Bispos continuam contra os "métodos artificiais" de controlo da natalidade

Igreja recupera encíclica do Papa Paulo VI que, em 1968, proibiu os anticoncepcionais artificiais. Os teólogos portugueses ouvidos pelo PÚBLICO consideram que Igreja não se devia imiscuir na vida sexual dos casais.

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A equipa estudou casos de asma em crianças entre os dois e os seis anos Daniel Rocha (arquivo)

Num sínodo em que, num tom inédito na Igreja Católica, os bispos se predispuseram a discutir temas tão incómodos quanto o acolhimento dos gays, divorciados e recasados – mesmo que tenha sido para, no documento final, proporem que a doutrina se mantenha inalterada -, há um aspecto em que não se perspectiva grande vontade de mudança na Igreja Católica: continuam contra o recurso aos contraceptivos e, no que se refere às técnicas de procriação medicamente assistida, aconselham os casais inférteis a adoptar crianças "órfãs e abandonadas".

No relatio synodi, o relatório final do sínodo dos bispos que que vai servir de base de trabalho até ao novo sínodo de Outubro de 2015, os bispos dizem-se preocupados com o declínio da natalidade e recuperam a mensagem da Humanae Vitae, a encíclica em que o Papa Paulo VI decretou, em 1968, a proibição da contracepção artificial e a consequente necessidade de a regulação dos nascimentos se fazer pelo recurso aos métodos naturais, ou seja, evitando as relações sexuais nos períodos mais férteis.

Entre alusões à beleza de “uma abertura incondicional à vida” por parte dos casais, o ponto 58 do documento advoga um “adequado ensinamento sobre os métodos naturais para a procriação responsável”, os únicos tidos como capazes de “permitir viver de uma forma harmoniosa e consciente a comunhão entre os cônjuges, em todas as duas dimensões, juntamente com a responsabilidade generativa”.

Quanto à infertilidade, “a adopção de crianças, órfãs e abandonadas, acolhidas como os seus próprios filhos, é uma forma específica de apostolado familiar”, escrevem ainda os participantes no sínodo, para insistirem que “a escolha da adopção (…) exprime uma particular fecundidade da experiência conjugal, e não apenas quando esta é marcada pela esterilidade”. Num ponto que somou 167 votos a favor e apenas nove contra, os bispos insistem que a adopção é “um sinal eloquente do amor familiar” e “ocasião para testemunhar a própria fé e restituir a dignidade filial” a quem dela foi privado.

No ponto anterior - aprovado com 169 votos a favor e cinco contra -, os bispos já tinham enfatizado a abertura à vida como “um requisito intrínseco do amor matrimonial”, negando assim o sexo para além da sua função procriativa. Condenando a mentalidade “que reduz a geração da vida a uma variável nos planos do indivíduo ou de um casal”, reiteraram o apoio às famílias que acolhem e educam os seus filhos com deficiência.

Para o teólogo Joaquim Carreira das Neves, a Igreja não devia imiscuir-se naquilo que devia ser “um assunto particular dos casais”, sustentou, questionado pelo PÚBLICO, numa altura que já era conhecida a posição dos bispos quanto ao recurso aos métodos anticoncepcionais. “A encíclica Humanae Vitae [da autoria do Papa que foi beatificado no domingo] para mim foi um desastre. A Igreja não tem nada que se meter nisso, porque isso faz parte do mundo da condição humana e da sociedade civil. Essa coisa da condição humana ferida pelo pecado original, não existe. Por que é que acontece? Porque vivemos durante anos e anos com o dogma do pecado original ligado ao sexo. Isso já devia ter sido abolido há muito tempo”, sustentou.

Mesmo que a Igreja tivesse dado passos em frente nesta matéria, “seria quando muito no sentido de dizer que as pessoas são responsáveis e devem gerir as suas situações com responsabilidades”, considera a teóloga Teresa Toldy, que acompanhou o desenrolar dos trabalhos dos bispos. “Houve um bispo que chamou a atenção para o facto de os métodos [anticoncepcionais] propostos pela Igreja se terem tornado dificilmente compatíveis até com o ritmo de vida que as pessoas têm, mas o máximo que a Igreja poderá fazer é a remissão deste assunto para a responsabilidade de cada um”.

Já o jornalista Ricardo Perna, da revista Família Cristã, não espera ver grandes mudanças na doutrina da Igreja sobre estas matérias. “Quando a Humanae Vitae foi aprovada, a única solução conhecida era o chamado método do calendário, altamente falível, e houve uma resistência muito grande. Hoje em dia, a situação é completamente diferente porque existem outros métodos naturais de planeamento familiar, como a observação do muco cervical, que são tanto ou mais eficazes do que os contraceptivos químicos. Tendo em conta que esta questão está ultrapassada, compreendo que a Igreja não veja necessidade de ir além dos métodos naturais que têm a vantagem de não dar dinheiro a farmacêuticas”, concluiu.

Recorde-se que o cardeal alemão Walter Kasper, tido como muito próximo do Papa Francisco que o convidou a fazer a reflexão de abertura de um consistório, em Fevereiro, sobre a família, tinha afirmado, nas várias entrevistas que antecederam o arranque do sínodo, que a Igreja não é contra o controlo da natalidade, mas apenas contra alguns dos seus métodos. E acrescentou que este deveria ser um assunto “da consciência pessoal e da responsabilidade pessoal” de cada um, tendo então reforçado a expectativa de uma alteração da doutrina da Igreja nesta matéria, assim como no acolhimento dos casais homossexuais e do acesso aos sacramentos por parte dos divorciados e recasados.

 

 

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