Uma montanha de provas, muitas dúvidas e contradições

Grande júri de Ferguson ouviu 70 horas de testemunhos de 60 pessoas, ao longo de 25 dias intercalados. Nos EUA, são raros os casos que não chegam a tribunal.

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Houve vários protestos em Ferguson, muitos violentos mas também alguns pacíficos Michael B. Thomas/AFP

O futuro do agente Darren Wilson esteve durante três meses nas mãos de 12 cidadãos, convocados para formarem o grande júri que iria decidir se havia ou não indícios suficientes para o levar a tribunal pela morte a tiro do jovem Michael Brown.

A resposta final só podia ser uma de duas, mas as razões que levaram o grande júri a optar por encerrar o caso sem passar por um julgamento prende-se mais com dúvidas do que com certezas – depois de ouvirem 70 horas de testemunhos de 60 pessoas, ao longo de 25 dias intercalados, e de terem sido confrontados com montanhas de perícias forenses, relatórios de autópsias e fotografias tiradas no local, o grande júri chegou ao fim convencido de que não há "causa provável" para que Darren Wilson seja julgado por ter matado Michael Brown sem justificação legal.

Por outras palavras, o agente pode ter disparado por temer pela sua vida, ou pode ter abusado claramente dos seus poderes. Ninguém sabe bem o que aconteceu, e é por isso que Wilson não terá de responder em tribunal pelo que se passou naquela manhã de 9 de Agosto.

Na maioria dos casos nos Estados Unidos que envolvem a participação de um grande júri, os procedimentos são mais simples, com poucas testemunhas, e mais rápidos. Talvez por esse motivo, o não pronunciamento de um suspeito, como aconteceu com o agente Wilson, é extremamente raro: no ano de 2010, dos 162.000 casos em que o Ministério Público procurou convencer um grande júri a levar um suspeito a tribunal, apenas 11 tiveram a mesma sorte do agente Darren Wilson, de acordo com o site FiveThirtyEight, um dos mais conceituados em termos de análise de sondagens e comentário político.

O caso de Ferguson foi muito diferente, com o grande júri a "reunir-se durante um período de tempo extraordinariamente longo e a ouvir absolutamente tudo que poderia ser considerado como testemunho ou prova", escreve o The Washington Post.

E foram muitas as contradições entre o depoimentos do agente Wilson, o de um amigo de Michael Brown e os de várias outras testemunhas. Apesar de quase todos concordarem que tudo começou com uma escaramuça entre Michael Brown e Darren Wilson, quando o agente ainda estava no seu carro-patrulha, os detalhes que poderiam levar a uma acusação por homicídio são menos consensuais.

"Posso dizer com toda a certeza que ele [Michael Brown] não levantou os braços. Começou a correr em direcção ao agente", disse uma das testemunhas ouvidas pelo grande júri, corroborando a versão de Darren Wilson. "Sim, vi-o de joelhos, com as mãos no ar", garantiu outra testemunha.

No final, o grande júri concluiu que não havia provas suficientes para levar o agente Wilson a tribunal por homicídio, homicídio involuntário ou homicídio por negligência, mas as particularidades deste processo têm levantado muitas questões.

Uma delas é o facto de o grande júri (composto por nove brancos e três negros, numa fase processual em que bastam nove votos para se tomar uma decisão e num caso inflamado por questões raciais) ter sentido a pressão do exterior num processo que foi extremamente dramatizado e mediatizado.

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