Trabalhadores entregam abaixo-assinado ao Governo para contestar dispensas na Segurança Social

Cerca de duas centenas de trabalhadores participaram numa vigília em frente ao Ministério da Segurança Social para protestar contra o processo de requalificação.

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Trabalhadores e dirigentes sindicais fizeram uma vigília em frente ao Ministério da Segurança Social. Miguel Manso
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Marília Abrantes, é educadora de infância mas há 15 anos que exerce funções de técnica superior na Segurança Social. Miguel Manso
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Maria Clara Braga, 37 anos de função pública, é uma das educadoras de infância que vai deixar a equipa de crinaças e jovens em risco em Vila Franca de Xira. Miguel Manso

Marília Abrantes, 56 anos, é uma das educadoras de infância que recebeu uma carta do Instituto de Segurança Social (ISS) a informá-la de que seria colocada em requalificação (a antiga mobilidade especial), a receber 60% do vencimento. Nesta segunda-feira, foi também uma das cerca de 200 pessoas que estiveram em frente ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, na Praça de Londres, em Lisboa, para protestar contra o processo que pretende colocar 697 trabalhadores do ISS em inactividade e para entregar um abaixo-assinado ao ministro Pedro Mota Soares.

Já passava das seis da tarde quando um grupo de trabalhadores – acompanhando José Abraão, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública (Sintap) –, atravessou a rua e entrou no ministério para entregar o documento “com cerca de 6000 assinaturas”. Ao contrário do que esperavam, não foram recebidos por Mota Soares, mas pela sua secretária.

No abaixo-assinado, o Sintap lembra que “foi sempre reconhecida a falta de trabalhadores nas mais diversas áreas e serviços da Segurança Social” e deixa claro o receio de que a saída de 697 pessoas do atendimento ao público, dos serviços que processam as prestações, das equipas de acompanhamento de crianças e jovens em risco, e das Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) “venha a debilitar o funcionamento da Segurança Social”.

Trabalhadores e sindicato contestam ainda que os trabalhadores estejam sem funções atribuídas e que o processo seja o resultado da transferência de diversos equipamentos sociais para as IPSS, como alega o ministro da Segurança Social.

Marília Abrantes garante que nos 15 anos de trabalho no núcleo de respostas sociais em Lisboa sempre desempenhou funções de técnica superior no acompanhamento do funcionamento das IPSS, das amas e dos equipamentos para idosos. “Não estou sentada à secretária a fazer palavras cruzadas. O senhor ministro tem de dizer a verdade. Tem de  dizer que estão em causa pessoas com funções e que vão deixar de ter”.

Contesta ainda que, na nota que recebeu, o ISS diga que foram esgotadas todas as possibilidades antes da decisão de envio para a mobilidade especial. “Não fui informada de qualquer diligência nesse sentido”, frisa, garantindo que está disponível para trabalhar noutros serviços.

Para Jorge Nobre dos Santos, dirigente da UGT, a reestruturação dos quadros de pessoal do ISS foi feita “numa folha de excel, sem quaisquer preocupações com a reintegração das pessoas noutros serviços”. Mas ainda acredita que, “em algumas circunstâncias, haverá a possibilidade de as pessoas serem absorvidas por outros serviços”.

Pelo carro-palco, estacionado na Praça de Londres, passaram vários trabalhadores, que partilharam a sua história e a sua revolta. Maria Clara Braga, foi uma delas. É educadora de infância e actualmente trabalha na equipa multidisciplinar de crianças e jovens em risco de Vila Franca de Xira. Em mãos tem mais de 70 processos. Se ela e a outra educadora de infância que também trabalha na mesma equipa saírem, “as outras colegas ficam com um volume processual que chega aos 180 a 190 processos e é impossível fazer um acompanhamento”.

“Ao fim de 37 anos de serviço na Administração Pública dizem-me que preciso de uma requalificação. Já questionei o ISS se preciso de ter o doutoramento, em que área e quem é que me vai dar essa formação. Pergunto aos senhores governantes o que andam aqui a fazer para eu me questionar também o que estou aqui a fazer”, diz, sobrepondo a voz à música que animava a vigília.

Em Coimbra, Ana Maria Amaral não tem dúvidas de que as equipas que dão apoio aos tribunais de menores “vão ficar devastadas”. Na equipa onde está integrada já trabalharam quatro pessoas e agora são duas. Quando sair, ficará só uma, que considera insuficiente para fazer face aos problemas com que todos os dias são confrontados os serviços relacionados com crianças e jovens em perigo.

