Governo quer poupar com estudos, pareceres e telecomunicações, mas OE prevê mais despesa

É uma das principais medidas de consolidação da despesa anunciadas pelo Governo para 2015, mas nos mapas do OE a despesa com estudo, pareceres, consultoria e telecomunicações é mais alta do que no ano passado.

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Maria Luís Albuquerque anunciou cortes nos consumos intermédios para atingir meta do défice RUI GAUDÊNCIO

Apesar de anunciar que irá tomar medidas que vão permitir ao Estado poupar 317 milhões com estudos, pareceres, projectos, consultoria e tecnologia de informação e comunicação, o Governo prevê no Orçamento do Estado (OE) para o próximo ano um novo aumento desse tipo de despesas, numa aparente contradição que aumenta as dúvidas sobre a credibilidade da estratégia orçamental delineada pelo Executivo para 2015. O Ministério das Finanças garante que a diferença é provocada pelo alargamento do perímetro da Administração Pública ditado pelas autoridades estatísticas.

O alerta foi feito pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) da Assembleia da República, no relatório de análise à proposta de OE para 2015 publicado nesta terça-feira.

Por um lado, na tabela em que o Governo enumera quais as medidas de consolidação orçamental que irá aplicar em 2015 para garantir o cumprimento da meta de 2,7% no défice, é dada uma importância muito significativa aos cortes que se podem vir a conseguir em todas as despesas relacionadas com serviços prestados por terceiros ao Estado. É antecipada uma poupança de 179 milhões de euros com estudos, pareceres, projectos, consultoria e outros trabalhos especializados e aponta-se para uma redução de despesa de 138 milhões de euros em tecnologias de informação e comunicação. Estes valores são idênticos aos que já eram previstos em Abril no Documento de Estratégia Orçamental.

Somadas estas duas rúbricas, são 317 milhões de euros de poupança, que representam 38,5% dos 823 milhões de euros de medidas de consolidação do lado da despesa previstos pelo Governo.

No entanto, quando se olha para as tabelas onde estão orçamentadas as despesas totais na Administração Central, os gastos com este tipo de serviços não espelham esta vontade de poupar anunciada pelo Governo. A despesa com estudos, pareceres, projectos, consultoria e outros trabalhos especializados prevista para 2015 é de 765,9 milhões de euros, mais 185,2 milhões (ou 31,9%) do que orçamentado no OE inicial para 2014.

De igual modo, nas despesas de tecnologias de informação e comunicação estão orçamentados 543,8 milhões de euros, mais 71,1 milhões (15%) do que em 2014.

Somando as duas rúbricas, o OE 2015 tem mais 256,3 milhões de euros de despesa do que o OE 2014, um acréscimo de 24,3%.

É verdade que parte desta despesa prevista no OE está cativada, dependendo a sua utilização da autorização do ministro sectorial e da ministra das Finanças. No entanto, isso também acontecia no OE 2014, e é aliás uma das razões para que, até ao final de Setembro, terem sido executadas menos de metade das verbas orçamentadas. 

Questionado pelo PÚBLICO sobre esta matéria, o Ministério das Finanças respondeu que "em 2015 temos um conjunto de novas entidades (em resultado do alargamento do perímetro de consolidação, por força das alterações metodológicas do SEC2010) que não existiam nas contas públicas em 2014". Explicou ainda que "a metodologia de incorporação destas medidas nos orçamentos não se consubstanciou a reduzir estas rubricas para os níveis definidos". "O que se fez em termos orçamentais foi reduzir o plafond dos programas orçamentais nos montantes identificados, ficando do lado dos ministérios fazer repercutir estas reduções nas rúbricas que entendessem mais razoável e plausível reduzirem a despesa", afirma fonte ofcial do ministério.

As Finanças garantem assim que, "usando universos comparáveis", "as despesas orçamentada com estudos, pareceres, projetos e consultadoria reduzem-se 14%", "a despesa com trabalhos especializados aumenta 15% sobretudo justificada pelos Fundos e Serviços Autónomos, em particular o IEFP" e "a despesa com Tecnologias de informação reduz-se 6%".

A estratégia de consolidação orçamental delineada pelo Governo para 2015 já tinha sido classificada pela Comissão Europeia como sendo de “menor qualidade”. Um dos problemas está relacionado com o facto de uma parte significativa das poupanças previstas não estar baseada em medidas concretas de cortes de despesa.

A intenção de cortar nas despesas de consumos intermédios (onde se incluem as despesas com estudos, pareceres, consultoria e telecomunicações) está presente em todos os orçamentos desde 2010, mas na execução regista-se uma grande dificuldade em cumprir os objectivos. Pedro Passos Coelho tem salientado por diversas vezes que as despesas com consumos intermédios foram cortadas em 1600 milhões de euros desde 2010. No entanto, metade deste corte deve-se ao facto de em 2010 a compra de submarinos (que foi registada como consumo intermédio) ter empolado essa despesa. Sem esse efeito, o corte realizado em quatro anos não passa dos 800 milhões. 

Esta terça-feira, no decorrer da audição dos responsáveis do Ministério das Finanças na comissão parlamentar de orçamento e finanças, o Governo foi interrogado pelas previsões de receitas extraordinárias para 2015. A UTAO tinha assinalado que na proposta de OE não eram explicadas receitas no valor de 66 milhões de euros. O secretário de Estado do Orçamento, Hélder Reis, esclareceu que essa verba diz respeito à concessão a privados da ligação entre a autoestrada do Norte, A 1, e a A 23. É um troço com cerca de 40 quilómetros que é actualmente explorado pelas Estradas de Portugal. 

 

Texto actualizado com resposta do Ministério das Finanças.

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