Depois do choque, PS entrou pelo luto, a caminho da raiva

Neste sábado, o silêncio socialista na defesa do ex-primeiro-ministro marcava a diferença com os anos de combate vigoroso dos governos de José Sócrates.

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Nenhum socialista contactado pelo PÚBLICO assumiu a defesa do ex-primeiro-ministro Miguel Manso

Durante a última madrugada, as ondas electromagnéticas que suportavam as comunicações telemóveis estavam cheias de vozes socialistas que testemunhavam a incredulidade em relação à realidade que desabara sobre o principal partido da oposição. A notícia da detenção de José Sócrates deixara a estrutura dirigente socialista limitada ao vocabulário da perseguição.

Entre os dirigentes políticos do PS, as trocas de impressões reflectiam o tratamento “indigno” do ex-primeiro-ministro e a “coincidência” temporal da iniciativa judicial com as eleições internas que confirmavam António Costa como o novo líder da oposição.

As mesmas expressões repetiam-se, entremeadas pelo paralisante choque da novidade, em cada responsável contactado pelo PÚBLICO. “Já vi este filme”, desabafava um socialista. Regressavam os dolorosos meses que destruíram a liderança de Ferro Rodrigues depois da detenção de Paulo Pedroso, em 2005. “Outra vez”, suspirava outro. Pelo meio, o reconhecimento da reacção generalizada. “As pessoas estão chocadas”, admitia outro dirigente. Para fora, ninguém conseguia verbalizar a consternação.

Mas o estado de espírito, com o passar das horas, foi-se alterando entre a elite socialista. Com o chegar da manhã, os socialistas começavam a fazer as contas aos danos que a detenção poderia provocar no PS. “Para o partido, isto é mau”, reconhecia um destacado militante. “Antes disto, o PS preparava uma vitória nas legislativas, na expectativa de uma maioria absoluta. Agora isso vai ser muito difícil”, admitia outro responsável. Entretanto, o presidente da câmara de Lisboa assumia a liderança da gestão da crise.

António Costa pôs-se em campo. Falando para dentro do seu partido, admitiu que os socialistas estavam, “por certo, chocados com a notícia”. Mas depois indicava o caminho a seguir: “Os sentimentos de solidariedade e amizade pessoais não devem confundir a acção política do PS, que é essencial preservar, envolvendo o partido na apreciação de um processo que, como é próprio de um Estado de direito, só à Justiça cabe conduzir com plena independência, que respeitamos”, escrevera o futuro líder num sms enviado aos militantes.

Era a única reacção aceitável e sensata, reconhecia a estrutura partidária. “Falou bem”, concedia um socialista que nem sequer era um dos seus apoiantes. A maioria evitava lançar-se na defesa desabrida do único secretário-geral que conseguira para o PS uma maioria absoluta em eleições legislativas. “A malta não vai fazer nenhuma declaração”, reconhecia um socialista a meio do dia.

A ex-eurodeputada Edite Estrela e o deputado João Soares ficavam, assim, sozinhos, no espaço etéreo das redes sociais, sem apoio na sua defesa de José Sócrates. Publicamente, mais ninguém seguiu a teoria da conspiração colocada sob a forma de pergunta – "Qual a melhor forma de desviar as atenções do escândalo dos vistos gold?" – por Edite Estrela. Mais nenhum dirigente secundou a denúncia da “perversa tentativa de humilhação” de João Soares.

A esmagadora maioria dos socialistas seguia a ordem implícita que constava do sms  de António Costa e fazia o “luto” em silêncio.

O silêncio era o compromisso para travar a tempestade que parecia avizinhar-se. A verdade é que, entre alguns deles, antecipava-se já o estado de raiva que poderia vir a cair sobre José Sócrates. Um dirigente garantia ao PÚBLICO não acreditar que os danos políticos se repercutissem inapelavelmente daqui a um ano nas próximas eleições legislativas. “É preciso ver como o caso evolui”, afirmava. Mas esta posição estava em minoria.

Um responsável com responsabilidades nacionais era mais virulento: “Se isto se confirma, é o partido que se lixa”. Outro sentia a emergência de reagir rapidamente para dar sinais ao eleitorado: “O António Costa vai ter de correr com os socráticos.” Outro antecipava o fim de outras carreiras políticas, além da de Sócrates: “O Pedro Silva Pereira acabou”.

Até mesmo a forma como alguns encaravam o Ministério Público se começava a alterar. “Este é o tempo da justiça, embora com repercussões políticas evidentes, cuja dimensão é imprevisível”, admitia um destes. Outro, depois de rever as acusações que circulavam, admitia que “aquilo faz todo o sentido”. Havia até mesmo quem fosse capaz de olhar para o impacto no país. “É bom que a Justiça funcione”, reconhecia de forma desarmante.

O denominador comum a todos os contactos revelava uma realidade marcante. Nenhum dos socialistas contactados pelo PÚBLICO assumiu a defesa incondicional da inocência do ex-primeiro-ministro. Nem mesmo debaixo da protectora capa do anonimato. Os amigos próximos, o núcleo duro da liderança de Sócrates, permaneceram mudos. Não se accionou, portanto, o combativo contra-ataque tão característico dos tempos desses governos.

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