As areias movediças que cercam a consagração de Costa

O ambiente socialista não está para ebulições. O novo líder quer a pacificação interna e o escândalo da detenção de Sócrates aconselha a contenção. No entanto, há divergências que podem inflamar o fim-de-semana.

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Miguel Manso

A “estratégia” montada por António Costa está pensada para limitar os danos, os socialistas “sabem o que está em jogo” e a “lógica da auto-defesa” já entrou em campo. Apesar de, historicamente, os conclaves socialistas ficarem sempre marcadas por intervenções que fogem ao guião do líder, existe a percepção, no interior do principal partido da oposição, de que há pouco espaço de manobra para surgir contestação no XX Congresso.

“Este congresso não terá utilidade, vai desenvolver-se dentro do mesmo ritual de há cinco ou seis anos: entronização do secretário-geral”, reconhecia um ex-parlamentar que, apesar disso, admitia comparecer na Feira Internacional de Lisboa, no Parque das Nações.

Com o PS na “corda bamba”, no seio das diferentes facções internas reconhecia-se o potencial de risco. Uma situação demasiado séria e explosiva. “Os militantes têm a total noção do que está em jogo”, dizia nesta sexta-feira um ex-dirigente distrital. “A estratégia de Costa não vai sair fora dos carris”, vaticinava.

Além disso, reconhecia outro antigo líder federativo, o “calculismo” estava instalado nas hostes. “Muitos já entraram numa lógica de auto-defesa”, explicava esse socialista, antes de lembrar que ontem estava “tudo a tratar das listas”. E, contudo, o risco permanecia. “Basta que a alguém desagrade algumas mudanças de última hora [nas listas]”, admitia esse antigo dirigente.

Seguristas nas redes sociais
No mesmo dia da detenção de José Sócrates explodiam os comentários nos vários grupos de reflexão socialista espalhados pelo Facebook. E para lá das declarações de revolta, o que surpreendia eram os posts apontados ao ex-primeiro-ministro. Num destes grupos, o Corrente de Opinião Transparência e Socialismo (criado à boleia das primárias e que tinha entre os seus membros dirigentes seguristas como Carlos Zorrinho ou António Galamba), a 25 de Novembro defendia-se que era necessário tirar lições das detenções de Sócrates e do ex-director do SEF: “Para que todos aprendam que, para governar este país, precisam de ser, antes de mais, honestos, correctos e sérios, caso contrário vêem os seus dias com extensa escuridão.”

Noutro grupo, o Movimento Cívico Socialistas Inconformados, um membro reagia aos ataques à Justiça. “Se a justiça na praça pública é condenável (e eu obviamente considero que sim), então tão errado é partir-se da ideia de ‘culpado’ por antecipação como de ‘inocente’ por antecipação. Deixemos a Justiça seguir o seu rumo porque a separação de poderes é um elemento base da Democracia.”

Os comentários tanto geravam reacções positivas como negativas. Mas o debate prosseguiu ao longo dos dias. Um antigo deputado e ex-dirigente socialista admitia, no entanto, o reduzido espaço de manobra desta facção para levantar ondas no congresso. “A intervirem, só se fosse numa lógica construtiva”, vaticinou. Fosse através de propostas a favor da transparência, fosse pela proposta de um regresso de António José Seguro a um cargo de responsabilidade com o apoio do PS.

A incógnita Assis e os históricos incontroláveis
E depois há ainda a incógnita denominada Francisco Assis. O agora eurodeputado pode inflamar o congresso com uma intervenção em defesa de uma coligação governamental com o PSD. Uma linha de argumentação em clara divergência com o discurso actual de António Costa, que tem colocado maior ênfase numa negociação com alguma esquerda política. Ainda assim, um dirigente afirmava que, tendo em contas outros materiais explosivos, esse até seria um tema benigno.

Há um dilema que afecta sempre qualquer liderança socialista. Qualquer secretário-geral gosta de ter ao seu lado os seus antecessores em determinados momentos políticos. O problema é que os senadores socialistas são uma faca de dois gumes. As suas declarações produzem sempre impacto, mas a verdade é que são incontroláveis. Como reconhecia um ex-dirigente referindo-se a um desses históricos, quando falam “não obedecem a ninguém”.

Foi o que aconteceu com Mário Soares, em Évora, à saída da prisão depois de visitar José Sócrates. Tinha prometido não falar à imprensa e depois foi o que se viu. Ao que o PÚBLICO apurou, os alarmes soaram em Lisboa quando o também histórico Manuel Alegre confirmou a sua presença no congresso e admitiu abordar o tema quente de Sócrates. Houve movimentações para tentar fazer ver ao ex-candidato a Presidente da República o risco de uma intervenção inflamada sobre o ex-primeiro-ministro.

Os perigos não se limitam à defesa do ex-primeiro-ministro e ex-líder socialista detido. O oposto pode também acontecer. Um exemplo disso pode ser lido no blogue do empresário Henrique Neto. Desafiou Costa a “limpar a casa no próximo congresso”, insurgindo-se contra os que atacavam a Justiça. “O PS não pode, sob a capa da chamada unidade de todos os socialistas, continuar a ser o partido dos interesses, da distribuição de benesses e mordomias e do enriquecimento ilícito de alguns dos seus militantes e promotores.”

Socratistas em defesa do ídolo
Um dirigente nacional confirmava-o ontem ao PÚBLICO. Entre os aliados de sempre do ex-primeiro-ministro discutia-se a mobilização das tropas para a FIL. “Alguns deles estão desejosos de tentar levantar o congresso e envolver o partido.”

Ao longo dos últimos dias, alguns destes ultrapassaram a barreira levantada por António Costa, quando, por mensagem telefónica aos militantes, avisou que era tempo de deixarem a Justiça “fazer o seu trabalho”. O risco é da instalação de um “ambiente emocional” que acabe por descambar no congresso.

Edite Estrela repescou a teoria da conspiração logo no dia seguinte à detenção. “Qual a melhor forma de desviar as atenções do escândalo dos vistos gold?”, escreveu no Facebook. O deputado André Figueiredo falou na necessidade da “legítima defesa” perante um “assassinato na praça pública”.

Mas a declaração de José Sócrates, na qual este separou o seu processo do PS, retirou o tapete a essas movimentações. E o melhor barómetro dessa inversão foi a forma como a ex-eurodeputada Edite Estrela falou um dia depois. Falou em “excesso de ruído” e defendeu que o PS tinha de “se concentrar nas suas responsabilidades para com os portugueses”.

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