Ministério Público junta esforços raros para investigar colapso do BES

Autoridades satisfeitas com resultados das mais de quatro dezenas de buscas, parte das quais duraram até ao final do dia desta quinta-feira. Panóplia de documentos e registos informáticos vão ser agora analisados.

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Ricardo Salgado foi afastado do banco depois do escândalo das contas do BES Enric Vives-Rubio

Numa reunião de recursos rara, o Ministério Público juntou procuradores de dois dos principais departamentos especializados na investigação da criminalidade económico-financeira, o DCIAP e a 9.ª secção do DIAP de Lisboa, para lançar nesta quinta-feira uma megaoperação de mais de quatro dezenas de buscas para apreender prova documental essencial para investigar o colapso do Banco Espírito Santo (BES). A Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ envolveu quase todos os seus meios humanos nesta operação concentrada na região da Grande Lisboa e que mobilizou cerca de 200 inspectores.

Algumas das diligências ainda estavam a decorrer perto das 23h desta quinta-feira, mas as autoridades já faziam um balanço muito positivo das buscas, que levaram à apreensão de um invulgar manancial de documentos e registos informáticos. Uma magistrada ligada ao processo explicava, contudo, ao PÚBLICO que as buscas tinham sido “cirúrgicas” e que os investigadores sabiam os documentos que deveriam apreender.

Apesar do aparato, não foi detido ninguém, o que, aliás, não estava previsto para esta fase, em que a investigação tem apenas pouco mais de dois meses.

Agora, procuradores, peritos, inspectores da PJ e agentes da Autoridade Tributária vão ter de passar a pente fino a informação recolhida, havendo nesta análise não apenas procuradores do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), mas também colegas do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa. A junção de esforços é rara e justifica-se com a complexidade do inquérito, a par de uma articulação mais aprofundada dos vários departamentos do MP após a entrada da nova procuradora-geral e do novo director do DCIAP.     

Catorze magistrados do Ministério Público visitaram diversas casas de antigos responsáveis do BES (como a do presidente do conselho de administração Ricardo Salgado), escritórios e a sede do antigo Banco Espírito Santo e do Novo Banco.

As buscas envolvem ainda a área de informática do Novo Banco (herdada do antigo BES), localizada no Taguspark, em Porto Salvo (Oeiras). É aqui que está concentrada toda a estrutura de backoffice e área tecnológica da instituição financeira. O PÚBLICO sabe que os inspectores visitaram também o 14.º andar da sede do Novo Banco.

A Procuradoria-Geral da República confirmou oficialmente as buscas. “No âmbito de investigações, dirigidas pelo Ministério Público, realizam-se durante o dia de hoje várias diligências, designadamente 34 buscas domiciliárias, uma a um advogado e seis buscas a entidades relacionadas com o exercício da actividade financeira”, diz um comunicado emitido a meio da tarde.

“Nas investigações, relacionadas com o denominado "universo Espírito Santo", estão em causa suspeitas dos crimes de burla qualificada, abuso de confiança, falsificação de documentos, branqueamento de capitais e fraude fiscal”, acrescenta a mesma nota.     

Colaboração do BdP e CMVM
Além dos 14 procuradores, a PGR especifica que participaram na operação dois peritos do DIAP de Lisboa e inspectores da Autoridade Tributária. Nas investigações, diz o mesmo comunicado, “o Ministério Público conta também com a colaboração do Banco de Portugal e da CMVM”.

A investida das autoridades, que tem por base a auditoria forense pedida pelo Banco de Portugal, não abrangeu José Maria Ricciardi, presidente do BESI (Banco Espírito Santo Investimento), nem esta instituição (agora do universo do Novo Banco), apurou o PÚBLICO. Previa-se que, na semana que vem, tanto Ricciardi como Ricardo Salgado fossem ouvidos pela comissão de inquérito à gestão do BES, mas as audições foram desmarcadas, sem que, até agora, fosse agendada nova data.

O juiz Carlos Alexandre acompanhou parte da operação, que terá como alvo Ricardo Salgado e antigos administradores da instituição. Também a moradia do antigo homem forte do banco em Cascais, onde os inspectores passaram boa parte da manhã, foi visada na operação. O PÚBLICO tentou contactar o responsável pelo comunicação do banqueiro, mas sem sucesso.

Sobre as buscas à sede do Novo Banco fonte oficial desta instituição não desmentiu a operação, remetendo apenas para as declarações do seu presidente, Stock da Cunha. Questionado pelos jornalistas num evento, o presidente do Novo Banco disse que as buscas eram ao “banco mau” BES e não ao Novo Banco. A sede “BES mau” está na Rua Barata Salgueiro, mesmo ao lado do Novo Banco. Assim, não ficou claro se o “BES mau”, agora liderado Luís Máximo dos Santos (que esteve à frente da comissão liquidatária do BPP), foi ou não alvo de buscas. O PÚBLICO tentou esclarecer esta questão junto de várias fontes oficiais, mas sem sucesso.

As buscas em curso foram ordenadas pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) e decorrem da queixa-crime apresentada em Setembro pelo Banco de Portugal ao Ministério Público contra actuais e antigos quadros do banco, por alegadas práticas de gestão danosa que envolvem crimes como fraude fiscal, branqueamento de capitais e falsificação de contabilidade.     

Após o eclodir do chamado "caso BES", a Procuradoria-Geral da República (PGR) criou uma equipa especial para investigar as alegadas irregularidades e os ilícitos criminais na gestão daquele banco, sendo a equipa multidisciplinar constituída por magistrados do DCIAP, elementos da Autoridade Tributária, da PJ e dos reguladores — Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e Banco de Portugal.

Salgado é arguido no processo Monte Branco
Na manhã de 24 de Julho, uma semana antes de o Banco de Portugal decidir a “resolução” do BES, Ricardo Salgado, que já estava afastado da liderança do grupo e do banco, foi detido para interrogatório em sua casa. "No âmbito do processo Monte Branco, o Ministério Público (DCIAP) tem vindo a realizar várias diligências que culminaram com a detenção de Ricardo Salgado no dia de hoje", esclareceu a PGR numa nota divulgada na altura.

Terminado o interrogatório, Ricardo Salgado saiu em liberdade, pagando uma inédita caução de três milhões de euros. Além disso, foram-lhe aplicadas outras medidas de coacção: "Proibição de ausência do território nacional e de contactos com determinadas pessoas."

Os crimes pelos quais Ricardo Salgado foi constituído arguido são burla, abuso de confiança, falsificação e branqueamento de capitais. Todos no âmbito do caso Monte Branco, uma investigação a uma alegada rede de evasão fiscal e branqueamento de capitais que envolve ainda ex-quadros bancários na Suíça. Com Luís Villalobos

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