Republicanos atacam o "imperador" Obama, imigrantes dizem "gracias, señor Presidente"

Partido Republicano acusa o Presidente dos EUA de "sabotar deliberadamente quaisquer hipóteses de concretizar a reforma bipartidária que diz procurar".

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A ordem de Barack Obama vai vigorar durante três anos Jim Bourg/Reuters

Num discurso recheado de apelos à emoção, numa espécie de viagem no tempo até à corrente de esperança que atravessou os Estados Unidos em 2008, o Presidente Barack Obama anunciou na noite de quinta-feira que decidiu agir sozinho para "consertar um sistema de imigração que não funciona".

Através de uma ordem executiva, sem a autorização do Congresso, mais de quatro milhões de imigrantes vão ter a oportunidade de regularizar a sua situação no país, mas o alívio proporcionado agora a essas pessoas pode transformar-se num novo pesadelo muito em breve, perante a determinada oposição do Partido Republicano e as dúvidas da maioria dos norte-americanos sobre a legitimidade da medida unilateral do Presidente.

"Durante mais de 200 anos, a nossa tradição de receber bem imigrantes de todas as partes do mundo deu-nos uma enorme vantagem sobre outras nações. Manteve-nos joviais, dinâmicos e empreendedores. Moldou o nosso carácter como um povo com possibilidades ilimitadas – não preso ao passado, mas sim capaz de se transformar à medida das suas escolhas. Mas hoje, o nosso sistema de imigração não funciona. E toda a gente sabe isso", começou por dizer o Presidente norte-americano.

A esmagadora maioria das palavras proferidas por Barack Obama ao longo de quase 15 minutos, numa rara comunicação ao país em horário nobre, foi usada para tentar convencer os cidadãos norte-americanos da legalidade e da justeza da sua decisão, em resposta às acusações do Partido Republicano de que está a agir como um "imperador" e às mensagens que lhe têm sido enviadas através das sondagens: apesar de a maioria dos inquiridos defender a abertura de um caminho para a cidadania de milhões de imigrantes, uma percentagem semelhante considera que esse caminho deve ser percorrido pelo Presidente de mãos dadas com o Congresso.

A comunicação de Obama foi acompanhada um pouco por todo o país, apesar de as estações de televisão nacionais terem decidido não interromper as suas emissões. Em Nova Iorque, nas instalações da Coligação para a Imigração, ouviram-se frases como "Gracias, Señor Presidente", escreve o The New York Times.

A verdadeira notícia da comunicação foi recebida com uma explosão de alegria por milhões de pessoas, obrigadas até agora a trabalhar muito e a receber pouco nas sombras da sociedade norte-americana, com um medo diário de serem identificadas e expulsas do país. Maria Martinez, uma empregada doméstica de 33 anos natural de El Salvador, resumiu o sentimento numa curta frase: "O medo acabou."

"Tudo o que consigo pensar agora é o que vou dizer aos meus filhos", disse Martinez ao The Washington Post depois de ouvir a declaração de Barack Obama na sede da organização de apoio a imigrantes Casa de Maryland, na cidade de Hyattsville.

A história de Martinez é um exemplo do grupo de pessoas a que a ordem executiva do Presidente norte-americano se destina. Há nove anos, decidiu entrar de forma ilegal nos Estados Unidos para se juntar ao marido. Para trás ficaram dois filhos, que ela não voltou a ver desde que saiu de El Salvador devido ao receio de não conseguir voltar a entrar nos Estados Unidos.

A situação de Maria Martinez poderá mudar radicalmente por causa das medidas anunciadas na noite de quinta-feira pelo Presidente norte-americano – com um terceiro filho já nascido nos Estados Unidos, há oito anos, poderá candidatar-se a obter um número de Segurança Social, a procurar trabalho de forma legal e, acima de tudo, a voltar a ver os dois filhos em El Salvador sem correr o risco de ser detida na fronteira.

De acordo com várias estimativas, a ordem executiva de Obama vai beneficiar entre quatro milhões e cinco milhões de pessoas que vivem nos Estados Unidos sem autorização legal há mais de cinco anos, mas cujos filhos são cidadãos norte-americanos ou têm autorização de residência permanente.

Outras centenas de milhares de pessoas (os números variam entre 600.000 e um milhão) poderão também obter um estatuto especial, que não é nem a cidadania, nem uma autorização de residência permanente – é a garantia de que não serão deportadas e que poderão procurar trabalho sem receio de serem denunciadas, desde que tenham um registo criminal limpo. Este grupo é constituído pelos chamados "dreamers", jovens que foram levados pelos seus pais para os Estados Unidos quando eram crianças e que estudaram no país. Em 2012, através de uma outra ordem executiva, Obama regularizou a situação de milhares desses jovens, mas agora decidiu retirar o limite de idade para que eles possam candidatar-se a este estatuto especial.

Confrontado com a oposição de republicanos e com o cepticismo de democratas em relação ao facto de ter assinado uma ordem executiva, o Presidente norte-americano piscou o olho a todos, com uma referência a George W. Bush e uma citação bíblica.

"A Bíblia diz-nos que não devemos oprimir um estranho, porque conhecemos o coração de um estranho – nós também já fomos estranhos. Somos e seremos sempre uma nação de imigrantes", disse.

Barack Obama aproveitou também para colar o seu discurso a um apelo lançado pelo antigo Presidente George W. Bush em 2006, quando procurava convencer o Senado a aprovar uma proposta de reforma da lei de imigração, também ela contrária à deportação em massa de imigrantes: "Tal como disse o meu antecessor, o Presidente Bush, eles fazem parte da vida americana."

Em resposta à decisão unilateral de Obama, o Partido Republicano já fez saber que vai fazer tudo o que estiver ao seu alcance para reverter a ordem executiva. O líder da maioria na Câmara dos Representantes, o republicano John Boehner, disse nesta sexta-feira que Barack Obama "prejudicou a própria presidência", e que devia ter esperado pelo Congresso para que fosse possível reformar o sistema de imigração de forma permanente (a ordem executiva da Casa Branca só estará em vigor nos próximos três anos e poderá ser revogada pelo próximo Presidente).

"Com esta decisão, o Presidente escolheu sabotar deliberadamente quaisquer hipóteses de concretizar a reforma bipartidária que diz procurar", acusou Boehner.

No ano passado, o Senado aprovou uma proposta de reforma do sistema de imigração com uma larga maioria, incluindo vários senadores republicanos, mas a Câmara dos Representantes nunca aceitou votar o documento. A liderança republicana acusava a Casa Branca de minar essa possibilidade ao ameaçar avançar com uma ordem executiva, e a Casa Branca acusava a liderança republicana de adiar a votação por ceder à ala mais conservadora do partido.

Num jogo que ninguém consegue prever se terá vencedores e vencidos, Barack Obama passou a bola ao Partido Republicano, desafiando os seus líderes na Câmara dos Representantes a votarem a lei: "Aos membros do Congresso que põem em causa a minha autoridade para fazer com que o nosso sistema de imigração funcione melhor, ou que questionam o facto de eu estar a agir onde o Congresso falhou, tenho uma resposta: aprovem a lei."

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