Constitucional confirma anulação de condenação do Hospital de S. Marcos por negligência em parto

Caso remonta a 1994. Pais atribuem paralisia cerebral do filho a negligência médica. Primeira decisão determinou indemnização de 450 mil euros, que o Supremo Tribunal Administrativo anulou em Janeiro. Família recorreu para o Tribunal Constitucional, que indeferiu agora o pedido.

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Maria dos Anjos com o filho, na altura com 16 anos Adriano Miranda

Quase 20 anos depois do parto no Hospital de São Marcos, em Braga, que deu origem a um processo por alegada negligência médica, o Tribunal Constitucional (TC) confirmou agora a anulação da condenação da unidade de saúde ao pagamento de 450 mil euros à família do bebé que ficou em estado vegetativo. A anulação da indemnização definida anteriormente pelos tribunais de primeira instância tinha sido determinada no início deste ano pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA), mas os pais do rapaz, agora com 19 anos, recorreram para o TC.

A primeira decisão do TC tinha sido conhecida ainda em Julho, quando rejeitou o recuso dos pais. A família reclamou, mas o tribunal indeferiu o pedido com um acórdão do passado dia 15 de Outubro que confirma a anulação do pagamento da indemnização. Junto do TC os pais alegavam, por exemplo, que o Supremo Administrativo não tinha ouvido as partes para a sua tomada de decisão nem tinha tido em consideração algumas questões constitucionais. Os pais, diz ainda o TC, devem também pagar custas judiciais que ultrapassam os 2000 euros, ainda que possam beneficiar de apoio judiciário. A família já tinha avançado em Julho ao Correio da Manhã, aquando da primeira decisão, que irá recorrer para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

No acórdão, o TC explica que as questões de inconstitucionalidade invocadas pelos pais não se aplicam ao caso. O recurso tinha como base que o STA tinha violado a Constituição ao contrariar os factos dados como provados pelo Tribunal Central Administrativo. Porém, no acórdão é explicado que, para que o TC pudesse apreciar o recurso, era necessário que a violação dissesse respeito à aplicação de uma norma jurídica que não estivesse de acordo com a Constituição — o que se considera que não aconteceu.

Os factos remontam a 18 de Dezembro de 1994, dia em que Maria dos Anjos deu entrada no Serviço de Urgência do Hospital de São Marcos, às 17h49, em trabalho de parto, pelo que foi remetida para o Serviço de Obstetrícia. Dezasseis horas depois, já no dia 19 de Dezembro, foi dada autorização para a realização de uma cesariana, que acabou por acontecer às 10h45.

O bebé teve de ir de imediato para a urgência de neonatologia e, no dia seguinte, foi pedida a intervenção do INEM, que levou a criança para o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia. O pedido foi feito devido a “asfixia perinatal, sofrimento fetal, convulsões e apneias”, confirmando-se mais tarde o diagnóstico de paralisia cerebral. O rapaz ficou com uma incapacidade permanente de 100%, não tem qualquer reacção visual nem capacidade de controlo de movimentos e está totalmente dependente de outra pessoa.

Ainda segundo o TC, o recurso não enuncia “qualquer questão de inconstitucionalidade que efectivamente recaísse sobre uma norma jurídica ou interpretação em sentido próprio”. O recurso “limitou-se a formular juízos de valor sobre a bondade do julgado em termos que não têm qualquer correspondência com a letra da lei”, dizem os juízes, que explicam que não é atribuída inconstitucionalidade à apreciação que o Supremo Administrativo fez das ilações extraídas pelas instâncias anteriores.

É também reafirmado que ficou por provar o nexo de causalidade entre a forma como foi conduzido o parto e as lesões com que o bebé nasceu e cita-se o relatório pericial que dizia que “a determinação da causa das lesões neurológicas do tipo das diagnosticadas na criança e a sua atribuição a eventos relacionados com o período pré-natal é sempre rodeada de dificuldades e incertezas”.

O STA tinha anulado no início deste ano a condenação do Hospital de São Marcos ao pagamento aos pais do menino da indemnização de 450 mil euros — uma das maiores indemnizações alguma vez decididas nos tribunais portugueses e que, acrescida de juros de mora, ultrapassaria os 568 mil euros — por alegada negligência médica. Para o STA não ficou provado, como tinham confirmado o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga e o Tribunal Administrativo Central Norte, o “nexo de casualidade entre os serviços prestados à mãe e as lesões sofridas” pelo bebé. O STA contrariou, desta forma, a anterior decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que concluiu pela “existência de culpa do serviço”, que, “não sendo imputável em concreto a um qualquer funcionário, tem de ser reputada como falta grave no funcionamento dos serviços prestados” à mãe e ao bebé.

Na altura, o Hospital de São Marcos recorreu da decisão para o Tribunal Central Administrativo, alegando que, durante o julgamento, a equipa de magistrados “não fez uma correta interpretação e aplicação da lei e da prova produzida”. Porém, os juízes confirmaram a sentença da primeira instância, reforçando que houve uma “deficiente prestação de cuidados hospitalares” e a administração do hospital levou o processo para o STA, que inverteu o curso do caso.

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