Quando os eleitores ficam mesmo fartos

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Beppe Grillo no comício em que encheu a praça San Giovanni de Roma, antes das legislativas de 2013 Fillipo Monteforte/AFP

Não é a mesma história mas há demasiadas semelhanças para que as ignoremos. Bem perto de Espanha, milhões de eleitores votaram em Fevereiro do ano passado para deixarem o seu país ingovernável. Grande parte desse terramoto, que acabou com negociações falhadas e um primeiro-ministro nomeado pela presidência para formar um governo de unidade nacional, foi provocado pelo resultado de uma formação que nunca tinha concorrido em eleições nacionais e que obteve 25,55% dos votos.

O Movimento 5 Estrelas, do ex-comediante Beppe Grillo, ficou um pouco atrás das coligações de esquerda e direita mas foi o partido individualmente mais votado nas últimas legislativas italianas. Contados os votos, a velha Itália acordou confusa e desesperada. A formação de Grillo, muito conhecido e polémico (tal como Pablo Iglesias, líder do Podemos espanhol), tinha crescido em pouco tempo, já tendo conquistado municípios importantes em 2012. Mas continuava a ser menosprezada pelos partidos tradicionais e pelos media mainstream, que a reduziam a um grupo de “populistas” – o facto de Grillo não dar entrevistas e não confiar nos jornalistas, preferindo a comunicação directa, via Internet, não ajudava.

Quando escrevíamos sobre Grillo, lembrávamos os indignados espanhóis e o movimento 15M, com a preferência de ambos pelas redes sociais. 5 Estrelas e Podemos usam ainda a Net para discutir e votar propostas, apesar de ambos terem núcleos locais e de se reunirem em grandes assembleias (como as do 15M, nas Portas do Sol de Madrid, onde se votava de braço no ar). Quando falamos no Podemos espanhol, o partido que nasceu há oito meses e que neste momento reúne o maior número de intenções de voto em Espanha, também temos de nos lembrar dos indignados.

“Desde que emergiu o 15M, as forças políticas maioritárias mostraram uma grave incapacidade para compreender o que aconteceu nos últimos anos”, escreveu beste domingo no El País o consultor político Antoni Gutiérrez-Rubí. “Com os seus sensores tradicionais obsoletos, não registaram a frequência dos novos tempos. Desvalorizaram o que ignoraram. E por causa desta auto-suficiência política, com os termómetros avariados, não entenderam o aumento da temperatura social.”

Em Espanha, PP e PSOE ignoraram que a indignação cresce a cada novo caso de corrupção, tal como não viram as consequências da crise económica, dos resgates aos bancos e dos cortes na relação das pessoas com os partidos. O mesmo aconteceu com os italianos, apesar das particularidades, num país onde os eleitores se cansaram do que conheciam: uma direita que aproveitava a maioria absoluta para aprovar leis que salvavam da justiça o seu líder, Silvio Berlusconi (como o PP usa a sua para evitar, por exemplo, debater casos de corrupção no plenário do Congresso), ou aprovar uma lei eleitoral que visava impedir que mais ninguém conseguisse governar o país; e um centro-esquerda incapaz de chegar ao fim de uma legislatura e que passava pelo poder sem legislar contra os conflitos de interesses (que beneficiavam Berlusconi).

Espanhóis e italianos deixaram de acreditar nas instituições e nos partidos que sempre governaram. Ficaram fartos. Grillo, que tal como o movimento de Pablo Iglesias faz agora, foi buscar votos a todos os partidos, muitos à direita, também recusava rótulos ideológicos e tinha um programa aparentemente contraditório (muitos dos que dizem querer votar no Podemos admitem não perceber bem as suas propostas). Propunha, acima de tudo, “limpar” a política, encher o Parlamento de sangue novo, com candidatos sem experiência partidária e vindos de todas as áreas.

Muitos italianos votaram Grillo só por isso, para dar uma oportunidade aos jovens (a Itália tinha os políticos mais velhos da Europa) e a pessoas novas que poderiam fazer diferente. Quando os resultados foram conhecidos, alguns festejaram a ingovernabilidade, o facto de “eles” terem ficado sem saber o que fazer. Falta um ano para as legislativas espanholas. Se o PP e o PSOE quiserem, ainda podem tentar aprender a lição que a Força Itália nunca aprendeu e que o Partido Democrático começou a perceber depois das eleições de 2013. Que só com mudanças profundas e reformas credíveis se pode combater um movimento que apela às emoções e promete fazer tudo diferente.

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