médico de pessoas com obesidade?
O número que temos é o que encontramos geralmente os estudos e que corresponde a 10% da população, ou seja, um milhão de pessoas. O que acontece é que os serviços de saúde não estavam a registar os casos, e essa situação alterou-se [houve um aumento de 150 mil casos registados entre 2011 e 2013], o que permite um melhor diagnóstico da situação. Mas mesmo assim ainda há um sub-registo, porque o número de casos registados é inferior aos 10% que sabemos que existem.

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