Rajoy: “A maioria dos políticos são decentes, a Espanha não está corrompida”

Chefe do Governo admitiu que houve no seu partido “problemas sérios” e membros “corruptos”, abusos de “pessoas que foram merecedoras” da sua confiança. Mas disse que já pediu desculpa por isso e apelou a consensos.

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Rajoy insistiu que a maioria dos políticos são decentes DANI POZO/AFP

Mariano Rajoy teve palavras de determinação quando, esta quinta-feira, apresentou no Parlamento espanhol projectos legislativos anticorrupção. Mas a missão do chefe do Governo estava longe de ser fácil. Desde logo porque a discussão ocorreu um dia depois da demissão da sua ministra da Saúde, Ana Mato, indiciada num escândalo, mas também porque medidas semelhantes, anunciadas há quase dois anos, têm sido bloqueadas pelo Partido Popular (PP), de que é líder.

Só na resposta às intervenções da oposição, o chefe do Governo, que se escusou a entrar na discussão de nomes de presumíveis envolvidos em corrupção, acabou por se referir a Ana Mato, para a desculpar. Disse que o auto do juiz não deixa “margem para qualquer dúvida” e que a agora ex-ministra não está indiciada de qualquer crime e “ignorava a prática” de delitos.

A afirmação mereceu um comentário irónico de Pedro Sánchez, líder do PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol, principal força da oposição): “Deixam-me preocupado. A demissão de Ana Mato foi por motivos de saúde?” Já antes, aludindo ao que acontecera na véspera, o dirigente socialista, que tem as suas próprias propostas anticorrupção, notou que não era “o melhor dia” para o chefe do Governo falar destes temas.

Na quarta-feira, a ministra demitiu-se depois de ter sido implicada como “participante a título lucrativo” no caso Gürtel. É no âmbito desse processo, que se arrasta há anos, desde que o partido estava na oposição, que está preso um ex-tesoureiro do partido, Luís Bárcenas. No final de Outubro, foram detidas 51 pessoas, incluindo o antigo “número dois” da Comunidade Autónoma de Madrid, o “popular” Francisco Granados, por suspeita de envolvimento numa rede de corrupção em comunidades autónomas.

Mas Rajoy acha que não se deve tomar a parte pelo todo. “A Espanha não está corrompida, não generalizemos. Começa-se assim e acaba-se a atacar o sistema. Isso beneficia os salva-pátrias de vassoura”, afirmou aos deputados, no que foi entendido como uma referência ao novo partido de esquerda Podemos. “Não há fantasma de corrupção generalizada porque não existe corrupção generalizada”, insistiu, defendendo, que “quem a faça pague por isso”.

Na intervenção inicial do debate agendado antes da demissão de Mato, o chefe do Governo admitiu que houve no seu partido “problemas sérios” e membros “corruptos”, abusos de “pessoas que foram merecedoras” da sua confiança. Mas disse que já pediu perdão por isso e apelou a consensos sobre a matéria. Mas a oposição não considera suficientes pedidos de desculpa, como se percebeu pelas palavras do porta-voz da Izquierda Unida, Cayo Lara, que quis saber quem seria o responsável pelos benefícios obtidos pelo PP no caso Gürtel.

O presidente do Governo declarou compreender a “indignação dos cidadãos” face à corrupção, mas esforçou-se por relativizar o problema. “A maioria dos políticos são decentes, a Espanha não está corrompida”, disse. “Que não se alargue a suspeita a todos, porque 50 não desacreditam toda a classe. Posso entender a desconfiança, mas isso não justifica a generalização da culpa”, insistiu, numa altura em que a sucessão de casos, que tem afectado de forma mais insistente o PP, agrava o descrédito dos políticos e pode baralhar os dados das eleições do próximo ano.

Mariano Rajoy foi ao Congresso de Deputados apresentar uma resposta “ampla, firme, eficaz e duradoura” contra o “muito perigoso” problema da corrupção, designadamente projectos de lei de controlo financeiro dos partidos e um novo estatuto de altos cargos, que receberam o apoio da bancada do PP no final da sessão parlamentar. Mas, observou o jornal  El País, na substância não houve novidades, apenas “retoques” ou “emendas parciais” em medidas que foi repetindo ou já constavam de projectos que têm estado parados.

No início da legislatura, no seu primeiro debate sobre o estado da nação, o chefe do Governo anunciou a reforma da lei de financiamento dos partidos, a lei de transparência, o estatuto de exercício de altos cargos, a revisão do código penal e  outras medidas que ficaram a marcar passo. Como escreveu há dias o mesmo jornal, a maioria das iniciativas sofreu adiamentos devido a alterações apresentadas por deputados do próprio PP. O governo também não avançou com a parte da tramitação que lhe competia, uma inacção que voltou esta quinta-feira a ser criticada. “Ouça presidente, o que ninguém compreende é que até agora ninguém tenha feito nada”, disse Rosa Díez, dirigente do partido centrista UPyD (União, Progresso e Democracia).

“Temos um inimigo comum que é a corrupção, mas não nos afecta a todos da mesma forma”, afirmou Pedro Sánchez, mencionando expressamente a prisão do tesoureiro do PP e o financiamento duvidoso. O dirigente socialista reconheceu que o seu partido não está imune ao problemas mas declarou que face à sucessão de casos, Rajoy “não tem capacidade, legitimidade, nem condições” para liderar a regeneração democrática que considera necessária.

Independentemente do caminho da justiça, o principal problema do PP é de credibilidade. Como escreveu o El País, Rajoy até pode avançar com medidas anticorrupção mas os custos políticos dos escândalos que afectam o partido recaem inevitavelmente sobre ele. E a esse nível, os dados são para ele preocupantes: segundo o Centro de Investigações Sociológicas, 86,6% dos espanhóis confiam pouco ou nada no actual chefe do Governo.

 

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