A exercer funções de técnica superior há duas décadas, mas mantendo a carreira de educadora de infância, Ana Amaral contesta o processo “completamente cego” a que está a ser sujeita. “Nunca ninguém nos propôs coisa nenhuma. Nenhum colega foi contactado para eventualmente passar para a carreira técnica”, realça. Uma coisa é certa: “Estou aqui para lutar até às últimas consequências”, diz. Nem que seja nos tribunais.

No caso das educadoras de infância e de outras carreiras subsistentes, os trabalhadores têm dez dias para contestar a notificação. Mas o processo de requalificação abrange outros trabalhadores, nomeadamente assistentes operacionais, que serão sujeitos a um processo de selecção (com base nas suas competências). O objectivo do Governo, num despacho a que o PÚBLICO teve acesso, é ter o processo fechado a 18 de Dezembro. 

Cláudia Rei, 35 anos, assistente operacional a desempenhar funções de técnica superior, foi informada de que teria cinco dias para enviar o currículo para os recursos humanos. É com base nele que saberá se vai ou não manter-se no serviço onde trabalha, no centro distrital de Setúbal.

“Tenho conteúdo funcional, tenho objectivos contratualizados como técnica superior, faço acompanhamento a 144 entidades no âmbito de um programa comunitário alimentar de ajuda a carenciados, emito relatórios… Não consigo encaixar o porquê de dizerem que não temos funções atribuídas”, questiona. E lembra que nos últimos dois anos tem desempenhado funções técnicas superiores, mas continua a receber o salário da carreira de assistente operacional.

A história de Cláudia Rei foi entregue, por escrito, ao ministro, juntamente com o abaixo-assinado. É considerada por José Abraão um exemplo da forma “cega” como o processo está a ser conduzido.

As histórias sucedem-se e em alguns rostos as lágrimas espreitam. Maria Laurinda, assistente operacional que está na Segurança Social há 33 anos, sente “uma angústia muito grande” em relação ao futuro. O seu e o dos dois filhos que tem a cargo, embora um deles já tenha terminado o mestrado. Se for para a requalificação já sabe que vai receber 60% do salário nos primeiros 12 meses e, daí em diante, ficará com apenas 40%.

No passeio em frente ao edifício da Praça de Londres, alinhavam-se velas vermelhas e numa faixa lia-se a mensagem que os dirigentes sindicais e os trabalhadores quiseram deixar ao ministro Pedro Mota Soares: “Pela defesa dos postos de trabalho na Segurança Social”.

Na próxima semana, a 4 de Dezembro, o Sintap (da UGT) e os sindicatos da Frente Comum (CGTP) juntam-se numa greve para contestar o processo. Em fase de conclusão está ainda uma petição pública, dinamizada pelo Sintap, que conta já com 3000 assinaturas, para ser entregue na Assembleia da República.

O processo de requalificação do ISS levou os grupos parlamentares do PCP e do PS a requererem a presença do ministro no Parlamento. A iniciativa foi chumbada pela maioria, mas o PS apresentou um requerimento potestativo, o que poderá obrigar Mota Soares a ir à Assembleia da República para explicar as razões que estão por detrás da dispensa de quase 700 trabalhadores.

Do lado do Governo, têm-se sucedido as declarações de que os trabalhadores não serão despedidos. Na semana passada, durante o debate na especialidade do Orçamento do Estado para 2015, o secretário de Estado da Administração Pública, José Leite Martins, garantiu que “o mecanismo da requalificação não envolve qualquer despedimento” e que a “equiparação a uma situação de desemprego é abusiva”.

A requalificação é um mecanismo que está em vigor desde Dezembro do ano passado e onde são colocados em inactividade os trabalhadores que não têm lugar nos serviços alvo de reorganização ou extinção. De acordo com a lei, o objectivo é tentar reconverter essas pessoas para as colocar noutros serviços onde façam falta.

Os trabalhadores admitidos antes de 2009 ou com vínculo de nomeação (em regra, os que desempenham funções de soberania) podem permanecer na requalificação até à idade da reforma. Os outros – os que entraram no Estado a partir de 2009 em regime de contrato de trabalho em funções públicas e os que nunca tiveram vínculo de nomeação – podem ser despedidos se, ao fim de 12 meses, não reiniciarem funções.

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