Das estradas do Iraque para as ruas de Ferguson, no Missouri

Departamentos da polícia local norte-americana armam-se com equipamento militar que o Pentágono já não usa.

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Em 2013 as forças de segurança receberam equipamento no valor de 500 milhões de dólares Scott Olson/AFP

Uma das imagens mais fortes da explosão de violência em Ferguson após a morte do jovem Michael Brown, a 9 de Agosto, foi a do equipamento usado pela polícia local para lidar com as manifestações. As ruas de um pequeno subúrbio do estado norte-americano do Missouri encheram-se de agentes que mais pareciam saídos de operações na Faixa de Gaza ou no Egipto, com carros blindados, equipamento antimotim sonoro, óculos de visão nocturna, camuflados dos Marines e armas usadas nas guerras no Afeganistão e no Iraque.

O reforço dos corpos de polícia nos Estados Unidos tem sido feito no âmbito do Programa 1033, que autoriza o Pentágono a vender a preços reduzidos ou a ceder gratuitamente material excedentário às forças de segurança locais.

Desde 1997, as Forças Armadas norte-americanas já cederam à polícia material no valor de 4300 milhões de dólares (3400 milhões de euros), e só em 2013 as forças de segurança receberam equipamento no valor de 500 milhões de dólares (400 milhões de euros).

O programa de transferência de material militar para a polícia tem como base a chamada "guerra às drogas", a política de combate ao tráfico e ao consumo de drogas iniciada nos Estados Unidos na década de 1970. Ao longo do tempo, a intenção de reforçar as forças de segurança em zonas mais afectadas pelo tráfico com equipamento militar excedentário foi-se alargando a outras áreas, e actualmente é comum ver-se agentes a controlar manifestações como se estivessem preparados para uma guerra.

Num texto publicado na revista Newsweek em Agosto, dá-se conta da compra de um veículo anti-minas MRPA pela polícia de Watertown, no estado do Connecticut, uma cidade de apenas 22.000 habitantes. O blindado, preparado para proteger soldados de minas colocadas nas estradas em teatros de guerra como o Afeganistão ou o Iraque, está a ser usado em ruas onde não há notícia de semelhantes ameaças.

O condado de Carroll, no estado de Atlanta, tem ao seu dispor quatro lança-granadas, para garantir que os agentes "estão armados para enfrentar qualquer ameaça", disse o chefe da polícia da localidade de Bloomingdale, Roy Pike, ao The Atlanta Journal-Constitution, em Janeiro de 2013.

Tim Lynch, especialista em direitos cívicos no conservador Cato Institute, acusa a polícia norte-americana de assumir uma postura cada vez mais militarista. "Quando este tipo de equipamento é cedido, os departamentos de polícia querem ficar com ele. E a partir do momento em que o equipamento cai nas mãos das forças de segurança, temos unidades militarizadas a intervir em situações onde não são necessárias", disse o especialista ao mesmo jornal.

"É uma das tendências mais alarmantes do policiamento na América. Costumávamos chamá-los agentes de protecção da paz, e eles tratavam as pessoas com mais respeito e civismo. Agora estamos a assistir a tácticas militares e a uma mentalidade em que as pessoas são o inimigo", acusa.

Num outro texto, publicado na revista The Economist em Março, são relatadas operações de equipas paramilitares de intervenção rápida (SWAT) em barbearias na Florida, onde detiveram 34 pessoas por não terem licença para exercer a profissão de barbeiro; num bar no Connecticut, cujos proprietários eram suspeitos de servir bebidas a menores; ou na casa de Jesus Llovera, no Arizona, um homem acusado de organizar lutas de galos (segundo a revista, um tanque da equipa SWAT entrou no jardim e matou um milhar de aves e um cão).

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