Projecção de ébola na Libéria estima pico de 170.000 casos para Dezembro

Modelo matemático conclui que o número de casos pode subir para as centenas de milhares já em Dezembro. Esta escalada ainda pode ser travada, mas é preciso agir mais depressa.

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Uma equipa transporta o corpo de uma pessoa que morreu de ébola, na Serra Leoa Christopher Black/Reuters (arquivo)

A contenção do vírus é a palavra de ordem para travar a epidemia do ébola na Guiné-Conacri, Libéria e Serra Leoa. Se todos os doentes forem colocados nos centros de saúde, onde são tratados por profissionais que conhecem as regras de segurança e sabem evitar a exposição ao vírus, então a probabilidade de um doente com ébola transmitir a doença diminui radicalmente. Mas as camas e os médicos são insuficientes, e um artigo publicado ontem na revista The Lancet Infectious Diseases põe em evidência as consequências desta resposta até agora insuficiente e atrasada: se os meios se mantiverem iguais aos existentes em Setembro, então a meio de Dezembro os casos atingirão cerca de 171.000 só no condado onde fica Monróvia, a capital da Libéria, e os mortos ultrapassarão os 90.000.

Estes números assustadores não são definitivos. Os modelos matemáticos usados pelos cientistas mostram que os novos casos e as novas mortes podem subir ou descer dependendo da força da resposta ao ébola, e também da rapidez com que as medidas são aplicadas. Mas o alerta é claro.

“As nossas previsões mostram que está a fechar-se rapidamente a janela de oportunidade para se controlar esta epidemia e evitar nos próximos meses um número catastrófico de casos e mortes devido ao ébola”, explicou Alison Galvani, líder do trabalho e professora de epidemiologia da Escola de Saúde Pública da Universidade de Yale (EUA), num comunicado da revista The Lancet.

Anteontem, o comité de emergência para o ébola da Organização Mundial da Saúde (OMS) reuniu-se pela terceira vez para avaliar a situação da epidemia, a pior de sempre desde que o vírus do ébola foi identificado pela primeira vez em 1976. Até 2014 e devido às características deste vírus hemorrágico, os surtos tinham sido controlados em regiões isoladas de África, com um impacto mortal baixo. A prova mais recente de que esta doença é controlável quando são tomadas as medidas correctas vem da Nigéria, onde na actual epidemia houve 20 infectados e oito mortos devido a um homem oriundo da Libéria a 20 de Julho. Mas os doentes foram identificados e isolados, impedindo assim novas transmissões. No início desta semana, a OMS declarou o fim do surto naquele país.

Mas nos três países que na África Ocidental ainda enfrentam a epidemia, surgida em Dezembro de 2013 no Sul da Guiné-Conacri, parece ter-se formado a tempestade perfeita: é o primeiro surto nesta região; a Guiné-Conacri, a Libéria e a Serra Leoa têm dos sistemas de saúde mais pobres de África; há deslocação de pessoas entre os três países; os hábitos culturais dessas comunidades expuseram ainda mais as pessoas ao ébola; e finalmente a comunidade internacional não esteve à altura da resposta necessária.

Os resultados estão agora à vista. A 8 de Agosto, quando a OMS considerou o surto de ébola como uma “emergência de saúde pública de âmbito internacional”, estavam contabilizadas 1779 pessoas infectadas e 961 mortos. Anteontem, a OMS actualizou os números para 9911 casos e 4868 mortos. E a Libéria é o país mais atingido, com 4665 casos e 2705 mortos.

Desde Agosto até agora, apareceu um doente no Senegal, que já está livre do ébola, os Estados Unidos contam com quatro casos e um morto, e Espanha teve um caso de uma auxiliar de enfermagem que está agora curada.

Nos três países da África Ocidental, a situação é completamente diferente. Ninguém tem dúvida de que a verdadeira dimensão da epidemia ultrapassa os casos registados. A própria OMS estima que os mortos sejam já 15.000, noticiou a agência Reuters. E calcula que a mortalidade da doença ronde agora os 70%. No final de Agosto, no plano para travar o ébola divulgado pela OMS, referia-se que o número de casos de ébola pudesse vir a ultrapassar os 20.000, mas de acordo com as estimativas mencionadas, é possível que este número já tenha sido ultrapassado. Mas a meio de Outubro, a OMS já antecipava entre 5000 e 10.000 casos novos de ébola em meados de Novembro.

“A ênfase principal deve continuar a ser parar com a transmissão do ébola nos três países afectados”, diz o comunicado de ontem da OMS sobre as conclusões do comité de emergência.

Para isso, a organização pretende ter, até a 1 de Dezembro, 70% dos casos de ébola isolados e quer que 70% dos funerais de pessoas com ébola sejam feitos de forma segura. O objectivo final é chegar aos 100%, em ambas as situações, a 1 de Janeiro.

Para já, há apenas 1126 camas para doentes de ébola nos três países africanos — o que é 25% das camas que a OMS considera necessárias para conter o vírus. É aqui que entra o estudo publicado na The Lancet Infectious Diseases.

“Exemplo para os manuais”
A equipa calculou que no condado de Montserrado, onde fica Monróvia e vive um milhão de pessoas, cada doente está a infectar em média 2,49 pessoas. Para a epidemia começar a diminuir, será necessário que aquela média fique abaixo de um.

A equipa começou por estimar o número de casos e mortos para aquela região até 15 de Dezembro, se as condições da resposta ao ébola se mantivessem iguais desde o final de Setembro. Resultado: poderão ser 171.000 casos, com 90.000 mortos.

Mas se a 31 de Outubro o cenário de resposta à epidemia mudar e forem adicionadas 4800 camas de hospital, se as equipas de saúde passarem a identificar novos casos de ébola cinco vezes mais depressa do que actualmente e se forem entregues nas casas kits anti-ébola (luvas e máscaras de protecção, sabão e lixívia e sacos para lixo infectado com o vírus), então o cenário será um pouco menos gravoso. Os casos projectados para Montserrado serão menos 90.000 a meio de Dezembro — ou seja, cerca de 81.000.

No entanto, se estas medidas só forem aplicadas a 15 de Novembro, então o número de casos de ébola evitados, de acordo com a estimativa dos cientistas, já seria apenas de 54.000. Esta diferença revela como é urgente aplicar as medidas contra a epidemia.

Num comentário a este artigo científico, David Fisman e Ashleigh Tuite, epidemiologistas da Universidade de Toronto (Canadá), dizem que o estudo mostra como a epidemia do ébola é um “exemplo para os manuais” de epidemiologia e defendem a urgência do seu combate: “[Este trabalho] mostra que a intervenção só terá resultados se for feita a tempo. E até agora isso não tem acontecido.”

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